sexta-feira, 29 de janeiro de 2016


NOCTILUZES

 

 

(AMOR, SIM; INTOLERÂNCIA, NÃO!

ou

UM TEATRO QUE ME REPRESENTA.)

 

 

 


 

 

 

            Mais uma vez, o eixo Rio-São Paulo se curva, em termos de arte, diante de uma produção teatral vinda de uma outra praça. Neste caso, Brasília está na berlinda. Sim, senhores! Brasília não produz só corrupção. É de lá que, depois de ter passado por São Paulo, onde foi grande sucesso de público e de crítica, chegou ao Rio de Janeiro, para uma curtíssima temporada, infelizmente, já prestes a se encerrar, um espetáculo lindo e comovente, chamado “NOCTILUZES”, do dramaturgo argentino, SANTIAGO SERRANO, numa produção da CIA. PLÁGIO DE TEATRO BRASÍLIA. (VER SERVIÇO.)

 

            A peça, que tem direção de SÉRGIO SARTÓRIO, conta com este no elenco, além de CHICO SANT’ANNA e VINÍCIUS FERREIRA.

 

 

 


Três homens e três destinos.

 

 

            O espetáculo, uma montagem minimalista, aborda as relações humanas, num mundo tão contaminado pela intolerância, sob os mais diferentes matizes e disfarces. O premiado texto foi escrito especialmente para o grupo, após o seu autor ter assistido a um trabalho anterior da CIA, “Cru”, com cujo lirismo se encantou. Logo no dia seguinte, começou a escrever “NOCTILUZES”.

 

            SÉRGIO SARTÓRIO revela que pediram ao autor uma peça que falasse sobre o amor, diante deste mundo de intolerância. Mas nada específico. “O SANTIAGO SERRANO é um autor muito sensível, é um poeta que vem da psicanálise e, por isso, lê a alma humana com muita delicadeza e, sempre, de forma positiva. Quando conversamos sobre ele escrever um texto para este elenco, tudo que ele fez foi perguntar sobre nós, nossas angústias, nossas dores e nossas alegrias. E tudo isso está no texto”, conta.

 

 

 


 

 

 

 

 
SINOPSE:
 
Em um píer de um pequeno vilarejo, três desconhecidos se encontram durante uma madrugada.
 
Depois desse encontro inesperado e cheio de revelações, a vida desses homens não será mais a mesma. O encontro improvável, em uma situação limite, traz à tona mágoas e afetos submersos. 
 
Cada um tem seus próprios motivos para estar ali e queriam estar sozinhos, mas a presença dos outros causa um incômodo, que eles precisam negociar, até atingir seus propósitos.
 
Para o diretor e ator SÉRGIO SARTÓRIO, “a peça fala sobre as marcas e cicatrizes que a vida nos cria. Das dores e curas causadas pelas relações. São sentimentos inerentes ao ser humano, porém corrompidos pela vida. Alguns valores incrustados pelos pais e pelo meio são difíceis de serem quebrados. Somente a colisão destes personagens será capaz de quebrá-los.”
 




 

 

Jogo cênico fascinante de três bons atores . Foto: Ivana Moura

 

 

 

            Tenho certeza de que, apenas com a leitura da sinopse, poucas pessoas possam se interessar por assistir à peça, entretanto quem assiste a ela, certamente, se transforma num agente multiplicador de sua divulgação, como venho fazendo, desde que tive o prazer e o privilégio de conhecer este trabalho, porque se trata de um espetáculo que reúne, simplicidade, bom gosto e muito talento, merecendo ser visto pelo maior número de pessoas possível.

 

A peça estreou, no CCBB de Brasília, em junho de 2014. Participou do Festival Internacional de Teatro Cena Contemporânea e da mostra BR040 na Funarte, ambas em Brasília. Esteve na programação do Festival Internacional Janeiro dos Grandes Espetáculos, em Recife, Caruaru e Goiana (Pernambuco).  Fez temporada, em São Paulo, em julho/agosto de 2015, no Teatro Pequenos. Participou do Festival Filte Bahia, em Salvador, e do 7º Festival Ruínas, em Uberlândia. Agora, o “cais” é o Rio de Janeiro.

