terça-feira, 16 de fevereiro de 2016


O ÚLTIMO LUTADOR

 

 

(NUM RINGUE, NÃO ESTÃO EM JOGO APENAS DINHEIRO, TROFÉUS E FAMA.)

 

 

 

 


 

 

 

            Confesso-me um total crítico dos combates físicos, qualquer que seja o estilo ou o nome que recebam, infelizmente agrupados na categoria “esporte”. Em outras palavras, detesto, abomino, totalmente, qualquer tipo de luta física e não vejo o menor sentido em alguém ser declarado vencedor, por ter espancado outrem, até o piso do ringue se tingir de sangue. Mais que isso: considero uma barbárie, uma estupidez total esse tipo de coisa (que me perdoem os que apreciam essa violência “oficializada”).

 

            Desabafo feito, vamos ao que interessa, que é uma análise do espetáculo “O ÚLTIMO LUTADOR”, em cartaz no Teatro dos Quatro (VER SERVIÇO), estrelado por um dos nossos ícones do TEATRO, do cinema e da TV, STÊNIO GARCIA, afastado dos palcos havia 18 anos e que está completando 60 anos de uma belíssima carreira.

 

            Desde que comecei a tomar conhecimento do projeto, as primeiras chamadas, os primeiros comentários de bastidores, fiquei muito curioso, ainda que, ratifico, não tenha o menor interesse pelo bizarro mundo da “porradaria”. Minha curiosidade girava em torno de como poderia tal universo render uma peça de TEATRO; de preferência, uma boa peça de TEATRO. No cinema, há grandes clássicos que giram em torno desse mote. Nos palcos, jamais havia visto algo nesse sentido.

 

            E lá fui eu, no dia da sessão para convidados, cético, sim, mas ávido por ver STÊNIO em cena e assistir a um bom espetáculo. E foi o que eu vi. Acima de tudo, fui, como sempre, com a vontade de gostar. E gostei.

 

 


Stênio Garcia e Marcos Nauer.

 

 

            A peça é um texto inédito, nacional, bem interessante, escrito, a quatro mãos, por MARCOS NAUER, também idealizador do projeto, e TERESA FROTA, o qual, na verdade, usa a luta livre como pano de fundo, para falar da dificuldade em manter uma família unida e bem estruturada.

 

            Segundo o “release” sobre a peça (enviado pela assessoria de imprensa - Daniella Cavalcanti), que é dirigida por SÉRGIO MÓDENA e se passa em 1992, é a primeira vez que, no Brasil, se utiliza o universo da luta livre como ferramenta dramatúrgica, mas, na verdade, a peça busca mostrar que, por trás de guerreiros, gladiadores modernos, existe um lado humano e familiar e como nem sempre é fácil viver em família, como as diferenças podem mudar os destinos das pessoas, mas que nunca é tarde para pedir perdão e ser perdoado.

 

De acordo com o diretor, o aspecto mais interessante do espetáculo é utilizar o mundo da luta como metáfora das relações humanas, mais precisamente aquelas que dizem respeito à família. “A luta diária pela aceitação, pelo perdão, pela superação dos limites e pelo amor pode ser facilmente identificada por todos que assistirem ao espetáculo. A família, com todas as suas contradições, é a grande protagonista nesse ringue, que chamamos vida", conclui SÉRGIO MÓDENA.

 

 


O clã, liderado por Caleb (Stênio Garcia).

 

 

O foco do enredo, convenhamos, não é nenhuma novidade: relações familiares; ao contrário, está presente em dezenas de excelentes textos, mas o ineditismo, o diferencial da peça, recai sobre a ferramenta utilizada, para se tratar do tema, exatamente aquilo que me intrigava: como fazer uso de lutas corporais num espetáculo teatral e para quê. A explicação, muito clara e bem dada, está no palco do Teatro dos Quatro.

 

Um dos autores do texto e do argumento, também, ótimo ator, na peça, MARCOS NAUER, conta que foi ao ouvir “Um homem também chora (Menino Guerreiro)”, canção de Gonzaguinha, que veio a ideia de escrever “O ÚLTIMO LUTADOR”, uma história sobre homens que compreendem o amor, através da violência. (Eu não consigo, ainda, entender como isso é possível, mas...) “Desde a primeira frase escrita, ainda na tela em branco do computador, foi a voz, foram as entonações e a energia de STÊNIO GARCIA que guiaram minha escrita. É a realização de um sonho contracenar com ele e celebrar, com grande alegria, seus 60 anos de carreira”, comemora NAUER.

