domingo, 8 de março de 2020


O BATERISTA

(PLAGIANDO O SALGUEIRO,
NEM MELHOR, NEM PIOR;
APENAS UM ESPETÁCULO
DIFERENTE.)



        

       Muitas críticas para serem escritas, sou obrigado e me conter e tentar ser o mais conciso possível, contrariando uma das minhas características, o meu diferencial, como crítico de TEATRO, embora, ao terminar esta, constatarei, porque me conheço muito bem, que este parágrafo é desnecessário.

            O espetáculo sobre o qual me senti motivado a escrever é bastante interessante. Chama-se “O BATERISTA” e está em cartaz no Teatro Poeira, no já tradicional horário alternativo, das 3ªs e 4ªs feiras (VER SERVIÇO.).




            O espectador – experiência minha, a qual, posteriormente, em conversa com uma amiga, atriz, e uma outra pessoa, constatei não ser o único a senti-la –, durante os dez primeiros minutos, talvez, da peça, acha muito engraçada a atuação do ator, desde sua entrada em cena (Trata-se de um solo.), assim como o texto, mas fica querendo entender o que é aquilo, o que vai acontecer, até o final, e que história será contada. Aliás, com relação ao texto, ele parece muito superficial, e deve ser essa a impressão que muitas pessoas levam para casa: uma peça com um texto engraçado e um ótimo ator, para dizê-lo. Só que não é bem assim. Sinal de que “não entenderam bem” a proposta da peça. Ele diz mais nas entrelinhas do que no conteúdo das palavras expressas. O verbo subentendido é muito mais profundo do que o que se ouve, da boca do ator.




  


SINOPSE:

“O BATERISTA” é uma comédia dramático-musical.

Trata-se de uma história que se passa durante uma aula de bateria, ministrada por um músico excêntrico, o qual vive um relacionamento afetivo em crise, com a mulher, Monique.

Ele é obrigado a encarar uma aula repleta de alunos exigentes, pouco tempo depois de se separar da esposa.

Com a cabeça na lua, esquece-se da aula e se surpreende com a quantidade de pessoas que aparece na sua garagem, sua sala de aula improvisada.

Mas o dia não vai ser fácil: sua bateria está completamente desmontada; e o lugar, todo bagunçado.


Durante a aula, o baterista organiza as coisas, ao mesmo tempo em que se vê às voltas com a ex-mulher, com quem troca diversas mensagens nas redes sociais.

Como ainda é apaixonado por ela, transborda todas as suas emoções diante dos alunos, usando seu instrumento musical, para expurgar suas desventuras e decepções, em cenas ora divertidas, ora comoventes.

O público acompanha a história da bateria – esse instrumento fascinante – contada pelo músico, desde a percussão dos homens das cavernas até o “rock’n’roll”, passando por vários estilos como “jazz”, “bebop”, “folk”, “blues”, entre outros ritmos.

Para ilustrar melhor sua aula, o baterista executa seu instrumento, para tocar músicas de bandas e artistas famosos.

Ágil e divertido, o texto também fala da relação do baterista com os outros músicos de uma banda, que, muitas vezes, deixam de valorizá-lo, por considerá-lo um tipo inferior de músico, já que trabalha com percussão, e não com harmonia, propriamente dita.

Assim, o espetáculo faz um paralelo entre o preconceito que, muitas vezes, a música não erudita/não europeia tem com músicas consideradas “periféricas”, vindas da África e do Oriente.

A bateria representa, na verdade, uma junção de diversas influências, de diversos lugares do planeta, a ponto de, hoje, ser um elemento fundamental na nossa cultura.

A peça toma, como inspiração, dois monólogos clássicos, “O Contrabaixo”, de Patrick Süskind, e “Os Malefícios do Cigarro”, de Anton Tcheckhov, para criar um texto original e voltado para o público brasileiro, de todas as idades.








        O meu leitor atento e sagaz, pela detalhada sinopse acima, parte do “release” que me foi enviado por SHEILA GOMES (SG ASSESSORIA DE IMPRENSA), já percebeu por que não se trata de um texto “menor”. Parte desta análise será construída em cima de trechos da sinopse. Nem sempre se torna fácil perceber e entender as metáforas, abundantes por aqui.

