“O HOMEM QUE
ENGOLIU UM
CHIP”
ou
(NOS
SUBTERRÂNEOS
DA LOUCURA,
A “LUCIDEZ” DE UM ESQUIZOFRÊNICO.)
Enquanto
eu começo a escrever esta crítica, sobre um espetáculo a que assisti no final da tarde do
último sábado (16 de setembro de 2023), o ator MANOEL MADEIRA deve estar aguardando o final deste domingo, para a
última apresentação da peça, em sua meteórica segunda temporada, de apenas duas
semanas, no Teatro Ruth de Souza, que fica dentro do Parque Glória Maria,
antigo Parque das Ruínas, no aprazível bairro de Santa Teresa, no Rio
de Janeiro. Antes, a montagem fez uma primeira temporada, na Sala
Rogério Cardoso, dentro da Casa de Cultura Laura Alvim.
“O HOMEM QUE ENGOLIU UM CHIP”, título
que julgo muito interessante, foi escrito por RAMON NUNES MELLO, numa adaptação, para o palco, do livro “Todos
os Cachorros São Azuis”, um romance autoficcional, escrito por RODRIGO DE SOUZA LEÃO, dirigido por ADRIANO GARIB e interpretado por MANOEL MADEIRA, como já mencionado.
SINOPSE:
“O HOMEM QUE ENGOLIU UM CHIP” conta
a história de um poeta que sofre de esquizofrenia.
Um relato comovente, ao mesmo
tempo auto irônico, sobre sua internação num hospício, suas memórias e
reflexões.
A economia de palavras, na SINOPSE supra, não significa, absolutamente, “preguiça”, por parte da
assessoria de imprensa da peça; é que quem o redigiu conseguiu condensar, em
poucas palavras, tudo o que, realmente, se passa no espaço cênico, durante 60
minutos.
O fato de a peça não estar mais em cartaz e a total falta de
tempo, na qual me encontro mergulhado no momento, depois de quase um mês fora
do país, seriam motivos mais que justificáveis para que eu não escrevesse sobra
ela, independentemente de ter gostado ou não da montagem. Ocorreu que fiquei
com muita vontade de registrar as minhas impressões sobre “O HOMEM QUE ENGOLIU UM CHIP”, principalmente depois de ter, eu
mesmo, lido sobre o poeta, escritor e artista plástico carioca RODRIGO
DE SOUZA LEÃO e de ter obtido muitas informações sobre ele, diretamente com
MANOEL MADEIRA.
Rodrigo de Souza leão.
(Foto: fonte desconhecida.)
RAMON
NUNES MELLO, responsável pela dramaturgia da peça, conheceu RODRIGO em 2008, quando, após a
leitura de “Todos os Cachorros são Azuis”, ficou bastante impressionado
pela obra e solicitou a seu autor uma entrevista, que lhe foi concedida, com a
condição de que o entrevistador fosse à sua casa, de onde ele disse não sair
havia 20 anos. E assim se deu o encontro e o início de uma amizade,
que durou apenas um ano, uma vez que, no dia 2 de julho de 2009, com
apenas 43 anos de idade, RODRIGO
morreu, numa clínica psiquiátrica, no Rio de Janeiro. 19 anos antes, em 1990,
ele havia sido diagnosticado como portador de esquizofrenia. Após sua
morte, RAMON passou a ser o curador
de sua obra. (Algumas das informações que constam deste parágrafo devem ser
creditadas ao site www.acritica.net)
Gostaria de explicar o subtítulo que criei para esta crítica, o qual, a princípio, poderia levar o leitor a pensar que eu também merecesse uma internação (Momento descontração.). Detalhes sobre a morte de RODRIGO deixam tudo bem claro.
A esquizofrenia é “caracterizada
por sintomas psicóticos, que incluem delírios, alucinações, pensamento e fala
desorganizados e comportamento bizarro e inadequado. Os sintomas psicóticos envolvem uma perda do contato com a
realidade”. Mania de perseguição também está
presente nesse quadro patológico, como pode ser visto na peça, em cenas em que
o personagem se diz perseguido por agentes da KGB e da CIA,
ainda que tivesse a consciência de que a primeira não mais existisse.
Depois
de diagnosticado com esse distúrbio da saúde mental, RODRIGO passou por três internações. O livro que deu origem à peça
retrata os momentos em que passou recluso, durante a segunda. Após esta, voltou
para casa, entretanto podemos dizer que ele “decidiu morrer”, na sua
última passagem por uma clínica de internação psiquiátrica, uma vez que começou
a gritar sem parar, pois sabia que receberia uma injeção com um “sossega
Leão” e continuou a gritar, mesmo após a primeira aplicação, o que
levou os profissionais de saúde que lhe assistiam a lhe ministrar uma segunda
ampola do forte calmante, o que lhe rendeu uma parada cardíaca. Podemos, pois,
afirmar que ele “decidiu” se livrar do sofrimento em que vivia, uma espécie de “suicídio
consciente e programado”.
Adriano Garib (diretor) e Manoel Madeira (ator).
(Foto: fonte desconhecida.)
A peça
termina com a leitura, em “off”, de uma carta “de
despedida”, de RODRIGO à família,
deixada em seu quarto, antes de quebrar toda casa, para que fosse internado, custasse o que custasse. Custou-lhe a vida.
