O
ÚLTIMO LUTADOR
(NUM
RINGUE, NÃO ESTÃO EM JOGO APENAS DINHEIRO, TROFÉUS E FAMA.)
Confesso-me
um total crítico dos combates físicos, qualquer que seja o estilo ou o nome que
recebam, infelizmente agrupados na categoria “esporte”. Em outras palavras,
detesto, abomino, totalmente, qualquer tipo de luta física e não vejo o menor
sentido em alguém ser declarado vencedor, por ter espancado outrem, até o piso
do ringue se tingir de sangue. Mais que isso: considero uma barbárie, uma
estupidez total esse tipo de coisa (que me perdoem os que apreciam essa
violência “oficializada”).
Desabafo
feito, vamos ao que interessa, que é uma análise do espetáculo “O ÚLTIMO LUTADOR”, em cartaz no Teatro dos Quatro (VER SERVIÇO),
estrelado por um dos nossos ícones do TEATRO,
do cinema e da TV, STÊNIO GARCIA,
afastado dos palcos havia 18 anos e que está completando 60 anos de uma
belíssima carreira.
Desde
que comecei a tomar conhecimento do projeto, as primeiras chamadas, os
primeiros comentários de bastidores, fiquei muito curioso, ainda que, ratifico, não tenha o menor interesse
pelo bizarro mundo da “porradaria”. Minha curiosidade girava em torno de como
poderia tal universo render uma peça de TEATRO;
de preferência, uma boa peça de TEATRO.
No cinema, há grandes clássicos que giram em torno desse mote. Nos palcos,
jamais havia visto algo nesse sentido.
E
lá fui eu, no dia da sessão para convidados, cético, sim, mas ávido por ver STÊNIO em cena e assistir a um bom
espetáculo. E foi o que eu vi. Acima de tudo, fui, como sempre, com a vontade
de gostar. E gostei.
Stênio Garcia e Marcos Nauer.
A
peça é um texto inédito, nacional,
bem interessante, escrito, a quatro mãos, por MARCOS NAUER, também idealizador do projeto, e TERESA FROTA, o qual,
na verdade, usa a luta livre como pano de fundo, para falar da dificuldade em
manter uma família unida e bem estruturada.
Segundo
o “release” sobre a peça (enviado
pela assessoria de imprensa - Daniella Cavalcanti), que é dirigida
por SÉRGIO MÓDENA e se passa em
1992, é a primeira vez que, no Brasil, se utiliza o
universo da luta livre como ferramenta dramatúrgica, mas, na verdade, a peça
busca mostrar que, por trás de guerreiros, gladiadores modernos, existe um lado
humano e familiar e como nem sempre é fácil viver em família, como as
diferenças podem mudar os destinos das pessoas, mas que nunca é tarde para
pedir perdão e ser perdoado.
De acordo com o
diretor, o aspecto mais interessante
do espetáculo é utilizar o mundo da luta como metáfora das relações humanas,
mais precisamente aquelas que dizem respeito à família. “A luta diária pela aceitação,
pelo perdão, pela superação dos limites e pelo amor pode ser facilmente
identificada por todos que assistirem ao espetáculo. A família, com todas as
suas contradições, é a grande protagonista nesse ringue, que chamamos
vida", conclui SÉRGIO MÓDENA.
O clã, liderado por Caleb (Stênio Garcia).
O foco do
enredo, convenhamos, não é nenhuma novidade: relações familiares; ao contrário,
está presente em dezenas de excelentes textos, mas o ineditismo, o diferencial
da peça, recai sobre a ferramenta utilizada, para se tratar do tema, exatamente
aquilo que me intrigava: como fazer uso de lutas corporais num espetáculo
teatral e para quê. A explicação, muito clara e bem dada, está no palco do Teatro dos Quatro.
