“BORDADOS”
ou
(...EM FILIGRANAS
DE OURO.)
ou
(AMOK
Para mim, todos os dias são “DIA
INTERNACIONAL DA MULHER”, mas foi escolhido, oficialmente, e não sei por
qual motivo, o dia 8 de março, para tal comemoração. Tomo a liberdade de
transcrever um depoimento, encontrado numa matéria, na internet, da professora Maria Célia Orlato Selem, mestre
em Estudos Feministas pela Universidade de Brasília e doutoranda em História
Cultural pela Universidade de Campinas (Unicamp), com o qual concordo
plenamente: “O 8 de março deve ser visto
como momento de mobilização para a conquista de direitos e para discutir as
discriminações e violências morais, físicas e sexuais ainda sofridas pelas
mulheres, impedindo que retrocessos ameacem o que já foi alcançado em diversos
países”.
E por que inicio esta crítica dessa forma? Porque,
coincidentemente, começo hoje, dia 8 de março de 2022, a escrever sobre
um espetáculo a que assisti, no último domingo, no Teatro III do CCBB
– Rio de Janeiro, “BORDADOS”, o mais recente trabalho da AMOK
TEATRO, cuja temática tem tudo a ver com a posição da mulher na sociedade e
as palavras da festejada professora.
Embora o texto da peça se concentre
na figura da mulher oriental, do mundo árabe, ainda que tudo o que lá se
fale seja sobre o tratamento que é dado à mulher daquela cultura, infelizmente,
encontramos, em toda a peça, pontos de intercessão entre os valores
culturais do mundo oriental e do ocidental, com um foco maior para o Brasil,
de ontem e de hoje. Algumas conquistas as mulheres já alcançaram, entretanto
muito ainda há de ser conquistado por elas, para que possam ser reconhecidas
como iguais aos homens, porque todos o somos, e merecedoras, portanto,
do respeito a que fazem jus.
SINOPSE:
O espetáculo
“BORDADOS”, do AMOK TEATRO, convida o público a participar de uma
conversa entre mulheres árabes e a mergulhar na intimidade de relatos
compartilhados ao longo de uma sessão de chá.
Elas narram histórias
de casamentos, paixões, família, filhos, revelando sonhos, perdas e conquistas.
Histórias de
mulheres, que refletem os desafios de viver em uma sociedade marcada pela
tensão entre tradição e modernidade.
O texto
é uma costura de depoimentos reais de pessoas comuns, das mais diferentes
origens e culturas do planeta.
A peça aborda temas universais, a partir do universo
feminino, e “explora o TEATRO como um espaço de produção de saúde”.
Tudo se passa num encontro entre mulheres árabes, ao longo de uma sessão de
chá. Em torno dessa bebida, como em um ritual, cujo acesso só é permitido às
mulheres, elas desenrolam os fios das suas histórias, sem medo, de uma forma
desprovida de pudor, porque se sentem, no fundo, protegidas e acolhidas, umas pelas
outras. Nessas conversas animadas, “vazadas para uma plateia”, um
tema predomina: o amor.
O espetáculo
é a segunda etapa do “Ciclo das Mulheres”,
depois da encenação de “Jogo de Damas”, em 2019, e não
conta uma história única, mas, de maneira fragmentada, nos apresenta pequenos
relatos das experiências vividas por seis mulheres, os quais, a
princípio, podem parecer bem distantes da nossa realidade, partindo-se da
enorme diferença cultural que existe entre o mundo árabe e a cultura
brasileira, entretanto, em pouco tempo, o público começa a se identificar
com aquelas personagens, principalmente as mulheres, quando percebem que
muitas daquelas dores e mazelas estão bem mais próximas a nós do que podemos
imaginar; delas, principalmente. A comoção toma conta da plateia, incluindo os homens, quando a
identificação própria começa a se instaurar, a partir do momento em que
traçamos uma analogia entre aqueles casos, lamentos e dores com os de mulheres
próximas a nós ou, até mesmo, distantes, dos quais já ouvimos falar. Muitas
mulheres, da plateia, se veem representadas pelas seis personagens, e isso
provoca muita emoção e o choro de algumas. Testemunhei, pesaroso, tal fato.
“‘BORDADOS’
é uma costura de relatos reais, recolhidos entre as centenas de entrevistas
reunidas no documentário “7 Bilhões de Outros”, que faz parte do projeto “Humanos”,
do realizador francês Yann Arthus-Bertrand. O documentarista percorreu o mundo,
para tentar responder à questão: O QUE NOS TORNA HUMANOS?” (Trecho
retirado do “release” que me foi encaminhado por FLÁVIA
TENÓRIO – LEAD COMUNICAÇÃO – ASSESSORIA DE IMPRENSA).