 

 

 


O elenco.

 

 

 
UM HOMEM TAMBÉM CHORA        (MENINO GUERREIRO)
(Gonzaguinha)
 
Um homem também chora / Menina morena
Também deseja colo / Palavras amenas
 
Precisa de carinho / Precisa de ternura
Precisa de um abraço / Da própria candura
 
 Guerreiros são pessoas / Tão fortes, tão frágeis
Guerreiros são meninos / No fundo do peito
 
Precisam de um descanso / Precisam de um remanso
Precisam de um sono / Que os tornem refeitos
 
É triste ver meu homem / Guerreiro menino
Com a barra do seu tempo / Por sobre seus ombros
 
Eu vejo que ele berra / Eu vejo que ele sangra
A dor que tem no peito / Pois ama e ama...
 
Um homem se humilha / Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida / E vida é trabalho
 
E sem o seu trabalho / O homem não tem honra
E sem a sua honra / Se morre, se mata
 
Não dá pra ser feliz...
Não dá pra ser feliz...
 

 

 

 


Irmãos ou adversários?

 

 

 
SINOPSE:
 
CALEB (STÊNIO GARCIA) é um homem que desafia o destino, para reunir seu clã de lutadores. O patriarca tem por sonho e objetivo trazer de volta o neto perdido, DAVI (ou TITINHO) (MARCOS NAUER), reaproximá-lo de TITO (ANTÔNIO GONZALEZ), seu pai e ex-alcoólatra, este, por sua vez, brigado com o outro filho DANIEL (DANIEL VILLAS), ex-lutador, sem sucesso, o qual busca recuperar o respeito de sua esposa DÉBORA (MARI SAADE). TITO também não se relaciona bem com o irmão ENOSH (GLÁUCIO GOMES), lutador profissional dos anos 60, que faz tudo por dinheiro.
 
Para isso, CALEB decide criar um campeonato de luta livre, transmitido pela TV, e levar a família ao ringue, para um combate, que vai mudar a vida de todos.
 
Doente, à beira da morte, passional e visionário, o patriarca é um homem que “faz tudo errado, mas dá tudo certo”, como diz sua companheira DINÁ (STELA FREITAS).
 
Completa, ainda, o elenco CAROL LOBACK (MADALENA), jornalista e apresentadora do programa de luta, a qual, com a intenção de se promover, dentro da emissora em que trabalha, ajuda CALEB a organizar o campeonato.
 

 

 

 


A luta.

 

 

Para a outra autora do texto, TERESA FROTA, alguns homens nascem grandiosos, não importa a classe social. CALEB é um destes homens. “Pressionado pela bomba relógio que lhe devora o corpo e cobra segundos de vida, tem, como único desejo, atrair seus ‘guerreiros perdidos’ e reunir todos em torno de um ideal. Espero ter realizado a última vontade deste sonhador", acrescenta.

 

Gostei bastante do texto, cuja carpintaria se sustenta em cenas breves, bastante dinâmicas, graças aos diálogos curtos, com muitas frases entrecortadas, utilizando um vocabulário direto, forte, agressivo, de fácil alcance do público, produzindo o máximo possível de verdade e ação.

 

A direção, de SERGIO MÓDENA, optou por uma proposta que me agradou sobremaneira, para a qual muita importância tem o excelente cenário de AURORA DOS CAMPOS e a não menos importante luz, de TOMÁS RIBAS.

 

 


Stênio Garcia e Carol Loback.

 

 

O palco é um misto de ringue, sala de estar (duas diferentes), um estúdio de TV, uma igreja evangélica e um galinheiro, onde o protagonista, aposentado dos ringues, cria galos de briga. Considero um dos melhores trabalhos de MÓDENA, um grande desafio para um excelente diretor, que acumula, em seu currículo, tantas inesquecíveis assinaturas, como as de “Ricardo III”, “A Arte da Comédia” e “As Mimosas da Praça Tiradentes”, para citar as mais recentes, que lhe renderam inúmeras indicações nos principais prêmios de TEATRO do Rio de Janeiro e em outras praças, com algumas conquistas. Não percebi a menor falha no trabalho de direção. Aliás, se tivesse de apontar o maior destaque, nesta montagem, este iria para o trabalho de direção, de SÉRGIO MÓDENA.

