terça-feira, 29 de março de 2022

 

“ELES NÃO USAM

BLACK-TIE”

ou

(O “NÓS DO MORRO”

ESTÁ VIVO.)

ou

(TEATRO VERDADE

E ATEMPORAL.)

ou

(“AMADOR”

É A VOVOZINHA!)

 




      Frequentei muito o Casarão, do Grupo “NÓS DO MORRO”, no alto do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, para assistir às montagens de TEATRO que lá se realizavam, algumas das quais, depois, eram convidadas a vir para o asfalto, em temporadas brilhantes, em Teatros de todo o Rio de Janeiro. Sempre adorei ir lá, subindo e descendo de carro, sem medo algum, dobrando aquelas intermináveis curvas, muito mais bonitas que as da Estrada de Santos. Sim, porque, lá de cima, se tem, indiscutivelmente, o privilégio de admirar a mais bela paisagem do Rio de Janeiro. Gostava de ir bem antes de os espetáculos começarem. Eram sempre à noite, mas eu chegava no final da tarde, para admirar o pôr do sol e ficar proseando e tomando uma “geladinha” com o pessoal de lá. Que gente boa! Saudade de Guti Fraga e de um batalhão de gente talentosa, que, hoje, muito merecidamente, faz sucesso, no TEATRO, no cinema e na TV, e reconhecida pelo grande público, como Thiago Martins, Roberta Rodrigues, Renan Monteiro, Marcello Melo Jr., Babu Santana, Douglas Silva, Darlan Cunha, Jonathan Azevedo, Leandro Firmino, Jonathan Haagensen, Micael Borges, Roberta Santiago, Sabrina Rosa, Cintia Rosa, Mart Sheila, Juan Paiva e tantos outros.






        Mas isso faz um bom tempo, porque, depois que a violência se tornou mais robusta, nas favelas cariocas (Recuso-me a utilizar o termo “comunidades”.), temi voltar lá, embora o Morro do Vidigal, pelo que sei, e constatei, na última vez em que lá estive, no dia 25 próximo passado (março de 2022), seja um lugar tranquilo de se ir, se bem que não subi tanto, já que eles estão utilizando, para as apresentações, um lugar chamado de “Teatro do Vidigal”, mais conhecido, carinhosamente, como “Teatrinho”, bem mais embaixo da sede do “NÓS DO MORRO”. Fui, confesso, com bastante receio, embora já tivesse sido informado, por amigos, que não haveria perigo nenhum. Perigo há, sim, de uma colisão com as dezenas e dezenas de motocicletas, utilizadas pelos “motoboys”, importantíssimos para o transporte dos que lá residem. (RISOS.)




Fui para assistir a uma montagem, dirigida por JOÃO VELHO, com atores e atrizes “amadores”, de um clássico da dramaturgia nacional, “ELES NÃO USAM BLACK-TIE”, do inesquecível grande ator e dramaturgo, GIANFRANCESCO GUARNIERI, um texto de 1958, mas que continua muito atual, visto que se trata de uma peça teatral de cunho sociopolítico. Na sua primeira montagem, encenada pelo emblemático Teatro de Arena, no mesmo ano em que foi escrita, destacavam-se nomes que viriam a fazer parte da galeria dos nossos grandes atores e atrizes, como, por exemplo, o próprio GUARNIERI, além de DONA Lélia Abramo, DONA Miriam Mehler, SENHOR Milton Gonçalves e o SENHOR Flávio Migliaccio. A peça tem, como tema central, a greve e a vida operária, com preocupações e reflexões universais do ser humano.





Em 1981 foi realizada uma versão para o cinema, premiadíssima, no Brasil e no exterior, dirigida por Leon Hirszman e protagonizada, também, por GUARNIERI, trazendo, no elenco, nomes como os de DONA Fernanda MontenegroSENHOR Milton Gonçalves, Carlos Alberto Riccelli, Bete Mendes e Flávio Guarnieri, filho do autor do texto.