ANA
TEIXEIRA, que dirige a montagem, ao lado de STEPHANE BRODT, este
também, com ela, na assinatura da dramaturgia, fez uma seleção dos já
referidos relatos, sobre o amor, a felicidade, o
sentido da vida e a morte e os colocou nas bocas de seis personagens,
criadas, dentro da dramaturgia, as quais atuam como porta-vozes de todas
as outras, anônimas, que deram seus depoimentos. E o objetivo da obra é o
mesmo, explorado pela linguagem teatral, que o desejado pelo cineasta
francês. Também o AMOK lança a pergunta, nas entrelinhas, pela boca das personagens,
e para reflexão: “O QUE NOS TORNA HUMANOS?”.
Cabe a
cada espectador, atento aos relatos e desenvolvendo o seu sentido de
empatia, procurar chegar a uma resposta para aquele questionamento. Se é fácil
ou difícil, ou, até mesmo, impossível, para este ou aquele, isso já ultrapassa
a tarefa dos dramaturgos e da direção do espetáculo, que
atuam como provocadores das nossas consciências.
ANA
TEIXEIRA e STEPHANE BRODT, bastante acostumados a esse tipo de trabalho,
fazem uso de uma carpintaria teatral que facilita, ao espectador,
acompanhar e avaliar, com bastante fluidez, as frases ditas por aquelas seis
mulheres, conformadas, quase sempre, ou na grande maioria das vezes, com o
que lhes é imposto, em termos de falta de liberdade, de direitos iguais aos dos
homens. Conformam-se com o machismo que as rodeia, embora, ainda bem, nos dias
atuais, já possamos perceber um pouquinho de afrouxamento dos nós que as atam a
um obscurantismo, num mundo “dito civilizado”.
Ainda
retirado do “release”: “‘BORDADOS’
é acolhedor e sua linguagem, totalmente feminina, convida o público a entrar
numa casa árabe e a ouvir histórias que refletem os desafios de amar e viver em
uma sociedade marcada pela tensão entre tradição e modernidade. Histórias que,
embora tragam a realidade de uma outra cultura, parecem tão próximas e nos
convidam a refletir sobre a vida, o amor e a liberdade. O aroma de hortelã e
chá verde perfuma toda a encenação.”.
A direção
da montagem houve por bem alocar algumas mulheres ao redor das atrizes,
para participarem, também, daquele ritual do chá, o que penso ter sido uma
excelente ideia, uma forma de integração entre elenco e público.
Infelizmente, por conta da pandemia de COVID-19, foi mantida a
configuração, contudo não mais lhes é servido o chá, por orientações das autoridades
sanitárias e, acima de tudo, pelo bom senso da direção/produção.
O espetáculo chegou a estrear, no mesmo
CCBB, no início de março de 2020, entretanto cumpriu uma meia
dúzia de apresentações, apenas, e foi interrompido, quando todos os Teatros
do Brasil foram obrigados a cancelar suas programações. E o que se viu,
durante, praticamente, dois anos, em termos de TEATRO, embora eu não
os considere com tal, foi o que chamo de “experimentos cênicos
virtuais”, tudo “on-line”, vistos numa tela, o que impede
a comunicação total e completa, e necessária, entre o artista e o
espectador, o que fez, em muito, esses “experimentos”
perderem sua qualidade e valor, agora, recuperados pelo TEATRO presencial.
Sobre isso, diz, com muita propriedade, ANA TEIXEIRA: “A comunicação mediada pelas novas
tecnologias não contempla a necessidade que temos de nos comunicar, olhando nos
olhos. A comunicação intermediada pelas telas nos priva de percebermos as
emoções que afloram, quando conversamos frente a frente, em tempo real. Daí a
crise de empatia que vivemos hoje. Conversar é um ato de afeto e um ato
político, remédio contra a solidão e contra a (o)pressão da vida moderna e uma
restauro da saúde relacional”. Excelente observação de ANA!!!
De uma forma muito especial, ANA e STEPHANE conseguem abordar o “feio” de uma maneira tão sutil, tão cheia de filigranas, tão suave e, também, lírica ou muito levemente humorizada, que o espectador deixa o Teatro, após 80 minutos de conversas, leve, feliz, sem perder, porém, o foco naquilo que deve ser feito a favor do livre pensar a agir a que todas as mulheres do mundo têm direito. QUE DELICADEZA DE ESPETÁCULO!!!
