domingo, 7 de agosto de 2022

 “ELEVADOR

SOCIAL”

ou

(EM POUCAS PALAVRAS,

A EXCELÊNCIA

DE UM ESPETÁCULO

DE TEATRO.)

 

 

 

        Minhas críticas teatrais costumam ser longas, entretanto, há algumas curtas, uma vez que, às vezes, em pouco espaço, sou capaz de sintetizar meu pensamento sobre um espetáculo teatral, ainda que a concisão não seja meu forte e sempre tenho o desejo de pesquisar bastante e me aprofundar o mais possível naquilo sobre o que me proponho a escrever.  Esta será curta, por total falta de tempo, para dissecar, mais minuciosamente, cada elemento que entrou na montagem de um espetáculo ao qual assisti no seu penúltimo dia de temporada, que me agradou bastante e, mesmo que não esteja mais em cartaz, ainda que haja uma possibilidade de vir a ser encenada em outro espaço, acho que merece a minha atenção e o registro de como ela me agradou. A peça em tela chama-se “ELEVADOR SOCIAL”, que estava sendo apresentada na Sala Baden Powell, em Copacabana, Rio de Janeiro.





SINOPSE:

Na trama, um elevador para de funcionar, de forma brusca, e prende os dois homens que ali estavam: o ascensorista JORGE (ANDERSON NEGREIRO), um rapaz simples, que só quer fazer seu trabalho, e CLÁUDIO (MANOEL MADEIRA), um empreendedor que precisa chegar ao seu destino, rapidamente, para fazer a apresentação de um projeto a um homem “poderoso”.

Um homem privilegiado e outro humilde. Um choque de condições socioculturais. Dois homens que não relacionariam, não fosse por conta de um mero elevador.

Um ascensorista e um pequeno empresário ficarem presos, quando o elevador de um prédio comercial enguiça, à primeira vista, não seria nada tão interessante, que pudesse render um bom texto teatral e, menos ainda, a sua representação num palco.

O que poderia ser um pequeno contratempo vai, aos poucos, se transformando num tenso embate, entre duas visões antagônicas de mundo, e revela o que cada um é capaz de fazer, quando forçado pelas circunstâncias a lidar um com o outro.


 

 



   A sinopse encobre, na verdade, bem, provavelmente, de forma intencional, uma hora e meia de muita ação e tensão, entre os dois personagens, ambos protagonistas de uma situação, a princípio, natural, mas os dois personagens não são pessoas “comuns”.  O texto, de DANILO MORAES, é bastante interessante e criativo, uma vez que, a partir de uma situação que deve acontecer todos os dias, o autor mergulha fundo na alma humana e retira, dos escaninhos mais recônditos dos dois seres humanos (“Humanos”? Pode não parecer, mão o são.) tudo aquilo que leva uma pessoa a testar os seus limites de civilidade e racionalidade, para salvar a própria pele, quando sua vida está em jogo.



  O ser humano, via de regra, racionaliza: diante de uma tal circunstância, eu reagiria desta ou daquela forma. Mas o momento e outras condicionantes falam mais alto e nos levam a cometer atos, indevidos, condenáveis e, até mesmo, inadmissíveis, a tomar atitudes que jamais poderíamos pensar em vivenciar. Eu mesmo sempre disse, e continuo repetindo, que não se deve reagir a um assalto, porém, absolutamente fora da minha racionalidade, reagi a um, aos 37 anos de idade, levei três tiros, não morri, por milagre, porém fiquei com muitas sequelas, que marcaram, para a sempre, a minha vida, do ponto de vista físico e psicológico. “A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá.” (Chico Buarque de Holanda). É nessas situações que tomamos conhecimento do nosso limite moral, de quão impotentes somos, para domar nossos sentimentos mais mesquinhos e violentos, no caso da trama em foco.



O dramaturgo e diretor, DANILO MORAES, afirma que a peça surgiu de uma bipolaridade que, a cada dia, mais e mais, toma conta das relações humanas. São suas estas palavras: “Quis colocar dois sujeitos que, certamente, enxergam o mundo por perspectivas antagônicas, dentro de uma jaula, e ver o que aconteceria. Forçá-los, pelas circunstâncias, a lidar um com o outro.” Isso deve ser uma experiência terrível, fora da ficção.