 

O elenco demonstra ter trabalhado e se empenhado bastante, durante o processo de construção do espetáculo, para atingir um bom nível de atuação, com alguns destaques e apenas um trabalho que me pareceu destoar um pouco do grupo.

 

 

Stênio Garcia celebra 60 anos de carreira no ótimo "O último lutador" – Stênio Garcia

Gláucio Gomes, Stênio Garcia e Antônio Gonzalez.

 

 

STÊNIO GARCIA é um grande ator. Os amantes do bom TEATRO mereciam vê-lo, no palco, com maior frequência. Sobre seu trabalho, como ator, e com relação ao fato de passar a ter sido, nos últimos anos, meio bissexto no TEATRO, reproduzo, aqui, um comentário daquele que foi, a meu juízo, o maior crítico teatral que este país conheceu, o saudoso Yan Michalski: "Ator excepcionalmente vigoroso, dotado de um explosivo potencial corporal e de uma notável intuição de composição cênica, burilada nos seus primeiros anos de ofício pela sua persistente colaboração com alguns dos melhores diretores de São Paulo, STÊNIO GARCIA foi uma das sérias perdas que o TEATRO sofreu para a televisão".

 

Mas, felizmente, com este ótimo espetáculo, o TEATRO o resgatou, e tudo o que Michalski disse acima pode ser visto em “O ÚLTIMO LUTADOR”.

 

O ator compôs, com perfeição, o seu personagem, um homem incapaz de equilibrar razão e emoção, deixando esta prevalecer sobre aquela. Aos 83 anos de idade, demonstra um vigor físico e uma garra, visivelmente presentes na sua expressão corporal e em todo o trabalho de ocupação do espaço cênico, marcando, fortemente, presença, a cada nova aparição. Pode-se dizer que se trata de um ator perfeccionista, que mergulha fundo nos mais de 150 personagens já representados. Com CALEB, não é diferente.

 

O amor do personagem às lutas, ao ringue, seu desejo de conquistas, de prêmios, de vitórias fazem-no cego, obsessivo e, até mesmo, sem escrúpulos. Aconteceu no passado, quando pôs em disputa, os dois filhos, TITO e ENOSH, sem se preocupar que, com a única possibilidade de um se sagrar vencedor, a derrota do outro poderia trazer consequências graves à formação do “perdedor”, que foi, exatamente, o que ocorreu. Mesmo decorridos tantos anos, marcas indeléveis daquela luta ficaram nos dois irmãos. O fato se repete, agora, quando passa a ter um pensamento fixo em promover uma disputa entre os dois netos, pouco se importando com os desdobramentos de uma derrota, para um dos dois, os quais, até quase o momento da luta, não sabem que são irmãos, uma vez que foram separados quando crianças.

 

É um grande privilégio ver STÊNIO GARCIA atuando.

 

 

 


Stênio (Caleb) Garcia.

 

 

No naipe masculino, os papéis coadjuvantes podem ser divididos em dois grupos, correspondendo a duas faixas etárias diferentes e relações de parentescos idênticas: TITO e ENOSH, irmãos, filhos de CALEB, e DAVI (TITINHO) e DANIEL, irmãos, filhos de TITO. A luta entre os dois irmãos, da terceira geração, se reveste de finalidades distintas. Em comum, ambos têm por objetivo vencer a contenda, porém, para DAVI, a intenção é ratificar sua força física e seu poder de vitória. Para DANIEL, porém, uma possível “performance” positiva representaria um motivo de sobrevivência, já que está desacreditado, considerado um fracassado, e sem perspectivas profissionais, contando apenas com o incentivo da mulher. Os quatro atores fazem um bom trabalho, preservando, cada um, as marcas características de seu personagem, forjadas, ao longo do tempo, em função das ações inconsequentes e nefastas de CALEB. Cada um dos quatro se destaca em determinadas cenas, como se um pequeno solo fosse.

