domingo, 14 de janeiro de 2024

“A INQUILINA”

ou

(MUDAR É PRECISO,

PORQUE VIVER É MAIS AINDA.)

ou

(NUNCA É TARDE

PARA SE REINVENTAR

E SER FELIZ.)





               Quando crio muita expectativa para assistir a alguma peça, sei que estou correndo um grave risco de me frustrar, se o espetáculo ficar aquém do que eu imaginava e esperava. Por outro lado, se o resultado é positivo, ou mais que positivo, o prazer e a alegria são sempre potencializados. Sempre que isso acontece, ou seja, quando o resultado de uma montagem teatral vai além, ou muito além, daquilo por que eu ansiava tanto, costumo dizer que saí do Teatro “em total estado de graça”, pensando na grande Clarice Lispector, que, com seu inquestionável talento, numa de suas crônicas, cujo título é, exatamente “Estado de Graça”, puxando para a metafísica, procura “definir” os sintomas de tal condição: “Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro à inspiração, que é uma graça especial, que, tantas vezes, acontece aos que lidam com arte. O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que, realmente, se existe. Neste estado, além da tranquila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve, porque, na graça, tudo é tão, tão leve... É uma lucidez de quem não advinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. (...) sem esforço, sabe-se. (...) As descobertas, nesse estado, são indizíveis e incomunicáveis. (...).




         Quando uma peça me deixa em estado de graça, já sei que será difícil escrever uma crítica sobre ela, pois a sensação que tenho é a de que tal estado de contemplação, paralelamente, “emburrece as pessoas”, no sentido de lhes roubar o dom da escrita; talvez, até mesmo, lhes embotar o raciocínio e a concatenação das ideias. Mas eu não me entrego facilmente e cá estou, com o firme propósito de registrar o que que senti ao final da sessão de estreia de “A INQUILINA”, que veio para cumprir uma pequena temporada, no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de Janeiro (CCBB – RJ) (VER SERVIÇO.)



           Era meu desejo já ter assistido à peça, quando de sua temporada em São Paulo, porém, na última vez em que estive na capital paulista, não consegui disponibilidade, na agenda, para conferir aquilo que era comentário unânime, do público e da crítica; “a peça é excelente”. Isso só fez inchar a minha curiosidade e torcer para que não demorasse muito a aportar no Rio de Janeiro. Não foi tanto tempo assim, deu para suportar bem a ansiedade e valeu a pena a espera. A peça é muito mais do que ouvi dizer sobre ela e, como me deixou em estado de graça, farei um esforço bem grande para discorrer sobre “A INQUILINA”, codificar, em palavras, meus sentimentos.




          Começando pelo texto, a espinha dorsal de qualquer montagem teatral, fiquei encantado com sua arquitetura dramática. Não conhecia nenhum trabalho de JEN SILVERMAN, até porque esta é sua primeira peça encenada no Brasil. JEN é dramaturga, romancista, poeta e roteirista norte-americana. Suas peças já foram produzidas nos Estados Unidos e em países ao redor do mundo, como Austrália, República Thecha, Suíça e Espanha. A obra aqui analisada, cujo título original é “The Roommate”, estreou em Chicago, no renomado Teatro Steppenwolf, tendo recebido ótimas críticas, como a do “Chicago Tribune”, com relação ao texto: “JEN SILVERMAN, em sua peça “The Roommate”, demonstra ser uma escritora atenta, poética, e gentil, generosa com suas personagens e sem ser condescendente em sua escrita.”. Associo-me a esse comentário, visto que, com sua linguagem, percebi que, a despeito da pouca idade, a autora se apresenta de forma bem madura, pesando, cuidadosamente, as palavras dos diálogos, criando uma atmosfera de mistério e expectativa, surpreendendo o público a cada nova cena. A jovem autora já foi premiada nas seguintes láureas: “The Helen Merril Award”, “The Yale Drama Series Award” e “The Lilly Award”. JEN também escreve para TV; é a roteirista, por exemplo, de “Tales of the City”, minissérie disponível em “streaming” (Netflix)



Jen Silverman.

Crédito: Getty Images / Walter MacBride


      Por não conhecer a história no original, apoio-me na tradução de DIEGO TEZA, que julgo excelente. Sei que DIEGO vive a garimpar textos de dramaturgos estrangeiros, muitos deles autores incipientes, e os traduz e adapta, de forma magnífica, ao gosto brasileiro, como já se deu em “O Camareiro”; “O Jornal – The Rolling Stone”; “As Crianças”, que voltou ao cartaz, no presente momento; “Todas As Coisas Maravilhosas”; e “Órfãos”, reapresentada recentemente, apenas para citar algumas das que mais me impactaram. DIEGO, em seu trabalho de pesquisa, lê um texto, em inglês e, se gosta dele e caso sinta que tem potencial para ser encenado no Brasil, parte para a sua tradução e mantém uma espécie de “acervo”, engavetado, pronto para servir a quem se interessar pela montagem.


