quarta-feira, 26 de abril de 2023

 “31º FESTIVAL

DE CURITIBA”

“BRENDA LEE

E O PALÁCIO

DAS PRINCESAS”

ou

(UM BELO TRIBUTO

A QUEM O MERECE.)

(NOTA: Em função da grande quantidade de críticas a serem escritas, entre espetáculos que fizeram parte do “31º FESTIVAL DE CURITIBA” e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por algum tempo, fugirei à minha característica principal, como crítico, de mergulhar, “abissalmente”, nos espetáculos, e vou me propor a ser o mais objetivo e sucinto possível, numa abordagem mais “na superfície”, até que seja atingido o fluxo normal de espetáculos a serem analisados.)

 

     O primeiro espetáculo a que assisti, no recente “Festival de Curitiba”, que mexeu comigo, “até a raiz dos cabelos”, foi “BRENDA LEE E O PALÁCIO DAS PRINCESAS”, o qual eu já vinha tentando ver e, infelizmente, não lograra êxito, nas duas vezes em que estive em São Paulo, no ano passado, quando a peça estava sendo apresentada no “Núcleo Experimental”, espaço de CULTURA que adoro visitar e de onde guardo inesquecíveis lembranças. Já conhecia a peça (“Só até a página 5”.), na sua versão “on-line”, o que, absolutamente, não me satisfazia, porque AQUILO NÃO É TEATRO, embora tenha lá o seu valor, e eu tinha a mais completa certeza de que essa montagem iria me impactar, quando eu tivesse a oportunidade de conferi-la presencialmente, o que se deu no dia 2 do mês em curso.



 

SINOPSE:

O espetáculo conta a história da travesti Caetana, também conhecida como BRENDA LEE, que se tornou um marco na luta por direitos LGBTQIA+.

O musical, que traz, em cena, seis atrizes transvestigêneres (VERÓNICA VALENTTINO, OLIVIA LOPES, ANDREA ROSA SÁ, TYLLER ANTUNES, LEONA JHOVS e RAFAELA BEBIANO) e um ator cisgênero (FABIO REDKOWICZ), fala sobre a luta das travestis, nas ruas de São Paulo, a escassez de oportunidades que as impele à prostituição e sobre como foram apoiadas por BRENDA, que acolheu, em sua casa, as doentes de Aids numa época em que quase nada ainda se sabia sobre a doença.


 



       Acredito que nenhum ser humano, humano de verdade, consiga sair do Teatro sendo a mesma pessoa que nele entrou, depois de ter assistido a “BRENDA LEE E O PALÁCIO DAS PRINCESAS”, um espetáculo que traça um “raio X”, de altíssima resolução, do que seja a vida de uma travesti, neste país. Em outras partes do mundo, não é muito diferente, mas aqui é bem pior, não fosse o Brasil, infelizmente, o recordista em assassinatos de travestis e pessoas LGBTQIA+.



       Por que, num país tão homofóbico, condição que se mostrou mais escancarada nos últimos quatro anos de obscurantismo e horror que atravessamos, uma travesti acaba sendo o motivo de uma produção de TEATRO que alcançou grande sucesso de público e de crítica, ainda alcança e, se desejarem as pessoas envolvidas no projeto, continuará sob os holofotes por muito tempo? Simplesmente, porque, de forma bem realista, ainda que, também, lírica e singela, tem a coragem de trazer à tona uma personalidade que merece o maior respeito e consideração de todos, um ser marginalizado, porém de uma importância bastante mais expressiva que muitos “cidadãos de bem” que andam por aí. É preciso, sim, homenagear BRENDA LEE, por tudo o que ela fez, na defesa e proteção de seus pares, principalmente as dezenas e dezenas de PESSOAS que passaram por sua casa de apoio, vítimas do “câncer gay”, como, no início dos anos 80, os ignorantes se referiam à Aids, execrando os homossexuais.



        BRENDA LEE, nome de uma famosa cantora norte-americana, ainda viva, aos 79 anos, que se tornou célebre na época do auge do “rock and roll”, foi o segundo nome social (O primeiro foi Caetana.) adotado pelo nordestino, pernambucano (Nasceu na pequena Bocodó.), Cícero Caetano Leonardo, que veio ao mundo em 10 de janeiro de 1948.



        BRENDA, considerada uma das maiores referências, se não for a maior de todas as outras, na luta pelos direitos da população LGBTQIA+, chegou a São Paulo com apenas 14 anos, na tentativa de se ver livre da forte discriminação de que era vítima em sua pequena cidade natal, por ser muito efeminada, desde a infância, e, para sobreviver, caiu na prostituição, como acontece com tantas iguais a ela. Na capital paulista, destino de tantos nordestinos, estabeleceu-se no bairro do Bixiga, onde se tornou uma figura conhecida e festejada. Lá, comprou uma casa e acolheu o primeiro portador do vírus HIV, em 1984, quando predominava muita desinformação e preconceito sobre/contra a Aids. Era muito comum, e ainda o é, em menor escala, até hoje, as famílias rejeitarem os infectados pelo vírus, e a infraestrutura, para acolher quem recebia alta hospitalar e não tinha onde morar, era muito incipiente.