Um dos autores do texto e do argumento,
também, ótimo ator, na peça, MARCOS NAUER, conta que foi ao ouvir “Um
homem também chora (Menino Guerreiro)”, canção de Gonzaguinha, que veio a ideia de escrever “O ÚLTIMO LUTADOR”, uma história sobre homens que compreendem o
amor, através da violência. (Eu não consigo, ainda, entender como isso
é possível, mas...) “Desde a primeira frase escrita, ainda na
tela em branco do computador, foi a voz, foram as entonações e a energia de STÊNIO
GARCIA que guiaram minha escrita. É a realização de um sonho contracenar com
ele e celebrar, com grande alegria, seus 60 anos de carreira”, comemora
NAUER.
O elenco.
UM HOMEM
TAMBÉM CHORA (MENINO GUERREIRO)
(Gonzaguinha)
Um homem também chora / Menina morena
Também deseja colo / Palavras amenas
Precisa de carinho / Precisa de ternura
Precisa de um abraço / Da própria candura
Guerreiros são pessoas / Tão
fortes, tão frágeis
Guerreiros são meninos / No fundo do peito
Precisam de um descanso / Precisam de um remanso
Precisam de um sono / Que os tornem refeitos
É triste ver meu homem / Guerreiro menino
Com a barra do seu tempo / Por sobre seus ombros
Eu vejo que ele berra / Eu vejo que ele sangra
A dor que tem no peito / Pois ama e ama...
Um homem se humilha / Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida / E vida é trabalho
E sem o seu trabalho / O homem não tem honra
E sem a sua honra / Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz...
Não dá pra ser feliz...
Irmãos ou adversários?
SINOPSE:
CALEB
(STÊNIO GARCIA)
é um homem que desafia o destino, para reunir seu clã de lutadores. O patriarca
tem por sonho e objetivo trazer de volta o neto perdido, DAVI (ou TITINHO) (MARCOS
NAUER), reaproximá-lo de TITO
(ANTÔNIO GONZALEZ), seu pai e ex-alcoólatra, este, por sua vez, brigado com
o outro filho DANIEL (DANIEL VILLAS),
ex-lutador, sem sucesso, o qual busca recuperar o respeito de sua esposa DÉBORA (MARI SAADE). TITO também não se relaciona
bem com o irmão ENOSH (GLÁUCIO GOMES),
lutador profissional dos anos 60, que faz tudo por dinheiro.
Para isso, CALEB decide criar um campeonato de luta livre, transmitido pela
TV, e levar a família ao ringue, para um combate, que vai mudar a vida de
todos.
Doente, à beira da morte, passional e
visionário, o patriarca é um homem que “faz tudo errado, mas dá tudo certo”,
como diz sua companheira DINÁ (STELA
FREITAS).
Completa, ainda, o elenco CAROL LOBACK (MADALENA),
jornalista e apresentadora do programa de luta, a qual, com a intenção de se
promover, dentro da emissora em que trabalha, ajuda CALEB a organizar o campeonato.
A luta.
Para a outra autora do
texto, TERESA FROTA, alguns homens
nascem grandiosos, não importa a classe social. CALEB é um destes homens. “Pressionado pela bomba relógio que lhe
devora o corpo e cobra segundos de vida, tem, como único desejo, atrair seus
‘guerreiros perdidos’ e reunir todos em torno de um ideal. Espero ter realizado
a última vontade deste sonhador", acrescenta.
Gostei bastante do texto, cuja carpintaria se sustenta em
cenas breves, bastante dinâmicas, graças aos diálogos curtos, com muitas frases
entrecortadas, utilizando um vocabulário direto, forte, agressivo, de fácil
alcance do público, produzindo o máximo possível de verdade e ação.
A direção, de SERGIO MÓDENA, optou por uma proposta que me agradou sobremaneira,
para a qual muita importância tem o excelente cenário de AURORA DOS CAMPOS e a não menos importante luz, de TOMÁS RIBAS.
Stênio Garcia e Carol Loback.
O palco é um
misto de ringue, sala de estar (duas diferentes), um estúdio de TV, uma igreja
evangélica e um galinheiro, onde o protagonista, aposentado dos ringues, cria
galos de briga. Considero um dos melhores trabalhos de MÓDENA, um grande desafio para um excelente diretor, que acumula, em seu currículo, tantas inesquecíveis
assinaturas, como as de “Ricardo III”,
“A Arte da Comédia” e “As Mimosas da Praça Tiradentes”, para
citar as mais recentes, que lhe renderam inúmeras indicações nos principais
prêmios de TEATRO do Rio de Janeiro
e em outras praças, com algumas conquistas. Não percebi a menor falha no
trabalho de direção. Aliás, se
tivesse de apontar o maior destaque, nesta montagem, este iria para o trabalho
de direção, de SÉRGIO MÓDENA.