 


 SINOPSE: 

Sharon (LUISA THIRÉ), 53 anos, dona de casa, divorciada, conservadora, solitária e sem perspectivas, mãe de um filho distante, vive sozinha, numa zona rural, numa cidade do interior norte-americano, sem perspectivas ou recursos para se manter.

Decide, então, alugar um quarto de sua casa e dividir as despesas. 

Sua inquilina é Robyn (CAROLYNA AGUIAR), 53 anos, uma nova-iorquina, cosmopolita, vegana, lésbica e, igualmente, mãe de uma filha, que a evita.

Robyn precisa de um lugar para se esconder de seu misterioso passado e tentar recomeçar.

Tudo, na inquilina, desperta curiosidade avassaladora em Sharon, que, quando começa a desvendar seus segredos, cria coragem para dar uma virada radical na sua vida.

 

 



              “A INQUILINA” é um espetáculo irretocável, em todos os aspectos, sendo que atribuo mais peso à direção e à interpretação das duas atrizes. O “maestro” da encenação é FERNANDO PHILBERT, que, já de há algum tempo, deixou de ser reconhecido como o competente assistente de direção de alguns dos mais notáveis diretores de TEATRO brasileiros, como Domingos Oliveira, Gilberto Gawronski e Aderbal Freire-Filho, com destaque para os muitos trabalhos que fez com este, durante 15 anos. PHILBERT, hoje, já conseguiu, como muito mérito próprio, figurar na seleta “casta” dos grandes encenadores brasileiros, emendando um trabalho no outro, de tão requisitado que é, por atores e produtores, sempre com muita modéstia e cem por cento de aprovação. Nunca deixei de elogiar nenhum de seus trabalhosa de direção, e neste PHILBERT foi cirúrgico, nas marcações e em detalhes de direção de atores. Aos olhos do público leigo, tais detalhes podem passar despercebidos, entretanto, para quem tem conhecimento técnico e a vivência de mais de 50 anos de dedicação ao TEATRO, cada uma daquelas minúcias é percebida como algo bastante estudado e muito bem pensado, milimetricamente construído, para justificar a fala ou a atitude de cada personagem. Sem querer dar “spoiler”, mas apenas querendo dividir, com quem ainda assistirá à peça, um prazer final, sugiro que prestem total atenção à personagem Robyn, na última cena, enquanto Sharon dança em cima de uma mesa. Dentre seus mais importantes trabalhos autônomos de direção, destaco, dos que consegui assistir, “Três Mulheres Altas”, a premiadíssima “O Escândalo Philippe Dussaert”, “O Topo da Montanha”, “Três Mulheres Altas”, “Contos Negreiros do Brasil”, “Diário do Farol” e “O Corpo da Mulher como Campo de Batalha”, entre tantos outros.




   Que liga perfeita existe entre LUISA THIRÉ e CAROLYNA AGUIAR! A forma como “uma levanta a bola, para a outra cortar” nunca falha, sempre desembocando num ponto garantido. O resultado positivo da peça é fruto da conjunção de muitos fatores, entretanto penso que um dos principais é na existência de uma boa coxia. A harmonia sobre as tábuas é a continuidade do espírito de camaradagem e empatia que deve existir entre colegas de trabalho. No caso de LUISA e CAROLYNA, a grande afinidade entre elas vem dos bancos escolares, uma amizade que foi se solidificando a cada dia, a ponto de a cumplicidade entre as duas, em cena, ter levado a que se entendam, totalmente, até pelos olhares e pelos silêncios.





      Já na primeira cena, o espectador identifica uma visível distância entre as duas personagens, com a mesma idade, em termos de maneiras de enxergar o mundo. Enquanto Sharon optou – não por vontade própria; no fundo, porém, mais por acomodação e medo do novo – por viver isolada, num “claustro” particular, vivendo para dentro, Robyn se mostra uma mulher corajosa, destemida, subversiva da ordem estabelecida; uma mulher que vive para fora, a qual, porém, precisava sepultar um passado misterioso, que, depois vem à tona. Por definição, inquilino é aquele que reside num imóvel que não lhe pertence e, ainda que a condição de locatário seja consensual, na peça, é como se Robyn invadisse a intimidade de Sharon “para causar”. E como causou!!!



            No fundo, ambas precisavam uma da outra e provocavam-se, mutuamente, uma curiosidade profunda, muito mais para cada uma se conhecer melhor e descobrir o que estava submerso num oceano interior de si próprias, principalmente Sharon, do que uma decifrar a outra. Fruto de uma criação severa, Sharon precisava se libertar de suas amarras, deixar de viver engessada e se permitir conhecer novos horizontes, o que acabou encontrando naquela forasteira que foi dar à sua casa. É extrema e incrivelmente interessante ver a transformação de Sharon, tão refratária e desconfiada, a princípio, em alguém que consegue dar seu grito de liberdade e “sair do seu armário”. Afinal de contas, nunca é tarde para se reinventar e tentar ser feliz, seja de que maneira for. Indubitavelmente, estamos diante de duas magníficas interpretações, com “um nariz de vantagem” para LUISA THIRÉ. Só uns poucos centímetros mesmo.