A partir de lá, sua casa de apoio, “Casa de Apoio Brenda Lee”, se manteve aberta, prestando assistência médica, social, moral, psicológica, jurídica e material não só para travestis, mas também a qualquer um soro positivo que não tinha onde morar e alguém que pudesse cuidar de sua saúde. O preconceito, muito mais do que hoje, condenava pessoas com o HIV ao abandono e à solidão. "A importância de BRENDA LEE foi enorme. Sua casa de apoio e acolhimento à população trans ficou conhecida como o ‘PALÁCIO DAS PRINCESAS’. Ela firmou convênios com a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e com o Hospital Emílio Ribas e, em conjunto, aprimoraram a forma de atender pacientes soropositivos, independentemente de gênero, sexo, orientação sexual e etnia". Uma verdadeira cidadã, "acima de qualquer suspeita".




Por sua efetiva e marcante militância pelos direitos da população LGBTQIA+, BRENDA era, carinhosamente, chamada de “o anjo da guarda das travestis”. É importante dizer que ela também passou a acolher, de maneira geral, pessoas da comunidade LGBT que precisavam de apoio. Foi, sem sombra de dúvidas, uma das primeiras ativistas a acolher portadores de HIV.




Em 28 de maio de 1996, aos 48 anos, no auge de seu projeto, mais que filantrópico, BRENDA LEE foi, brutalmente, assassinada e seu corpo encontrado no interior de uma Kombi, estacionada em um terreno baldio, com tiros na região da boca e no peitoral. “O crime teria sido motivado por um golpe financeiro cometido por um funcionário da casa (Ela descobrira que o motorista da casa de apoio havia falsificado sua assinatura num cheque.). Em 2008, foi criado o ‘Prêmio Brenda Lee’, que contempla personalidades que se destacam na luta contra o HIV e prevenção da Aids.”, em função de seu trabalho ter se tornado um referencial e um marco importante. O “Prêmio” é concedido, quinquenalmente, para sete categorias, por ocasião das comemorações do "Dia Mundial de Combate à Aids" e aniversário do “Programa Estadual DST/Aids do Estado de São Paulo”.




Após sua morte, a casa foi vendida e se tornou uma ONG, voltada ao oferecimento de cursos, no período compreendido entre 2011 e 2015. Felizmente, em 2016, aquele espaço foi reaberto e voltou a atender pacientes soropositivos e membros da comunidade LGBT que precisam de auxílio, assim como no projeto inicialmente idealizado por BRENDA. Hoje, seu ideal de ajudar as “irmãs” que precisam é tocado por ativistas da comunidade LGBTQIA+.




Ainda que a devastação causada pela AIDS esteja muito presente na peça, pontuando-a, do princípio ao fim, há um foco mais amplo, voltado para uma profunda discussão sobre a luta das travestis, nas ruas de São Paulo, e a escassez de oportunidades, que acaba impelindo-as à prostituição, além de, é obvio, mostrar como foi, e ainda é, o apoio recebido por elas, iniciado pela protagonista. Em sua grande maioria, são PESSOAS discriminadas por um considerabilíssimo contingente da sociedade e perseguidas pela Polícia, além de não aceitas por suas famílias. Evidentemente, não são todas.



Com seu talento, mais que indiscutível, tantas vezes já comprovado, FERNANDA MAIA deu forma a uma ótima dramaturgia, assim como escreveu as letras do espetáculo. Ela não economizou no desejo de tocar mesmo nas feridas expostas e atrair a atenção dos espectadores. É impossível alguém se desligar do “cordão invisível” que liga a plateia ao palco.



Para escrever o texto da peça, FERNANDA utilizou, após uma meticulosa “garimpagem”, transcrições de entrevistas reais, de BRENDA LEE, colhidas de registros em vídeo, na “internet”. Nelas, a grande protagonista “conta quem é, fala sobre sua família, sobre a prostituição, sobre como amealhou um patrimônio e o colocou à disposição de outras amigas. Fala sobre o trabalho na casa e sua relação com a morte”.




Três planos distintos limitam três núcleos dramatúrgicos, mas não há divisão em atos. O primeiro é o dos números musicais, “que faz uma homenagem às antigas boates da noite paulistana que, nos anos 80, foram um porto seguro da população transgênero e geraram oportunidades de trabalho para as travestis”. Nele, as personagens “contam suas histórias pregressas e falam de seus sonhos e objetivos através de canções”. No segundo, vê-se a história cronológica em que Brenda não abre mão do sonho de ter seu ‘Palácio das Princesas', a fim de “poder acolher as amigas que estavam doentes”. Por último, mas não menos importante, temos o plano das entrevistas.




Os nomes das cinco personagens, excetuando-se a protagonista, são os das princesas da Disney, e suas histórias foram construídas a partir dos relatos de travestis reais, através de uma pesquisa da dramaturga, como já citado. Alé disso, FERNANDA contou também com um material bibliográfico de apoio, além de depoimentos de pessoas que conheceram pessoalmente BRENDA LEE e outras, que foram moradoras ou trabalharam na casa.



