terça-feira, 4 de junho de 2019


O HÉTERO

(RIR DE SI PRÓPRIO
É O MELHOR REMÉDIO,
PARA NÃO ENLOUQUECER.
ou
“CADA UM SABE A DOR
E A DELÍCIA DE SER O QUE É”.)






            Estamos vivendo, realmente, no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, uma “época de vacas magras”, e é óbvio que o TEATRO não poderia ficar de fora. O que mais se vê anunciar, quase diariamente, são reestreias. Poucas são as estreias e muitas são monólogos, por motivos óbvios. É claro que há, por parte do(a) ator/atriz, o desejo de se lançar num voo mais alto, assumindo a responsabilidade de um solo, entretanto, muito dessa profusão de textos para um(a) só ator/atriz se deve à questão das dificuldades financeiras de todos, motivadas pela falta de patrocínios e pela extinção, ou quase isso, das leis de incentivo à cultura, por parte de um (des)governo legítimo, no voto, porém, ilegítimo, na prática. É bem mais econômico montar um monólogo do que um espetáculo com um elenco de vários atores.

            Mas isso não é tão importante, se é monólogo ou não. O que importa é a qualidade dos trabalhos. Fazer um monólogo não é para qualquer principiante, embora, infelizmente, muitos não se deem conta disso, e acabam por passar vexames em cena, daqueles de causar a famosa “vergonha do alheio”. Tenho testemunhado alguns exemplos disso, para a minha tristeza.

            Felizmente, no que tange a bons ou maus monólogos a que venho assistindo, desde o início deste ano de 2019, o saldo tem sido positivo. Vi, até ontem, dia 3 de junho de 2019, 22 solos, incluindo “O HÉTERO”, e, destes, 16 me agradaram, em diversos estágios (bom, muito bom, ótimo e obra-prima). Os outros 6 foram uma decepção, custaram-me muito descer pela goela e, para falar a verdade, não desceram; ficaram entalados.




        O “release” deste espetáculo, “O HÉTERO”, enviado por BRUNO MORAIS (ASSESSORIA DE IMPRENSA) apresenta-o como um “monólogo performático”, o que não me parecia, até ter ido ao Teatro Café Pequeno (VER SERVIÇO.), fazê-lo diferente dos demais, uma vez que, em todos, alguém dá conta de realizar uma “performance”.

            Curioso, procurei, em alguns dicionários, o significado do substantivo, de origem na língua inglesa, “performance”, embora já o soubesse, mas fui surpreendido, por um deles, que dizia: “Espetáculo em que o artista atua com inteira liberdade e por conta própria, interpretando papel ou criações de sua própria autoria”. Estava, pois, justificada a classificação do excelente espetáculo que nos proporciona o grande ator ZÉ WENDELL. O tal significado é a cara da peça, pois WENDELL atua muito livremente, ainda que sob uma competente direção, interpretando uma criação própria.







SINOPSE:

Realizando um debate sobre o papel do artista brasileiro na sociedade, sua absorção pelo mercado profissional e a influência da indústria televisiva na formação e naturalização de arquétipos, o ator ZÉ WENDELL escreveu e encena “O HÉTERO”, seu primeiro texto solo.

O monólogo autorreferente conta, com humor, a história de FULANO DE TAL, um artista nordestino, sonhador, que sai pelo mundo, em busca de espaço profissional, numa jornada de autoconhecimento e autoaceitação.

Para isso, carrega, além de seus questionamentos e observações, uma potente bagagem cultural, que vai da pluralidade da cultura popular brasileira às influências midiáticas da televisão, com suas telenovelas e programas de auditório.






            Tendo como base as suas experiências próprias de vida, valorizadas por passagens ficcionais, mas que parecem fazer parte de suas vivências, ZÉ WENDELL nos conta uma verdadeira saga, pela qual passou um personagem – ele mesmo -, FULANO DE TAL, um nordestino “diferente”, fora dos padrões do “cabra-macho”, homossexual, que sonha com o estrelato, via novela global. E, para tentar alcançar o seu sonho de se tornar uma celebridade da novela das 9, ele trava uma tremenda batalha, contra si próprio e o mundo machista e conservador em que nasceu e, posteriormente, nos lugares por onde passou.