Ao se separar da mulher, ou melhor, ter sido trocado por um outro músico, seu amigo, um pianista, seria natural, como ocorre a qualquer recém-separado, que sua cabeça estivesse em desordem, assim como seu instrumento, em cena, totalmente desmontado, com peças soltas, espalhadas pelo chão, no início do espetáculo (“Mas o dia não vai ser fácil: sua bateria está completamente desmontada; e o lugar, todo bagunçado.”). No decorrer do monólogo, o BATERISTA (O personagem, propositalmente, a meu juízo, não tem nome, porque poderia ter qualquer um, ser qualquer pessoa, naquela situação desfavorável.) vai montando-a e tornando, aos poucos, o ambiente menos “insalubre”. Metáfora da reconstrução de sua vida.

            Ele se surpreende com a grande quantidade de alunos inscritos (a plateia) para a oficina, aula ou sabe lá que nome ele acha que deva ter aquele encontro. Após a ruptura no casamento, a pessoa pensa que perdeu os amigos que tinha e que está condenada a viver na solidão, o que não é verdade e eu conheço bem este filme: não é em preto e branco e o “mocinho” não morre no final; é em cores e o epílogo acaba sendo favorável ao “herói”, embora ele tenha que pagar um alto preço por isso. O “luto” pode durar um pouquinho, mas desaparece, via de regra.




            O fato de ter sido trocado por outro não faz com que o BATERISTA deixe de amar a “ex”, que existe, como um fantasma, na sua mente, e, por mais que ele tente esquecê-la, sepultá-la, de vez, esse processo é gradual. É muito interessante o fato de, a cada vez que ele pronuncia o nome dela ou lhe faz referência, culpa os alunos, pedindo-lhes que não façam aquilo; ou seja, tenta culpar alguém por sua dor recentemente conhecida.

           O BATERISTA, no papel de profissional da música, não tem, ainda, infelizmente, o seu valor reconhecido, pela maioria das pessoas, quando acham que não é à toa que seu lugar é na “cozinha” do palco, e, por isso mesmo, ele é, constantemente, alvo de piadas ofensivas (Hoje, “politicamente incorretas”.), por parte de seus pares (Muitas dessas “piadas” estão no texto.), muito embora seja um músico tão importante quanto o “spalla”, numa orquestra sinfônica. E por que não? Sem ele, a música fica “capenga”. É bom lembrar que, nos interiores do Brasil, a cozinha é a parte mais importante de uma casa. Nem todos sabem que um baterista precisa ler partituras. Não é, apenas, um “fazedor de barulhos”. Em termos analógicos, o personagem não é um “joão-ninguém”; é um ser humano, com seus sentimentos e brios feridos.

            O BATERISTA sofre, com a reclamação dos vizinhos “chatos”, por mais que se empenhe em procurar impedir o vazamento do som que produz, durante seus estudos e ensaios, em casa. Seria mais uma metáfora? Deixo-lhes um desafio: desvendar o “enigma desta Esfinge” (Aproveito para fazer a minha metáfora também.).

“Para o autor, CELSO TADDEI – um apaixonado por música, que toca mal vários instrumentos –, a bateria é um instrumento ‘dramaturgicamente interessante e complexo, por causa de seu tamanho e porque faz muito barulho’. Além do mais, TADDEI acha curioso o envolvimento de uma pessoa, durante toda a vida, com um instrumento; sobretudo, quando se trata de um baterista, aquele que é ‘sempre o primeiro a chegar e o último a sair do estúdio’. Essa característica solitária dos bateristas é, de cara, um ótimo gancho para um monólogo.” (Extraído do “release” da peça.).




            Para não me alongar muito, falando do texto, passo, logo, a outras considerações, como a direção, de DIEGO MOLINA, com assessoria de ALEXANDRE REGIS. Boa, segura e criativa. O trabalho de um diretor, num solo, é ampliado, assim como sua responsabilidade. A dupla atinge, positivamente, o objetivo.

            ANTÔNIO FRAGOSO, em quem sempre enxerguei um bom ator, mais atuante em papéis cômicos, me surpreendeu bastante; superou, em muito, a minha expectativa, porque, além de representar bem, toca bateria, detalhe que eu desconhecia, demonstrando uma intimidade com o instrumento, que já vem sendo construída desde a década de 80. “(...) em Brasília, quando morava na mesma quadra de Herbert Vianna, Bi Ribeiro e Dado Villa-Lobos, ele fez parte de duas bandas de ‘rock’: ‘Os Sociais’, que montou com Pedro Ribeiro (irmão do Bi, dos 'Paralamas') e Fernando Bola, e ‘Escola de Escândalo’, da qual saiu, porque o pai dele, diplomata, havia sido transferido para a Espanha. Foi Pedro Ribeiro, aliás, que incentivou FRAGOSO a assumir a bateria, uma vez que ele já tocava tarol na banda marcial do Colégio Marista.” (Também extraído do “release”.). Valorizo bastante seu trabalho, nesta peça, pelo fato de ter que conjugar, sincronicamente, duas linguagens, a dramática e a musical, muito atento ao diálogo entre as duas, o que julgo ser tarefa não muito fácil, embora, ao mesmo tempo, não me pareça tê-la sido, para ele, que desempenha, com correção, as duas funções e nos convence, na pele do personagem.