O elenco demonstra ter trabalhado e se
empenhado bastante, durante o processo de construção do espetáculo, para
atingir um bom nível de atuação, com alguns destaques e apenas um trabalho que
me pareceu destoar um pouco do grupo.
Gláucio Gomes, Stênio Garcia e Antônio
Gonzalez.
STÊNIO GARCIA é um grande ator. Os
amantes do bom TEATRO mereciam
vê-lo, no palco, com maior frequência. Sobre seu trabalho, como ator, e com
relação ao fato de passar a ter sido, nos últimos anos, meio bissexto no TEATRO, reproduzo, aqui, um comentário
daquele que foi, a meu juízo, o maior crítico teatral que este país conheceu, o
saudoso Yan Michalski: "Ator excepcionalmente vigoroso, dotado
de um explosivo potencial corporal e de uma notável intuição de composição
cênica, burilada nos seus primeiros anos de ofício pela sua persistente
colaboração com alguns dos melhores diretores de São Paulo, STÊNIO GARCIA foi
uma das sérias perdas que o TEATRO sofreu para a televisão".
Mas, felizmente, com este ótimo espetáculo, o
TEATRO o resgatou, e tudo o que Michalski disse acima pode ser
visto em “O ÚLTIMO LUTADOR”.
O ator compôs, com perfeição, o seu
personagem, um homem incapaz de equilibrar razão e emoção, deixando esta
prevalecer sobre aquela. Aos 83 anos de idade, demonstra um vigor físico e uma
garra, visivelmente presentes na sua expressão corporal e em todo o trabalho de
ocupação do espaço cênico, marcando, fortemente, presença, a cada nova
aparição. Pode-se dizer que se trata de um ator perfeccionista, que mergulha
fundo nos mais de 150 personagens já representados. Com CALEB, não é
diferente.
O amor do personagem às lutas, ao ringue, seu
desejo de conquistas, de prêmios, de vitórias fazem-no cego, obsessivo e, até
mesmo, sem escrúpulos. Aconteceu no passado, quando pôs em disputa, os dois
filhos, TITO e ENOSH, sem se preocupar que, com a única possibilidade
de um se sagrar vencedor, a derrota do outro poderia trazer consequências
graves à formação do “perdedor”, que foi, exatamente, o que ocorreu. Mesmo decorridos
tantos anos, marcas indeléveis daquela luta ficaram nos dois irmãos. O fato se
repete, agora, quando passa a ter um pensamento fixo em promover uma disputa
entre os dois netos, pouco se importando com os desdobramentos de uma derrota,
para um dos dois, os quais, até quase o momento da luta, não sabem que são
irmãos, uma vez que foram separados quando crianças.
É um grande
privilégio ver STÊNIO GARCIA atuando.
Stênio (Caleb) Garcia.
No naipe masculino, os papéis coadjuvantes
podem ser divididos em dois grupos, correspondendo a duas faixas etárias
diferentes e relações de parentescos idênticas: TITO e ENOSH,
irmãos, filhos de CALEB, e DAVI (TITINHO) e DANIEL,
irmãos, filhos de TITO. A luta entre os dois irmãos, da terceira
geração, se reveste de finalidades distintas. Em comum, ambos têm por objetivo
vencer a contenda, porém, para DAVI, a intenção é ratificar sua força
física e seu poder de vitória. Para DANIEL, porém, uma possível
“performance” positiva representaria um motivo de sobrevivência, já que está
desacreditado, considerado um fracassado, e sem perspectivas profissionais,
contando apenas com o incentivo da mulher. Os quatro atores fazem um bom
trabalho, preservando, cada um, as marcas características de seu personagem,
forjadas, ao longo do tempo, em função das ações inconsequentes e nefastas de CALEB.