            O texto é de inquestionável qualidade, o seu primeiro solo, que o qualifica como um bom dramaturgo e basta para nos mostrar que, além de um grande ator, reúne qualidades para continuar a produzir textos teatrais. Toda a riqueza da dramaturgia está concentrada na mostra de quão difícil e perigoso é sobreviver numa sociedade, ainda hoje, apesar de muitos avanços, preconceituosa e não disposta a reconhecer as diversidades e a conviver com elas, respeitando-as, acima de tudo.




            Corajoso e verdadeiro, o autor/ator/personagem não abre mão de suas reais convicções, seja na sua orientação sexual, seja na determinação de se tornar um ator reconhecido, seja nos seus valores pessoais humanos.

Ao tomar a decisão de abandonar seu “fim de mundo”, no “interiorzão” da Paraíba, o personagem sabia que “rapadura é doce, mas não é mole, não”, que seu sonho era a sua vida, mas que teria de pagar um alto preço para conquistá-lo, enfrentando o desconhecido, que não lhe haveria de abrir, facilmente, as portas; o desconhecido que o exploraria; o desconhecido que o humilharia; o desconhecido que o faria sentir vontade de voltar, para o “conforto” de sua família, porém oco de realizações.

            Acima, ou antes, de tudo, FULANO DE TAL, um digno representante de tantos “fulanos de tais” que existem mundo afora, procura respostas para a sua própria existência, vive a tentar compreender o comportamento de quem não é um “fulano de tal”, esforça-se, ao extremo, para tentar compreender o seu mundinho e o mundão, a cujo encontro ele vai.




Dois aspectos muito interessantes marcam o texto. O primeiro é o fato de que, dado que não seja escrito todo em versos, lembra-nos, bastante, os cordelistas, porque o autor não perde a oportunidade de trabalhar rimas, internas, principalmente, criando uma musicalidade muito agradável aos ouvidos. O segundo diz respeito às muitas referências culturais, regionais, quer relativas a hábitos da cultura nordestina, quer com relação ao vocabulário, à sintaxe e à prosódia de sua terra natal. Ora falando com o sotaque de seu lugar, ora tentando se comunicar no “dialeto carioca”, como, talvez, uma tentativa de provar, a si próprio, quão adaptado estava aos novos costumes, se impõe, em cena, com sua voz firme e marcante. O personagem saiu do nordeste, mas o nordeste não saiu dele.

Sua interpretação é magistral, explorando, em grande abundância, as possibilidades de mil e uma máscaras faciais, para personagens “coadjuvantes”, diferentes, que vão passando por sua trajetória, e ocupando todo o espaço cênico, de forma intensa, quase sem parar quieto por mais de um minuto, o que lhe exige um grande preparo físico. Por oportuno, faz-se necessária uma citação ao excelente trabalho de corpo do ator e da direção de movimento, cujo(a) responsável não consta na ficha técnica, mas creio ter sido criada pelo próprio ator, durante o processo de construção do espetáculo, contando, talvez, ou certamente, com a orientação de ALICE STEINBRUCK, que faz um ótimo trabalho de direção.




O texto – ainda ele – é bem atual, por conta das críticas e citações que são feitas a personagens da nossa política, bem como a fatos que povoam a mídia hodierna, tudo muito bem regado com um molho de um humor inteligente, sem exageros nem apelações. Do tripé, que, geralmente, sustenta uma boa montagem teatral (texto interpretação e direção), os dois primeiros são os pilares mais robustos desta corajosa empreitada, que não contou com patrocínios.

De tão excelentes que são o texto, a interpretação e a direção, pôde-se abrir mão de cenários e figurinos sofisticados. A cenografia nos brinda com um palco nu, cujo destaque é, apenas, um grande quadrado de linóleo, dividido em três desenhos de formas geométricas, em cores diferentes, os quais passam a ideia dos caminhos ou dos sentidos que o personagem foi tomando, ao longo da vida. Como figurino, uma roupa confortável, para os muitos movimentos do ator: uma calça de malha preta, uma camiseta de tecido bem maleável, na mesma cor, e um colete curto, também em preto, com alguns bordados, com pedras e tachas, nas costas e numa das lapelas, de modo a lembrar, ainda que de forma estilizada, uma jaqueta de um vaqueiro do sertão, aquilo para o que, talvez, FULANO DE TAL tenha nascido, embora não o quisesse nem fosse o seu destino, ou, também, uma peça do guarda-roupa de um artista famoso. Fica para a imaginação de cada um espectador.