 

SINOPSE:

A peça tem, como tema principal, a luta dos operários, para melhorias das condições de trabalho, na década de 50, pós-ditadura Vargas, ambientando-se em um morro do Rio de Janeiro, onde os conflitos surgem a partir da realidade de uma família operária e suas relações pessoais.

Um movimento grevista se inicia numa empresa.

Um operário está preocupado com sua namorada, que engravidou, e eles decidem se casar.

Para não perder o emprego, ele resolve furar a greve, que é liderada por seu pai, iniciando um conflito familiar que se estende às assembleias e piquetes.


 

 




O Grupo “NÓS DO MORRO” surgiu em 1986, a partir da parceria de alguns artistas que moravam no Morro do Vidigal, como Guti Fraga, principal idealizador do Grupo, Fernando Mello da Costa, saudoso e querido amigo, Luiz Paulo Corrêa e Fred Pinheiro, com moradores da área, considerada como favela, situada na encosta do Morro do Vidigal. A missão do Grupo é dar acesso à arte e cultura a todos que não a têm, através de oficinas de formação artística”. A proposta inicial era um TEATRO feito “da comunidade para a comunidade”. Assim, as peças desse período abordavam temas que refletiam a realidade dos moradores, com o objetivo de formar uma plateia local. Fundado para oferecer formação técnica a jovens da comunidade do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, o Grupo, dirigido por Guti Fraga alterna a montagem de textos clássicos e criações coletivas.”.




A qualidade do trabalho do Grupo é tão grande e reconhecida, que, em 2006, o “NÓS DO MORRO” foi convidado a se apresentar no “Festival Internacional de Stratford-Upon-Avon”, vilarejo natal de Shakespeare, com Os Dois Cavalheiros de Verona”, com direção de Guti Fraga, “comemorando 20 anos de existência”. O “NÓS DO MORRO” reúne, hoje, mais de 50 pessoas, entre diretores, atores, técnicos, autores e colaboradores, em diversas áreas.





Mas falemos do “NÓS DO MORRO” de hoje e de sua mais recente produção, a montagem, como já foi dito, de “ELES NÃO USAM BLACK-TIE”, que encerrou uma curta temporada no último domingo (27 de março de 2022). Assisti à antepenúltima sessão, o que pode parecer não fazer sentido a publicação de uma crítica, que, além de uma avaliação da obra, via de regra, serve para divulgá-la, quando ela o merece, o que é o caso desta, entretanto dois são os motivos que me levaram a me debruçar sobre um teclado de computador e escrever este texto, além, obviamente de ter gostado da montagem: o primeiro é o desejo de deixar o registro de uma crítica sobre ela (Não sei se haverá outras.) e o segundo é porque há uma possibilidade de que a peça vá, como aconteceu em tantas outras vezes anteriores, descer o Morro para ocupar um Teatro da zona sul da cidade. E que os DEUSES DO TEATRO ajudem nessa empreitada, que é um grande sonho daqueles atores e atrizes, os quais são “amadores”, não pelo fato de não terem – acredito que todos, mas não tenho certeza, além de JOÃO VELHO, que dirige o espetáculo e nele atua - uma formação e uma atuação profissional, mas porque amam o que fazem – e fazem-no muito bem -, como se profissionais fossem. “Amadores”, aqui, entra como sinônimo de “Amantes”, aqueles que amam alguém, alguma coisa ou o que fazem, como registram os dicionérios. Sendo assim, afirmo que, neste sentido, não vejo por que poupar-lhes o adjetivo: atores AMADORES, com todas as maiúsculas.




Depois de um longo período de pandemia de COVID-19, da mesma forma como atingiu a todos, com as atividades artísticas suspensas, o “GRUPO DE TEATRO NÓS DO MORRO” reabriu as portas do “Teatrinho do Vidigal”, para receber um público ávido, como eu, pelo seu trabalho. E o fazem logo com um dos grandes clássicos da DRAMATURGIA BRASILEIRA, resultado do trabalho do diretor JOÃO VELHO com a TURMA IC, apresentado na “19ª Mostra de Teatro Nós do Morro”, em 2020, tendo que interromper sua trajetória, por conta da pandemia.