Na
verdade, no nosso silêncio de espectador, também participamos daquelas
conversas, com a nossa conversa interior, quando concordamos, ou não, com o que
dizem, quando nos revelamos rebeldes, para não aquiescer àquela aceitação
delas, para gritar a elas, com os nossos olhos, que alguma coisa “está
fora da ordem” e que é preciso que elas lutem, na defesa de seus
direitos; de mulheres, porém, mais que isso, de seres humanos, femininas.
Em cena, seis
excelentes atrizes, fazendo seus trabalhos com a maior competência, todos
no mesmo nível, dão o tom das conversas e estabelecem o rumo da prosa. São
elas: CARMEN FRENZEL (FATHMEH), FLÁVIA LOPES (MASSARAT), JACYAN
CASTILHO (HIBA), SANDRA ALENCAR (KHADIJA), VANESSA DIAS (NESRINE)
e VANIA SANTOS (WALLA).
Além de darem
forma ao texto, ANA TEIXEIRA e STEPHANE BRODT também se ocupam da
direção do espetáculo, e o fazem com a mesma maestria como, até
hoje, vêm fazendo, desde a fundação do AMOK TEATRO, em 1998, a
partir de quando todos os seus espetáculos mereceram, como este, o
aplauso – eu diria unânime – do público e da crítica, o que lhes tem
garantido muitos prêmios, os quais, certamente podem estar reservados à montagem
em tela. “Os espetáculos do AMOK tratam de temas contemporâneos, sem
perder de vista a busca de uma linguagem poética e a afirmação da cena como um
espaço cerimonial.”.
Sempre foi uma
das maiores marcas da Companhia a beleza, a criatividade, o requinte e o acabamento,
sempre presentes nos cenários e figurinos, o que se repete aqui,
ambos criados por ANA TEIXEIRA e STEPHANE BRODT. A cenografia
representa uma sala “de estar” de uma típica casa árabe, com
muitos detalhes decorativos, de finíssimo bom gosto nos objetos espalhados pelo
espaço cênico. Sobre os figurinos, eu diria que são roupas
típicas das mulheres árabes, porém confeccionadas como se fossem para uma
festa, dado o bom gosto, na paleta de cores, nas combinações dos matizes e nos
acessórios que compõem os seis trajes.
Um espetáculo
de grande beleza plástica ganha mais realce, quando é convidado a criar o desenho
de luz um profissional do quilate de RENATIO MACHADO, bastante
comedido, nas cores e intensidades, mas contribuindo, a contento, para nos
encantar os olhos.
Uma atenção
deve ser dada às canções que são tocadas e/ou cantadas, durante a peça,
as quais estarão fazendo parte de um álbum, de RUDÁ BRAUNS,
a ser lançado brevemente. O disco com a trilha sonora da peça.
FICHA TÉCNICA:
Texto e Direção:
Ana Teixeira e Stephane Brodt
Assistente de
direção: Gustavo Damasceno
Elenco (Personagem
/ Atriz):
Fathmeh -
Carmen Frenzel
Massarat -
Flávia Lopes
Hiba - Jacyan
Castilho
Khadija -
Sandra Alencar
Nesrine -
Vanessa Dias
Walla - Vania
Santos
Cenário e Figurinos:
Ana Teixeira e Stephane Brodt
Iluminação:
Renato Machado
Músico: Rudá
Brauns (off), Vanessa Dias e elenco (live)
Direção
musical: Stephane Brodt
Edição de som:
Gabriel Petit
Operador de
Luz: João Gaspary
Operadora de
Som: Júlia Limp
Fotos: Sabrina Paes e Júlia Limp
Assessoria de Imprensa:
LEAD COMUNICAÇÃO (Flávia Tenório)
Produção: Amok
Teatro
SERVIÇO:
Temporada: De
05 de março a 24 de abril de 2022
Local: Centro
Cultural Banco do Brasil – Teatro III
Endereço: Rua
Primeiro de Março, 66 - Centro, Rio de Janeiro - RJ
Dias e
Horários: de quarta-feira a sábado, às 19h30min; domingo, às 18h
Valor dos Ingressos:
R$30,00 (inteira) / R$15,00 (meia entrada)
Capacidade: 75
lugares
Classificação Etária:
12 anos
Gênero: Drama
Sem a
menor sombra de dúvida, “BORDADOS” é uma peça feita com muito carinho
e amor, delicadeza e bom gosto, com uma proposta muito além
de oportuna, e pode ser considerado um dos melhores espetáculos em cartaz,
no momento, no Rio de Janeiro, o que só me faz recomendá-lo.
FOTOS: SABRINA PAZ
e
JÚLIA LIMP
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
Eu chorei...
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