Ainda
que trate de um tema muito sério e que causa bastante sofrimento, o solo é
levado ao público com respeito,
reflexão, leveza e bom humor, ingênuo, por vezes, o que leva a plateia a rir em
determinados momentos, muito embora, “no frigir dos ovos”, não
devesse ser motivo para risos. Diria que "rimos um riso nervoso". A propósito, incomodou-me um pouco um jovem que,
na primeira fila, à minha frente, ria bastante, como se estivesse assistindo a
uma COMÉDIA. De qualquer forma, acredito que o tom escolhido pelo
dramaturgo, para desenvolver seu texto, foi bastante acertado, levando o
público a se voltar mais para tão crucial trema, denso e pesado, por isso
mesmo, normalmente, evitado, negligenciado, “varrido para debaixo do
tapete”. Segundo o autor do texto, “RODRIGO era leve e bem- humorado,
até nos momentos de internação”. Ponto positivo para o texto e a proposta.
No “release”, quanto ao gênero, o espetáculo é vendido como uma “performance
solo / comédia”.
(Foto: Gilberto Bartholo - antes do início da peça.)
A
estrutura do texto poderia levar a um espetáculo monótono, não despertando
tanto o interesse da plateia, entretanto, graças a uma criativa direção,
de ADRIANO GARIB, e, sobretudo, ao trabalho de ator, pesquisado,
à exaustão, e desenvolvido por MANOEL MADEIRA, que demanda um esforço
hercúleo de interpretação, com uma profunda exploração de seu potencial em se
expressar através do corpo, das máscaras faciais e dos sons que emite, o espetáculo
atinge um elevado patamar de excelência.
“No palco, MANOEL MADEIRA atua
como um ‘performer’, em alguns
momentos, contando a situação vivenciada pelo escritor e, em outros, colocando-se
no lugar dele, como artista e cidadão. Sem a pretensão de “ser” RODRIGO, há semelhanças
entre o personagem e ele, mas o que interessa, aqui, é a linguagem cênica que
ele cria. E a recriação que o TEATRO traz ao público, ressignificando a
história”. Achei bastante interessante e oportuno esse trecho,
extraído do “release” que recebi da produção do espetáculo. Penso que essa
alternância de papéis é bem equilibrada e agrega muito valor à encenação.
Como vem ocorrendo com grande parte das últimas encenações a
que tenho assistido, a montagem, por não contar com muitos recursos
financeiros, precisou ser modesta, sem que fossem esquecidos o bom gosto e a
criatividade, para que o espetáculo pudesse gerar prazer em quem assiste a ele.
Dos elementos
de criação, nada de “pirotecnias”. NELLO MARRESE, responsável pela cenografia da peça, criou uma caixa, vazada, uma espécie de baú, de
dentro do qual o ator vai retirando objetos, usados em cena, durante todo o
espetáculo, sempre uma surpresa nova. Extremamente significativo, esse baú
também se relaciona a um “baú de ideias e de memorias”,
reviradas e reveladas. NELLO também
assina o figurino, simples, que
recebe um reforço, na cena final da peça, de grande beleza plástica. Um lindo desenho de luz, que se destaca em
muitos momentos do espetáculo, principalmente pelas projeções e alguns efeitos especiais, foi idealizado por RODRIGO BELAY, nome do qual sempre me lembro, por ter sido o iluminador
de outra grande peça protagonizada por MANOEL
MADEIRA, “Ludwig II”, um dos mais lindos trabalhos de iluminação que já
vi e o melhor, como intérprete, na carreira de MANOEL. Todas as cenas são enriquecidas pela ótima trilha
sonora, de THALES CAVALCANTI.
Seria imperdoável eu me esquecer de citar o nome de TONI RODRIGUES, que assina um excelente trabalho de direção de movimento, como sempre faz.
Idealização: Ramon Nunes Mello
Dramaturgia: Ramon Nunes Mello
Direção Artística: Adriano Garib
Assistência de Direção: Anita Mafra
Atuação: Manoel Madeira
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Cenografia: Nello Marrese
Figurinos: Nello Marrese
Desenho de Luz: Rodrigo Belay
Trilha Sonora: Thales Cavalcanti
Desenho de Som: Fábio Storino e Thales
Cavalcanti
Operação de Som: Fábio Storino
Operação de Luz: Clarice Sauma
Produção Executiva: Anita Mafra e
Manoel Madeira
Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê
Assessoria
Identidade Visual: Tinta Labs
Fotografia e Videografia: Wagner Alonge
Depoimento em “Off”: Rodrigo de Souza Leão (entrevistado por Ramon Nunes Mello)
Vozes em “Off”: Adriano Garib (participação Gael)
Assessoria Contábil: LA Contabilidade
Coordenação Administrativo-Financeiro:
Anita Mafra
Realização: Proposta A6 Produções
Culturais
Por oportuno, acrescento que, no decorrer da peça, são
ouvidos alguns áudios documentais, que são as vozes de RAMON NUNES MELLO e RODRIGO
DE SOUZA LEÃO, fragmentos de uma entrevista feita, em 2008 por aquele, que é o
curador e representante legal da obra do entrevistado e personagem principal da
peça.
Por motivos óbvios, visto
que o espetáculo já encerrou sua temporada, não faz sentido publicar o SERVIÇO da peça, entretanto, tão logo
ela volte ao cartaz, pelo que torço bastante, republicarei a crítica, com o
acréscimo de todos os detalhes para que as pessoas possam assistir a ela.
FOTOS: WAGNER ALONGE
GALERIA PARTICULAR:
Com Manoel Madeira e Anita Mafra.
Com Manoel Madeira.
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