Esta curta temporada, de 6ª feira a domingo, durante todo o mês de março (2022) serviu para promover a revitalização do “Teatrinho” do “NÓS DO MORRO”, idealizado e construído pelo grande cenógrafo e cofundador do Grupo, FERNANDO MELLO DA COSTA (in memorian), um querido amigo que eu e o “povo do TEATRO” perdemos, em 1919.




        Esse primoroso texto marcou o início do que se pode chamar de “o teatro novo brasileiro”. “Sua narrativa, muito no estilo folhetim, consegue se comunicar com qualquer plateia, transmitindo o compromisso entre clareza e profundidade, entre a razão e o sentimento, essa tensão que se realiza numa síntese artística. A experiência de gente que sofre os conflitos e as contradições sociais, a busca por um espaço de participação política, o aumento do desemprego, o achatamento dos salários, o autoritarismo dentro das fábricas, a revolta dos jovens, todos esses problemas estão analisados na peça”. (Trecho extraído de um “release” que me foi encaminhado por RAMAYANA REGIS, que também integra o elenco. Nada mais, além disso, precisa ser escrito sobre esta magistral dramaturgia, de GIANFRANCESCO GUARNIERI, um dos nomes mais representativos do TEATRO BRASILEIRO, como autor, ator e diretor. Além de ter marcado presença na TV e no cinema, numa longa carreira, escreveu, para o TEATRO, além de “ELES NÃO USAM BLACK-TIE”, seu primeiro texto, algumas outras obras-primas, como, por exemplo, “Gimba”, “A Semente”, “O Filho do Cão”, “História de um Soldado”, “Arena Conta Zumbi”, “Arena Conta Tiradentes”, “Animália”, “Marta Saré”, “Castro Alves Pede Passagem”, “Botequim”, “Um Grito Parado no Ar” e “Ponto de Partida”.





       Qualquer texto de TEATRO, por melhor que seja, pode se tornar “opaco”, se cai nas mãos de um mau diretor, ou poder ganhar um brilho especial, se quem o dirige consegue enxergar, nas entrelinhas, aquilo que, talvez, seja mais importante do que o impresso, em papel, na forma de palavras e frases. JOÃO VELHO – não sei se é sua primeira direção -, é um ator experiente e versátil, um profissional de boa cepa, que soube mergulhar nas intenções do autor, e trazer à tona o que ele queria que cada ator fizesse. E foi muito feliz nessa direção.




      NINO BATISTA e DROSA, que também fazem parte do elenco, construíram uma cenografia bastante fiel e realista, atentos aos mínimos detalhes do interior de um barracão, num morro carioca. Quando a porta do “Teatrinho” se abre ao público e a gente a transpõe, tem a impressão de estar adentrando um barraco de verdade. Tendo sido um dos primeiros a me acomodar numa cadeira, na primeira fila, no pequeno auditório, tive bastante tempo, até o início da peça, para correr os olhos por todos os objetos e mínimos detalhes do cenário, uma humilde sala, e tive a impressão de estar fazendo uma visita a alguém que morasse naquele “cafofo”. Excelente trabalho da dupla!





        O figurino, criado por EDER fERREIRA, segue os padrões da condição social e da época em que se passa ação, de muito bem gosto. EDER também se houve muito bem, em sua pesquisa e escolha das peças que fazem parte dos figurinos de cada personagem. Outro ótimo acerto!