 

Quanto às atrizes que fazem parte do elenco, STELA FREITAS, como sempre, impecável, compondo uma companheira fiel, preocupada com a saúde do patriarca da família, crítica de suas atitudes, porém incapaz de fazê-lo ceder e não levar a cabo seu descabido intento. CAROL LOBACK também se sai bem, principalmente quando, intencionalmente, apela, caricaturalmente, para os clichês de um(a) apresentador(a) desse tipo de programa de TV. Sua personagem permite-lhe pôr um pé no humor, e ela pisa firme nele, vez por outra. MARI SAADE se esforça bastante, mas fica um pouco aquém do resto do elenco, ainda que não prejudique o todo. Talvez seu rendimento, em cena, não seja tão bem notado, em função do destaque positivo das demais atuações.

 

 

 


Davi gosta de filmar a família.

 

 

Com ligeiras pinceladas, já falei do cenário, de AURORA DOS CAMPOS, e da iluminação, de TOMÁS RIBAS, mas é oportuno voltar ao assunto e dizer que ambos contribuem bastante para o acerto do espetáculo. São muito interessantes as soluções que AURORA encontrou, para reunir vários espaços num só, sem trocas de elementos de cena. Da mesma forma, TOMÁS brinca com focos e intensidades, acompanhando as ações e dialogando com elas.

 

Os figurinos, de ANTÔNIO GUEDES, são bem discretos e adequados aos personagens, não constituindo nenhum grande destaque e, ao mesmo tempo, sendo um, exatamente por estarem ajustados, de acordo com o que pede o texto.   

 

O espetáculo conta, ainda, com uma excelente trilha sonora original e direção musical do competentíssimo e premiado MARCELO ALONSO NEVES.

 

Por tratar de laços de família, tema a que todos os humanos, indiscriminadamente, estamos arraigados, com os quais todos temos pendências, mágoas, sofrimentos, feridas a serem cicatrizadas, a peça mexe muito com a sensibilidade dos espectadores e pode promover bons debates e buscas de soluções para uma vida familiar mais harmoniosa e, se possível, saudável e feliz.

 

Vale a pena conferir esta produção.

 

 

 


Bastidores da grande luta.

 

 


A grande luta.

 

 


FICHA TÉCNICA:
 
Ideia Original: Marcos Nauer
Texto: Marcos Nauer e Teresa Frota
Supervisão de Dramaturgia: Teresa Frota
Direção: Sergio Módena
 
Elenco: Stênio Garcia, Stela Freitas, Marcos Nauer, Antônio Gonzalez, Gláucio Gomes, Mari Saade, Daniel Villas e Carol Loback
 
Diretor Assistente: André Viéri
Cenário: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Figurino: Antonio Guedes
Música Original: Marcelo Alonso Neves
Fotografia: Mílton Menezes
Instrutor de Lutas: Milton Vieira – Rio Fighters
Instrutor de Jeet Kune Do: Paulo Oliveira – Kalirio
Preparador Corporal para o Tango: Édio Nunes
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos e Programação Visual: Mílton Menezes
Assistente de produção: Luana Simões
Produção: Norma Thiré e Frederico Reder
Realização: Brainstorming Entretenimento e Quarta Dimensão Entretenimento
 


 

 

 


Não precisa de legenda.





 

 

SERVIÇO:
 
Temporada: De 15 de janeiro a 14 de março.
Local: Teatro dos Quatro.
Endereço: Rua Marquês de São Vicente, 52 / 2º piso - Shopping da Gávea – Gávea – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2239-1095.
Dias e Horários: 6ª feira, sábado e 2ª feira, às 21h; domingo, às 20h.
Ingressos: 6ª feira e 2ª feira – R$70,00; sábado e domingo – R$90,00.
Duração: 80 minutos.
Gênero: Drama.
Capacidade: 402 lugares.
Funcionamento da Bilheteria: De 2ª feira a sábado, das 13h às 21h; domingo, das 13h às 20h.
Classificação Etária: 14 anos
 


 

 

 


Esperando o Ano Novo.

 

 

 

(FOTOS: MÍLTON MENEZES)

 

 

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