 

A curiosidade sobre o espetáculo já começa pelo título. Poucas pessoas sabem que “noctiluz” significa “vagalume”, ou “pirilampo”. Noctiluzes voam, no entorno do píer, onde se passa toda a ação, e constituem um dos mistérios da peça, uma bela metáfora como outras nela existentes, com, por exemplo, o local de toda a ação ser um píer, um ancoradouro, que, teoricamente, representa um local seguro (Será?).

 

O que leva três misteriosos homens a um encontro não marcado (Ou marcado pelo destino?), num velho píer, fora de uso, de madrugada? Aos poucos, vamos juntando as peças, até que o quebra-cabeça seja montado por completo. Essa montagem é que é excelente, em função de uma carpintaria primorosa de que faz uso SANTIAGO SERRANO e que é responsável pelo fato de o espectador se sentir ligado à ação desde o primeiro diálogo até a última cena.

 

 

 


Sérgio Sartório, de boné, e Chico Sant’Anna, de terno.

 

 

JOSÉ (SÉRGIO SARTÓRIO) é o primeiro a chegar, seguido de BALTAZAR (VINÍCIUS FERREIRA); depois, é a vez de TIRÉSIAS (CHICO SANT’ANNA).

 

JOSÉ, visivelmente tenso, aguarda alguém, ainda não identificado, com quem marcara um encontro naquele lugar ermo, recebendo ligações de outra pessoa, também não identificada. Posteriormente, sabe-se que é sua esposa.

 

BALTAZAR surge do nada, portando um pesado saco, que, em si, é um novo mistério, só desvendado quase ao final da peça. O que conteria? Questionado por JOSÉ, se era a pessoa que este aguardava, cria-se uma tensão entre ambos, cujo motivo só será compreendido mais tarde, assim como por que BALTAZAR implora para ficar sozinho por lá. JOSÉ também tem a mesma reivindicação.

 

Como se já não bastasse tanto mal-estar entre os dois, a situação se torna mais tensa, quase fora de controle, quando surge o terceiro elemento do triângulo, TIRÉSIAS, um cego, mais velho que os dois, profundamente inconveniente e falastrão, que parece ter como objetivo jogar um contra o outro, ao criar situações constrangedoras para ambos.

 

Os três, totalmente desconhecidos entre si, falam de suas idiossincrasias, abrangendo medo, covardia, dor, esperança, solidão, amizade... Os motivos que os levam a estar naquele lugar são totalmente diferentes e, ao mesmo tempo, contundentes, de grande importância individual, justificáveis ou não, aos olhos dos outros. Aos poucos, o espectador vai se inteirando de cada uma das pretensões e vai se compadecendo com o drama carregado por cada um dos homens. São três destinos envolvidos em confrontos existenciais, numa provável dependência, um do outro. É exatamente num lugar ermo e escuro que cada um vai buscar a solução para o seu grande problema, iluminados apenas pelas luzes bruxuleantes dos vaga-lumes. Apesar de tudo, ainda sobra espaço para passagens de um humor comedido.

 

Não é conveniente falar muito sobre o enredo desta peça, para não roubar, ao espectador, o prazer de acompanhar o texto e, aos poucos, ir se surpreendendo com cada ingrediente novo, adicionado a este caldo.

 

 

 


Tirésias e José.

 

 

Estamos diante de três homens à procura de uma solução para o seu problema. Um, BALTAZAR. que se sente marcado por uma “maldição”, que sofre por uma ideia equivocada de si mesmo e do ser humano, que lhe fora implantada, por coincidência, a partir de um fato. Quer morrer, para dar fim ao seu sofrimento. Deseja ficar sozinho, para poder levar a cabo seu plano de suicídio. Outro, JOSÉ, ao contrário do primeiro, está em busca de alguém que possa gerar uma vida, um doador de sêmen, o que seria um esteio para salvar um casamento, em vias de desmoronar, por conta de um trauma imposto à sua mulher, desde a infância. Também gostaria de ficar sozinho ali, para não criar nenhum constrangimento àquele por quem tanto aguardava. O terceiro, TIRÉSIAS, como mecanismo de sobrevivência, está, constantemente, à espera de alguém que partiu e nunca mais voltou, o seu pai. É essa procura/espera que o faz sobreviver.