        Considerando a falta de recursos técnicos para uma iluminação a que estamos acostumados a ver em Teatros, louvo o trabalho de ZEZINHO DA LUZ, que, com poucos pontos de luz, “fez um verdadeiro milagre”, conseguindo criar, propositalmente, uma iluminação precária, como a de um barracão de uma favela, com destaque para a luz de vela, muito bem utilizada, quando necessária. Ao fundo do cenário, à frente de imagens, muitas velas acesas, o que caracteriza, religiosamente, os habitantes daquele lar, a família. Sim, é uma casinha pobre, mas não deixa de ser um lar, onde reinava o amor, a paz e a tranquilidade, até o momento em que os conflitos vão surgindo e causando um estado de instabilidade familiar.





    Todos os demais nomes que fazem parte da ficha técnica “colocaram seu tijolinho no lugar certo”, “para que a parede fosse erguida, com segurança, sem o risco de desmoronar”. (Abusei das metáforas. RISOS.)




        Esta montagem não é um bolo de uma cereja só, mas reservei para o final os comentários acerca do elenco e seu rendimento na montagem. Por ver os cinco atores e as cinco atrizes, em cena, em atuações bastante satisfatórias, num trabalho bem homogêneo, não sinto que caiba fazer algum destaque especial a alguém, embora não consiga me conter em falar, brevemente, sobre três membros do elenco, um pouco abaixo. É evidente que aqueles que interpretam os personagens principais da trama reúnem condições para serem mais exigidos e, em função disso, podem atrair mais a atenção e a "cobrança" de um espectador. Vez por outra, notei um pequeno deslize, aqui ou ali, mas que considerei um “pecadinho por excesso”, fruto da paixão como todos se entregam aos seus personagens. Nada, absolutamente, que desabone qualquer atuação.





      DROSA e MURILO IQUE, pai e filho, respectivamente, na peça, os quais se opõem em posição com relação à greve, se saem muito bem, principalmente nos diálogos em que o embate verbal se faz presente.




      LAURA CAMPOS BRAZ, às vezes, exagera um pouco, na emoção, porém isso é perfeitamente compreensível, já que sua personagem é de difícil interpretação, porque é obrigada a se dividir, no apoio ao marido e ao filho. Dosar a emoção é algo indispensável, para qualquer ator, na mesma proporção em que não é uma tarefa muito fácil. Fiquei bastante emocionado com sua DONA ROMANA




 

 

         

 

FICHA TÉCNICA:


Texto: Gianfrancesco Guarnieri

Direção: João Velho

 

ELENCO / PERSONAGEM (em ordem alfabética):

Drosa (Otávio)

Gleice Uchoa (Terezinha)

João Velho (João, irmão de Maria)

Laura Campos Braz (Dona Romana)

Luã Batista (Chiquinho)

Murilo Ique (Tião)

Nino Batista (Jesuíno e Juvêncio)

Pamela Alves (Bráulio)

Ramayana Regis (Maria)

Tatiane Melo (Dalva)


Cenografia: Nino Batista e Drosa

Figurino: Eder Ferreira

Iluminação: Zezinho da Luz

Operador de Som: Henrique Oliveira

Preparação Vocal: Isabel Schulmann

Supervisão Musical: Gabriela Geluda

Orientação Corporal: Marcia Rubin

Produção Executiva: Laura Campos Braz

Coordenação de Produção: Nino Batista

Fotos: Anael Rocha

Realização: Projeto Cria

 

 




 Para terminar, quero deixar bem registrada a minha satisfação em poder assistir àquela montagem e dizer que, em quase quatro horas em que permaneci naquele lugar, passaram pela minha memória, já um pouco prejudicada pelo tempo, momentos inesquecíveis que passei no Vidigal, aos quais somei aquela noite de 25 de março de 2022.





        Agradeço, do fundo do meu coração, a maneira como fui recebido e tratado por todos os que fazem parte da família “NÓS DO MORRO” e espero, muito em breve, poder voltar lá, porque devemos aproveitar bastante, ao máximo, o que a vida nos oferece de bom.

 





 

FOTOS: ANAEL ROCHA

 

 

GALERIA PARTICULAR:







Com Ramayana Regis e João Velho.




Com o elenco - 1.



Com o elenco - 2.




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