Cada um dos quatro se destaca em determinadas cenas, como se um pequeno solo
fosse.
Quanto às atrizes que fazem parte do elenco, STELA
FREITAS, como sempre, impecável, compondo uma companheira fiel, preocupada
com a saúde do patriarca da família, crítica de suas atitudes, porém incapaz de
fazê-lo ceder e não levar a cabo seu descabido intento. CAROL LOBACK também
se sai bem, principalmente quando, intencionalmente, apela, caricaturalmente,
para os clichês de um(a) apresentador(a) desse tipo de programa de TV. Sua
personagem permite-lhe pôr um pé no humor, e ela pisa firme nele, vez por outra.
MARI SAADE se esforça bastante, mas fica um pouco aquém do resto do
elenco, ainda que não prejudique o todo. Talvez seu rendimento, em cena, não
seja tão bem notado, em função do destaque positivo das demais atuações.
Davi gosta de filmar a família.
Com ligeiras pinceladas, já falei do cenário,
de AURORA DOS CAMPOS, e da iluminação, de TOMÁS RIBAS, mas
é oportuno voltar ao assunto e dizer que ambos contribuem bastante para o
acerto do espetáculo. São muito interessantes as soluções que AURORA
encontrou, para reunir vários espaços num só, sem trocas de elementos de cena.
Da mesma forma, TOMÁS brinca com focos e intensidades, acompanhando as
ações e dialogando com elas.
Os figurinos, de ANTÔNIO GUEDES,
são bem discretos e adequados aos personagens, não constituindo nenhum grande
destaque e, ao mesmo tempo, sendo um, exatamente por estarem ajustados, de
acordo com o que pede o texto.
O espetáculo
conta, ainda, com uma excelente trilha
sonora original e direção musical
do competentíssimo e premiado MARCELO
ALONSO NEVES.
Por tratar de
laços de família, tema a que todos os humanos, indiscriminadamente, estamos arraigados,
com os quais todos temos pendências, mágoas, sofrimentos, feridas a serem
cicatrizadas, a peça mexe muito com a sensibilidade dos espectadores e pode
promover bons debates e buscas de soluções para uma vida familiar mais
harmoniosa e, se possível, saudável e feliz.
Vale a pena conferir esta produção.
Bastidores da
grande luta.
A grande luta.
FICHA TÉCNICA:
Ideia Original: Marcos Nauer
Texto: Marcos Nauer e Teresa Frota
Supervisão de Dramaturgia: Teresa Frota
Direção: Sergio Módena
Elenco: Stênio Garcia, Stela Freitas, Marcos Nauer, Antônio Gonzalez, Gláucio Gomes, Mari Saade, Daniel Villas e Carol Loback
Diretor Assistente: André Viéri
Cenário: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Figurino: Antonio Guedes
Música Original: Marcelo Alonso Neves
Fotografia: Mílton Menezes
Instrutor de Lutas: Milton Vieira – Rio Fighters
Instrutor de Jeet Kune Do: Paulo Oliveira – Kalirio
Preparador
Corporal para o Tango: Édio Nunes
Assessoria
de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos e
Programação Visual: Mílton Menezes
Assistente
de produção: Luana Simões
Produção:
Norma Thiré e Frederico Reder
Realização: Brainstorming Entretenimento e Quarta Dimensão
Entretenimento
Não precisa de legenda.
SERVIÇO:
Temporada: De 15 de janeiro a 14 de março.
Local: Teatro dos Quatro.
Endereço: Rua Marquês de
São Vicente, 52 / 2º piso - Shopping da Gávea – Gávea – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2239-1095.
Dias e Horários: 6ª
feira, sábado e 2ª feira, às 21h; domingo, às 20h.
Ingressos: 6ª feira e 2ª
feira – R$70,00; sábado e domingo – R$90,00.
Duração: 80 minutos.
Gênero: Drama.
Capacidade: 402 lugares.
Funcionamento da
Bilheteria: De 2ª feira a sábado, das 13h às 21h; domingo, das 13h às 20h.
Classificação Etária: 14
anos
Esperando o Ano Novo.
(FOTOS: MÍLTON MENEZES)
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