  

 O que mais me causou curiosidade, quando recebi, além do convite, um “release” da peça, enviado pelo próprio autor, foi o conteúdo da sinopse. Interessei-me pela dramaturgia e de como aquela situação poderia se tornar concreta, interpretada por dois atores. Gostei, imensamente, do texto, porém, ao final da apresentação, conversei com dois amigos, que também estavam lá. Disse-lhes ter observado uma certa “estranheza” no vocabulário empregado pelo ascensorista e na sua articulação e sagacidade, para criar situações que levam o público a ficar na dúvida se aquela atitude teria sido mesmo verdadeira ou se era um “blefe”. Chegamos a um denominador comum, com uma boa conversa, bem diferente do diálogo entre os dois personagens. Resumindo: o texto é correto e bom.




   Por trás de uma mera situação de pane num equipamento, ou à sua volta, orbitando, como satélites, há uma série de discussões, propositalmente colocadas, pelo dramaturgo, para levar o público a boas reflexões. O enguiço do elevador serve, apenas, como pretexto, para isso. Temas sociais, relacionados ao Homem, com notável destaque para duas visões de mundo, por parte de duas pessoas totalmente opostas, na escala social e cultural, estão lá, para serem absorvidas pelo espectador que não vai ao Teatro por, ou para, mero entretenimento.




    CLÁUDIO deixa bem claros, logo no início, o seu egoísmo e sua falta de empatia, quando exige que JORGE abra, a qualquer custo, a porta do elevador, para que ele possa chegar à pessoa que o aguardava, para lhe apresentar aquilo que ele julgava um “grande projeto” que poderia ser responsável por alavancar a sua vida profissional. “Cada um no seu quadrado”, se CLÁUDIO era um “gênio”, criador de projetos mirabolantes e rentáveis, JORGE era um humilde funcionário de um condomínio, que sabia o que estava fazendo, conhecia os perigos de se tentar abrir uma porta de elevador, naquelas condições. E, embora tentasse deixar bem claro a terrível consequência que poderia advir, se ele obedecesse à “ordem” de um “ser superior” a ele, o “deus” não se conformava em perder aquela oportunidade. Aqui, também, o espectador pode, e deve, ficar atento a um detalhe: o nepotismo, tão comum no nosso dia a dia, mormente na política, se faz presente, uma vez que o “todo poderoso” que poderia aceitar o projeto do empresário em tentativa de ascensão, era tio de sua namorada. Às favas com a meritocracia! A relação de parentesco entre o “chefão” e sua “garota” lhe davam a certeza de que seria bem sucedido naquela empreitada.  


    


    Diante da correta firmeza do funcionário que comandava o elevador, surge um CLÁUDIO, totalmente diferente daquele homem que parecia ser, ao entrar no equipamento, no térreo, fazendo questão de se colocar em posição de superioridade, “pisoteando” – em sentido figurado e, depois, literalmente – JORGE, desmerecendo, totalmente, o humilde, competente e cioso profissional, de quem, naquele momento, ele dependia; estava “sob seu domínio”, o que seria “totalmente inadmissível”, dando margem a um violento embate, de palavras e ações físicas, com um final que não revelarei, pois não gosto de dar “spoilers”.




     Pode ser que eu esteja me comportando como um nefelibata, entretanto, sempre que assisto a um espetáculo teatral, tento enxergar aquilo que mais ninguém possa ter visto. Dessa forma, decodifiquei uma metáfora, na imagem do elevador, com relação aos dois personagens e suas condições socioeconômicas e culturais: o elevador existe para fazer com que pessoas subam e desçam, o tempo todo. Para CLÁUDIO, a função do equipamento era ajudar na sua “ascensão”, denotativa e conotativamente falando. Obviamente, após ter seu projeto aprovado, ele teria que “volta ao chão”, mas aí já na condição de um “vencedor na vida”, ao passo que JORGE sobe e desce, incalculáveis vezes, por dia, mas termina, sempre, sua jornada de trabalho na mesma condição como a iniciou, da mesma forma como foram os dias anteriores e serão os que vêm pela frente. “Voei” demais”?  