 

    Os dois primeiros a chegar àquele lúgubre píer não são nativos, são dois “forasteiros, que não conhecem a geografia local e estão ali pela primeira vez, ao contrário do cego, que é local e visita, toda madrugada, o insalubre local. Há, entre os três, um clima de animosidade, de saída, provocado, principalmente, por TIRÉSIAS, que é inconveniente e preconceituoso. Com o passar do tempo e o surgimento de muitas revelações, os três descobrem que, por uma conjugação de fatores, por força do destino, um fora colocado no caminho do outro para iluminá-lo, mais que os noctiluzes. Menos o do cego, denotativa e conotativamente falando.

 

O texto da peça é digno de todos os elogios, por ser claro e direto, além de sua originalidade e das sutilezas metafóricas, presentes nas entrelinhas, e, certamente, é supervalorizado pela excelente interpretação do trio de atores. Há, entre eles, uma cumplicidade total, uma harmonia de talentos, cujo produto final é um espetáculo esplendoroso, deixando o espectador completamente sem condições de apontar um melhor trabalho, considerando o trio. São três interpretações igualmente emocionantes e importantes para a construção e condução da peça.

 

 

 


 

 

 

Vejo um grande mérito na direção, uma vez que, em função do único local em que passa ação, que ultrapassa pouco mais de duas ou três horas (não confundir com o tempo de duração da peça) poderia entediar a plateia. E o que ocorre é exatamente o oposto. O espectador vai se envolvendo, cada vez mais, com o espetáculo e é impossível se desligar da ação, que ocupa um pequeno espaço físico.

 

Com a evidente contribuição da ótima cenografia, de ROUSTANG CARRILLO, também responsável pelos figurinos, a direção se preocupou em inserir o público no espaço cênico e fazê-lo “se sentir” parte da encenação, graças ao efeito produzido por uma fumaça artificial, que está presente o tempo todo, mais a contribuição de um ambiente frio, por conta do ar-refrigerado. 

 

Já que falamos do cenário, não podemos esquecer a excelente iluminação, de SÉRGIO SARTÓRIO e VINÍCIUS FERREIRA, a qual, conjugada ao cenário, transforma o palco num ambiente sombrio e nebuloso, como pede o texto. Não sei se seria exagero dizer que o conjunto da obra lembra Gabriel Garcia Marques e seu universo mágico-surrealista.

 

Para completar o belo trabalho, deve ser citada a ótima trilha sonora original, de TOMÁS SEFERIM, principalmente no suporte para a criação de suspense, na utilização dos sons da noite, misteriosos e amedrontadores. 

 

            Por tudo o que foi dito, RECOMENDO O ESPETÁCULO, lamentando sua curta temporada entre nós, cariocas, e lembrando que só há mais duas oportunidades para se assistir a ele: hoje (29/1) e amanhã (30/1), às 20h

 

Não vão se arrepender e hão de me agradecer a indicação, o que é desnecessário; faz parte da minha função.

 

 

 


Vinícius Ferreira (Baltazar) beija Chico Sant’Anna (Tirésias): a “prova dos nove”.

 

 

 


FICHA TÉCNICA:
 
Texto e Supervisão: Santiago Serrano
Direção e Tradução: Sérgio Sartório
Codireção: Rachel Mendes
 
Elenco: Chico Sant’Anna, Sérgio Sartório e Vinícius Ferreira
 
Iluminação: Sérgio Sartório e Vinícius Ferreira
Cenário e Figurino: Roustang Carrillho
Trilha Sonora: Tomás Seferim
Direção Técnica: Chico Sassi
Produção Geral: Guinada Produções
Direção de Produção: Guilherme Angelim
Produção Executiva: Daniela Vasconcelos.
 

 

 


 


 

 

 

 


SERVIÇO:
 
Temporada: De 8 a 30 de janeiro (2016).
 
Dias e Horários: às 6ªs feiras e sábados, sempre às 20h.
Local: Teatro Gonzaguinha (Rua Benedito Hipólito, 125  Centro/RJ- ao lado da estação do metrô da Praça 11).
Estacionamento (GRÁTIS) no local.
Tel: 2224-3038
Categoria: Drama
Ingresso: R$20,00 (inteira); R$10,00 (meia-entrada).
Classificação Etária: 16 anos
Duração: 80 minutos
 

 

           

 

(FOTOS: ALEXANDRE MAGNO – CARTAZ –

e

DIEGO BRESSANI – FOTOS DE CENA.)

 

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