            É bem interessante a cenografia do espetáculo, simples, porém precisa, assinada por DIEGO MOLINA e PATRÍCIA MUNIZ. “Para o texto realista, que tem como cenário a garagem da casa do pai do personagem/baterista, MOLINA resolveu utilizar ‘estranhezas, para acentuar a teatralidade’. Tais ‘estranhezas’ estão na luz, no cenário, nas marcações. Tudo na intenção de ‘deixar tudo mais lúdico’, como ele explica.”. O espectador é transportado, “de verdade”, para uma garagem/estúdio, com todos os elementos cênicos existentes numa delas.




            ANDERSON RATTO foi muito feliz no desenho de luz, privilegiando, com luzes feéricas, como num “show” de “rock”, numa apresentação pública, as cenas em que o BATERISTA se exibe, tocando, homenageando grandes bandas e músicos do seu universo musical. Durante os momentos em que o personagem ministra sua “master class”, como ele a considerava (Esse detalhe é muito importante, uma vez que, mesmo “por baixo”, ele procura não deixar cair mais ainda a sua autoestima e valoriza se talento e profissão.), a luz é mais perene, acompanhando a movimentação do personagem em cena.

            O figurino, criado por PATRÍCIA MUNIZ, ajusta-se, perfeitamente, ao personagem e à ação. Roupas simples, do dia a dia, sem maiores detalhes.

       É muito bem cuidada a trilha sonora, a cargo de PEDRO COELHO e MÁRCIO LOMIRANDA, incluindo alguns “standards” do início do “ragtime”, “contextualizando a história da formação da bateria”, um bom detalhe ilustrativo do texto. “No repertório, há ‘pot-pourri’ de canções dos Beatles e muito ‘rock’n’roll’: de Bill Haley a Led Zeppelin, passando por The Who, Cream, Sex Pistols, Black Sabbath, The Police e Nirvana. Bandas brasileiras – como Titãs e Paralamas do Sucesso – também marcam presença na trilha...”. Uma salada de ritmos e tendências, muito bem temperada.







FICHA TÉCNICA:

Texto: Celso Taddei
Direção: Diego Molina
Diretor Assistente: Alexandre Regis
Direção Musical: Pedro Coelho e Márcio Lomiranda

Atuação: Antônio Fragoso

Cenografia: Diego Molina e Patrícia Muniz
Iluminação: Anderson Ratto

Figurino: Patrícia Muniz
Programação Visual: Daniel de Jesus
Fotografia: Caíque Cunha

Filmagem: Bernardo Palmeiro
Direção de Arte das Fotos e Vídeo “Teaser”: Daniel de Jesus
Redes Sociais: Rafael Teixeira

Assessoria de Imprensa: Sheila Gomes
Direção de Produção: Paulo Mattos e Pedro Uchoa
Assistente de Produção: Carmem Ferreira
Assistente de Câmera: Renato Costa
Intérpretes de Libras: JDL - Acessibilidade na Comunicação

Produção: Antônio Fragoso e Celso Taddei
Realização: Levante 42











SERVIÇO:

Temporada: de 03 de março a 22 de abril de 2020.
Local: Teatro Poeira.
Endereço: Rua São João Batista 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Dias e Horários: 3ªs e 4s feiras, às 21h.
Sessões com Intérprete de Libras: Dias 17 de março e 15 de abril.
Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada).
Duração: 60 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.  
Informações: (21) 2537-8053.








Como diz o “release” da peça – e não serei eu a invalidá-lo -, “O BATERISTA” é “uma reflexão filosófica, feita por um baterista, que liga seu instrumento a toda mecânica da vida”, misturando humor, música, ritmo e as batidas de uma bateria.

É por isso que recomendo o espetáculo, chamando, mais uma vez a atenção para o fato de que ele é muito mais do que parece ser. Nem melhor, nem pior; apenas diferente. Descubra e “curta” essa diferença!



(FOTOS: CAÍQUE CUNHA.)


GALERIA PARTICULAR.
FOTOS: GILBERTO BARTHOLO.)










 




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