    Se DANILO se sai muito bem na condição de dramaturgo, da mesma forma se comporta na direção do espetáculo, que julgo bastante difícil, uma vez que haja criatividade para criar resoluções que prendam a atenção do espectador, durante uma hora e meia, ocupando um espaço mínimo, que corresponde à área de um elevador social. As marcações são bastante interessantes, e a linha de interpretação de cada ator, idem, fruto de um bom trabalho de direção.


Danilo Moraes (Texto e Direção)



    Pegando carona no final do parágrafo anterior, acrescento que de nada adiantariam as “boas intenções” de um diretor, a sua voz de comando, se não houvesse, à sua disposição, um bom material humano a ser trabalhado. Sorte de DANILO poder contar com dois excelentes atores, ANDERSON NEGREIRO e MANOEL MADEIRA, os quais compreenderam, com muita “fluidez”, as intenções do texto e da direção e as características de seus personagens, além da forma como deveriam se portar, o que resulta, repito, num espetáculo que agrada a todos. Ambos atuam de uma forma visceral. Na sessão em que estive presente, os comentários positivos eram gerais, e houve gente, na plateia, que, ao final da peça, se manifestou, além dos aplausos de pé, com expressões como “MUITO BOM!” e “PARABÉNS!”, o que não é comum, em TEATRO.


Anderson Negreiro (Ator)


Manoel Madeira (Ator)


    A montagem contou com mínimos recursos, entretanto o pouco dinheiro destinado à produção foi muito bem empregado, nos elementos necessários à realização do projeto, a começar pelo cenário, bem realista, que se resume, como não poderia deixar de ser, a um elevador, muito bem montado, do ponto de vista de um cenotécnico. Bela obra de cenografia, assinada por TAÍSA MAGALHÃES e executada por BETO DE ALMEIDA.


Taísa Magalhães (Cenário e Figurino)


Sinto a necessidade de, também, fazer uma menção aos corretos figurinos, também assinados por TAÍSA MAGALHÃES, e à ótima iluminação, de um excelente profissional da área, WAGNER AZEVEDO.


Wagner Azevedo (Iluminação)


Dani Carvalho (Produção)



FICHA TÉCNICA:

Texto: Danilo Moraes

Direção: Danilo Moraes

 

Elenco: Anderson Negreiro e Manoel Madeira

 

Cenário: Taísa Magalhães

Cenotécnica: Beto De Almeida

Figurino: TaísaMagalhães

Iluminação: Wagner Azevedo

Música: “Bossa Antigua”, de Kevin Macleod

Vozes “Off”: Carol Vit e Daniel Bouzas

Operação de Luz: Wagner Azevedo e Maurício Cardoso

Operação de Som: Danilo Moraes

Contrarregragem: Rahira Coelho

Programação Visual e Fotos de Divulgação: Luiz Henrique Dunham

Fotos de Cena: Danilo Moraes

Assessoria de Imprensa: Ribamar Filho e Leonardo Minardi (Mercado.com)

Assistente de Produção: Márcio Lopes e Pv Israel

Produção Executiva: Dani Carvalho (Desejo Produções) e Manoel Madeira (Proposta A6)

Direção de Produção: Dani Carvalho (Desejo Produções)

Realização: Alavanca Entretenimento

 



         Na atual conjuntura político-social pela qual os brasileiros passamos, eu diria que esta peça, que recomendo bastante, deveria fazer parte de uma “cesta básica cultural”. É algo que penso levar o público a se identificar com tudo o que há em cena, ainda que – não vou esconder – isso possa incomodar bastante muitos espectadores, mais pelo “suspense”, que começa a surgir, logo no seu início e vai, num crescendo, até o epílogo. Mas o que causa desconforto pode, também, ter suas compensações. Vale muito a pena assistir a este espetáculo. Espero, de coração, que ele ainda possa voltar ao cartaz. Por motivos óbvios, deixo de publicar o SERVIÇO da peça.


 



FOTOS: LUIZ HENRIQUE DUNHAM (Arte)

e

DANILO MORAES (Cena)

 

 

 

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