O sucesso da peça também ocorre por força de um excelente trabalho de interpretação do sexteto de atrizes (travestis), com destaque, na minha visão, para OLIVIA LOPES e VERÓNICA VALENTTINO, tendo esta, no papel da protagonista, conquistado alguns prêmios, como o de Melhor Atriz, por São Paulo, na mais recente edição do “Prêmio SHELL”, numa festa em que estive presente, no Rio de Janeiro. Os dramas pessoais das seis personagens e seus desdobramentos - como se defendem das agressões sofridas, no dia a dia, e a luta pela conquista de seus direitos - desfilam num palco, durante 140 minutos, tempo que passa sem que nos demos conta disso, o que, em se tratando de TEATRO, é ótimo.



A cumplicidade profissional, de anos, que existe entre FERNANDA MAIA e ZÉ HENRIQUE DE PAULA sempre deságua num oceano de águas límpidas e calmas. O formato da peça se aproxima muito da “categoria cabaré”, e o texto recebeu um irrepreensível tratamento de ZÉ HENRIQUE, na direção. É uma montagem que marca, indelevelmente, os amantes do bom TEATRO.




Por se tratar de um musical, existem músicos tocando ao vivo. São eles: RAFA MIRANDA (piano), que ainda acumula as funções de autor das melodias, preparação vocal e direção musical; JUMA PASSA (contrabaixo); RAFAEL LOURENÇO (bateria); e CARLOS AUGUSTO (guitarra e violão). Contendo elementos de brasilidade, aliados à contemporaneidade, todas as canções têm, como referência, compositores “queer”, transgêneros e não binários. Acrescente-se o fato de que, além de darem conta, como atrizes, as seis artistas se comportam de forma muito favorável, como cantoras.



Nada de especial a ser comentado, com relação aos elementos de criação: cenografia, de BRUNO ANSELMO; os figurinos, de ZÉ HENRIQUE DE PAULA; e a iluminação, de FRAN BARROS. Ainda por se tratar e um musical, a montagem não pode abrir mão de uma boa coreografia, assinada por GABRIEL MALO.





FICHA TÉCNICA: 

Dramaturgia e Letras: Fernanda Maia

Direção e Figurinos: Zé Henrique de Paula

Assistente de Direção: Rodrigo Caetano

Assistente de Figurino: Gustavo Zanela

Direção Musical, Música Original e Preparação Vocal: Rafa Miranda

Assistente de Direção Musical: Guilherme Gila

 

Elenco: Verónica Valenttino, Olivia Lopes, Andrea Rosa Sá, Tyller Antunes, Leona Jhovs e Rafaela Bebiano

 

Músicos: Rafa Miranda (piano), Juma Passa (contrabaixo), Rafael Lourenço (bateria) e Carlos Augusto (guitarra e violão)

 

Preparação de Atores: Inês Aranha

Coreografia: Gabriel Malo

Iluminação: Fran Barros

Cenografia: Bruno Anselmo

Visagismo (cabelos e maquiagem): Diego D’urso

Coordenação de Produção: Laura Sciulli

Assistente de Produção: Cauã Stevaux

Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
 

 

 


       Pelo que pude apurar, salvo engano, infelizmente, a casa de apoio está fechada, desde 2017, sem perspectiva de reabertura, precisando de uma reforma e mais voluntários para funcionar novamente. A conferir. Foi lá que as “amparadas meninas” aprenderam, com a mestra BRENDA LEE, a se valorizar, pensar positivo, mesmo diante de tanta “porrada” recebida, ser otimistas e a sempre querer mais da vida.




        Numa das canções do espetáculo, os versos “Você não duraria nem ao menos 10 minutos / Se estivesse na minha pele / Pelas ruas da cidade", procuram tocar o espectador, em sua humanidade, a fim de que as travestis sejam respeitadas, como SERES HUMANOS, e tenham seu lugar de fala, numa sociedade que não é igualitária e transborda em homofobia e intolerância. Oxalá a resposta esperada e desejada por elas seja positiva!




        Para finalizar, digo que, embora tratando de um tema bem “pesado” e não deixar de abordar o fim trágico dessa grande brasileira, encaro esta montagem como bastante oportuna e com um final “para cima”. O espetáculo voltou ao cartaz, no "Núcleo Experimental", até o dia 14 de maio próximo. Procurem se informar e não percam a oportunidade de conferir.



 

BRENDA LEE (Foto: autoria desconhecida.)

 

BRENDA LEE visita um de seus assistidos. 

(Foto: autoria desconhecida.)


Fachada da "Casa de Apoio BRENDA LEE" 

(Foto: autoria desconhecida.)

 


FOTOS: DIVULGAÇÃO,

GILBERTO BARTHOLO

E

NANDA ROVERE

 


GALERIA PARTICULAR

(FOTOS: GILBERTO BARTHOLO)



COLETIVA DE IMPRENSA:














 DEBATE APÓS A SESSÃO:




 



 

 




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