Muitos aplausos devem ser direcionados a ANA LUZIA DE SIMONI, pela frenética iluminação que teve de fazer, por conta dos muitos e ágeis deslocamentos do personagem em cena. ANA não deixa nada desvalorizado, nas ações do personagem. Belíssimo trabalho!

Para pontuar e sublinhar alguns momentos bem interessantes da peça, MARCELO ALONSO NEVES entra com a sua colaboração, na equipe, com uma cuidadosa e bem apropriada direção musical.

            Não poderia desprezar, nesta crítica, um depoimento do próprio ZÉ WENDELL, inserido no já citado “release”: “A necessidade de sobrevivência me levou a escrever este texto, para resistir ao mal e existir como artista. Estava numa fase de inquietação interna, com poucos trabalhos e uma necessidade pungente de criar. Nosso país inserido numa tensão política, como nunca vi antes, com um discurso deturpado sobre o papel do artista na sociedade. Não queria contar com a sorte ou esperar por convites e quis dar conta do meu papel de ator de forma mais autônoma. Me joguei de cabeça. Eu precisava falar do mundo sob vários aspectos: o mundo do artista, do nordestino imigrante, do LGBTI açoitado, diariamente, no país que mais mata esta população. Por isso resolvi falar do meu quintal e botei a minha verdade pra jogo.”.




            E continua: “A peça não é apenas para entreter. Construímos um monólogo performático, cheio de representatividade e com um dedo na ferida, que convida à reflexão, pois discutimos a questão das minorias, abordando estigmas e sendo um espelho da nossa sociedade atual. Falar sobre identidade e preconceito, hoje, é um ato político, uma quebra de tabu. Falo do direito de poder exercer minhas convicções, minha fala, meu timbre de voz, meu corpo. Infelizmente, estamos retrocedendo no tempo e precisamos combater esse tipo de ideologia, que se diz não ideológica. Senti, e ainda sinto, isso na pele, mas chega de opressão! Acredito que as influências externas nos definem, e muito; afinal, somos frutos do meio. Por que podem nos dizer como devemos ser? Que autoridade e que legitimidade possuem para condenar o outro ao inferno de suas próprias convicções? Enquanto isso não for compreendido, estaremos fadados ao fracasso social. Obviamente, nossas instituições contribuem para isso – a religião, a política, a família e até a educação das escolas estão contaminadas dessa mentira. É lamentável e cruel. Mas é real. Decidi encarar, botei minha verdade para jogo. Acredito que precisamos criar e produzir, pois é a única forma de fomentar e fortalecer nossa própria carreira. Então, ou você cria, ou você morre. E eu decidi viver.”.







FICHA TÉCNICA:

Texto e Atuação: Zé Wendell

Direção: Alice Steinbruck
Direção de Produção: Zé Wendell
Produção Executiva: Andrea Menezes
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Figurino: Ticiana Passos
Cenário: Mina Quental
Visagismo: Márcio Mello
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Fotografia: Jonathan Menezes
Programação Visual: André Senna
Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Assessoria – Gisele Machado & Bruno Morais








SERVIÇO:

Temporada: De 25 de maio a 17 de junho de 2019.
Local: Teatro Municipal Café Pequeno.
Endereço: Avenida Ataulfo de Paiva, 269 – Leblon – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3111-2011.
Dias e Horários: De 6ª feira a 2ª feira, sempre às 20:00.
Valor do ingresso: R$40,00 (inteira) / R$20,00 (meia entrada).
Duração: 60 minutos.
Classificação Etária: 16 anos.
Gênero: Comédia (Monólogo Performático). 








            Afirmo que “O HÉTERO” é um dos melhores solos a que assisti este ano, até agora, e nos últimos tempos, o que me leva a recomendá-lo com o maior empenho. É uma pena que a temporada seja tão curta, como vem ocorrendo, ultimamente, nos Teatros do Rio de Janeiro, porém, pela qualidade do trabalho, tenho a certeza de que a peça emplacará outras temporadas, já que, em tão pouco tempo, se tornou sucesso de público e de crítica.



 



E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

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O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!





(FOTOS: JONATHAN MENEZES

































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