           BELI ARAÚJO assina uma cenografia totalmente integrada à peça. Como as ações se passam em apenas duas locações, a cozinha e uma varanda da casa, a cenógrafa encontrou uma maneira simples e inteligente de trazer, simultaneamente, os dois ambientes ao palco, com poucos elementos cênicos, porém muito necessários e significativos. Chamou-me a atenção, tão logo me acomodei na minha poltrona, no centro da segunda fila, uma cerquinha, bem baixa, no proscênio, a qual, evidentemente, não estava ali apenas “para enfeitar”. Ao mesmo tempo que serve para guardar e proteger algo, permite que os espectadores se sintam “voyeurs”, ou “stalkers”, já que a peça foi escrita por uma autora em língua inglesa. De fato, ela representa uma metáfora a ser desvendada na última cena, durante o ápice da transformação de um ser humano em outro.




(Fotos: Gilberto Bartholo.)


          TEATRO se faz de forma coletiva e nenhum artista de criação pode trabalhar isoladamente. Com relação a três elementos, principalmente, cenografia, figurinos e iluminação, um deve dar suporte aos outros dois, e o trio tem de ser afinado no mesmo diapasão. Os figurinos, criados por KAREN BRUSTTOLIN, são um detalhe merecedor de destaque, principalmente os da personagem Sharon. Seus trajes vão sendo mudados, para mais “descolados”, acompanhando, esteticamente, por fora, a transformação interior da personagem.



      Este é trigésimo trabalho, como iluminador, de VILMAR OLOS com FERNANDO PHILBERT. A parceria sempre deu muito certo, e não seria agora que “o bolo iria desandar”. O desenho de luz criado por VILMAR cai como uma luva, para pôr em evidência o que de mais importante existe naquele espaço cênico e variar de acordo com a intensidade dramática de cada cena.



             RODRIGO PENNA também pôs seu dedo na construção deste espetáculo, participando com uma agradável e ajustada trilha sonora, que comporta um clássico “hit”, como “New York, New York” e abre espaço para inserções da “techno music”.




 


 FICHA TÉCNICA: 

Texto: Jen Silverman

Tradução: Diego Teza

Direção: Fernando Philbert

Assistência de Direção: Glauce Guima 

 

Elenco: Luisa Thiré e Carolyna Aguiar

 

Cenografia: Beli Araújo

Figurino: Karen Brusttolin 

Iluminação: Vilmar Olos

Trilha Sonora: Rodrigo Penna.  

Direção de Movimento: Toni Rodrigues

Fotos: Pino Gomes, Erik Almeida e Cristina Granato

Programação Visual: Estúdio Mirante 

Direção de Produção: Bárbara Montes Claros

Idealização e Produção: Luisa Thiré Produções e 8 Tempos Produções Artísticas

Assessoria de Imprensa - JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

 

 


 


 



 SERVIÇO: 

Temporada: De 11 de janeiro a 04 de fevereiro de 2024.

Local: Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de Janeiro (CCBB – RJ).

Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 65 – Candelária, Centro – Rio de Janeiro.

Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada), na bilheteria do CCBB ou no site: bb.com.br/cultura

Duração: 75 minutos.

Capacidade: 153 lugares.

Acessibilidade: SIM.

Classificação Etária: 16 anos.

Gênero: COMÉDIA Dramática.

 

 



 

 

        “A INQUILINA” é uma peça que deve ser vista como um convite aos recomeços, às desconstruções e o início de novas construções; ao apagar do marasmo, da acomodação; e um desafio a que se perca o medo do novo, ao mesmo tempo que chama a atenção para isso dentro da temática da estupidez do etarismo, que não deve, nem pode, ser visto como um obstáculo a que se possa olhar para a frente e de cabeça erguida, em busca de um ideal de vida, um novo “way of life”. E também serve para mostrar que, por mais diferentes que possam parecer duas criaturas, sempre haverá um ponto de convergência entre elas. Aqui, no caso, são duas mulheres acima dos 50 anos, que querem dar uma virada na vida; mais que isso, precisam.  Ambas percebem que, em comum, são solitárias e livres para pensar e desejar, sem ter que dar satisfações a quem quer que seja, maridos e filhos. Em resumo “A INQUILINA”, espetáculo que muito me agradou e que eu recomendo, com o máximo de empenho, é sobre a capacidade de duas mulheres maduras se reinventarem e se aceitarem.


 

 

 


FOTOS: PINO GOMES,

ERIK ALMEIDA

e

CRISTINA GRANATO.

 

 

 

GALERIA PARTICULAR:

(FOTOS: JOÃO PEDRO BARTHOLO)


Com Fernando Philbert.


Com Luisa Thiré.


Idem.

 

 

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