segunda-feira, 12 de janeiro de 2015


PERDAS

E

GANHOS

 

 

(O QUE SE LEVA DESTA VIDA

ou

SIMPLESMENTE, NICETTE!)

 

 

 

slide1

 

 

 

 

            LYA LUFT, de quem sou um fã ardoroso, autora do livro, publicado em 2003, no qual foi baseada a peça, que me perdoe, por um dos subtítulos desta resenha, mas não caberia outro, já que quem estava no palco do Teatro do Leblon (Sala Fernanda Montenegro), naquela memorável noite de 9 de janeiro de 2015, era, nada mais, nada menos que uma octogenária, NICETTE BRUNO, abrindo o seu coração e tirando, lá das mais profundas cavidades, tudo de mais consistente e, paradoxalmente, concreto dos seus sentimentos.  NICETTE, generosamente, nos convidou a refletir, com ela, sobre o próprio mistério da vida, que, inevitavelmente, termina na morte.


            O livro, embrião do espetáculo, fala da capacidade de “levanter a poeira e dar a volta por cima”, de seguir em frente, encontrando força dentro de si, para superar momentos difíceis; ou seja, ainda que não deva ser considerado um manual de autoajuda, mostra, indiretamente, o “caminho das pedras” para se driblar as perdas e alcançar ganhos. 

Há dois momentos, na peça, muito interessantes (não que os outros não o sejam).  O primeiro é quando NICETTE diz que “Perder o amor para a morte é a perda das perdas.”  O outro é quando a atriz, não uma personagem, dirige-se à plateia: “A melhor maneira de homenagear é viver da maneira que ele (PAULO GOULART) gostaria que eu vivesse’.  É isso que estou fazendo”.

 

"Perdas e Ganhos" estreia no Rio após apresentações em outras capitais no fim de 2014 (Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação)

Elegância em cena.

 

            A volta aos palcos, além de uma homenagem ao marido, pode ser encarada, também, como um agradecimento a todos os que ajudaram toda a família a superar a mais terrível das perdas, a morte de seu patriarca, em 13 de março de 2014.  A estreia no Rio, depois de ter passado por outras capitais, aconteceu, exatamente, no dia em que PAULO fazia aniversário, mais um motivo para fazer com que uma plateia inteira chorasse, ouvindo os discursos, agradecimentos, de NICETTE e BETH, ao final do espetáculo.

            NICETTE, também tão presente em trabalhos para a TV e, em menor quantidade, para o cinema, fez questão de dizer que sua vida é marcada pelo TEATRO.  Não a sua “carreira”, mas, sim, a sua “VIDA”, visto que foi nele que ela estreou, como atriz, conheceu o amor da sua vida, casou no TEATRO, viu os filhos iniciarem suas brilhantes carreiras, na mesma profissão dela e do marido, e se despediu deste, após 60 anos de casamento, em um velório, no Teatro Municipal de São Paulo.  Não há coração que suporte tudo isso num discurso só, ratificado pelo de BETH.

            PERDAS E GANHOS: Um título simples, singelo, que traduz tudo o que conseguimos acumular na nossa curta passagem por esta vida.  Mais ganhos do que perdas; mais perdas do que ganhos.  Varia, de uma pessoa para a outra, mas são “personagens” do enredo de cada um de nós.  Não importa o que ficou de mais para cada pessoa; importa, sim, saber se ambos serviram para um aprendizado, para que possamos voltar melhores, numa outra oportunidade.  É nisso que eu acredito.

 

Quem perde dá valor; o que ganha – Que pena! – nem sempre.  NICETTE, tenho certeza, emite uma luz interior tão intensa, que nos dá a segurança de que sabe valorizar ambos e, ainda num aprendizado, porque está cada vez mais viva, vai nos encantando com sua arte, queira Deus que por muitos anos mais.

 

 

 


Sensibilidade em cena.

 

 

Trata-se de um monólogo, o primeiro em sua carreira de mais de 60 anos de TEATRO, mas NICETTE não está sozinha em cena.  Ela “contracena” com suas memórias, suas vivências, seus entes queridos; com a dor, a fé, a esperança, a alegria de viver, mesmo depois de um corte tão profundo na garganta, mas não suficiente para lhe fazer calar a voz.  Além de narradora do texto de LYA, NICETTE interpreta três personagens de um outro livro da escritora, O Silêncio dos Amantes, que BETH GOULART resolveu agregar à peça: uma mãe que perde o filho (Cena linda!), uma dona de casa submissa e uma mulher traída pelo marido.  Apesar de se constituírem em grandes perdas, há, ao término de cada texto, uma mensagem de esperança e um final, de certa forma, feliz, como acontece na nossa vida, quando sabemos tirar partido das perdas e direcionar o foco para os ganhos.


            A estrutura do texto da peça, como já se pode ver, intercala um tom confessional, vindo da “narradora” NICETTE, com dramatizações, contando, ainda, com imagens projetadas num telão, no fundo do palco, numa das quais a atriz aparece tocando piano, uma composição dela, feita para o marido, ele que pediu à filha, BETH, que não deixasse de pôr a mãe tocando piano em cena.

 



 
SINOPSE: 
Neste espetáculo, as palavras e reflexões de LYA LUFT, uma autora conectada com seu tempo, recebem a sabedoria e a presença iluminada de NICETTE BRUNO, atriz cuja trajetória de vida se confunde com a própria história do TEATRO BRASILEIRO e será a condutora narrativa do espetáculo.
 

 

 

(Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação)

Emoção em cena.

 

 

(Foto: Nana Moraes)
Talento em cena.

 

Por sua temática, a peça traz um texto de muito fácil identificação com o público, uma vez que as perdas e os ganhos de que fala estão presentes na vida de todos.  De acordo com NICETTE, em várias entrevistas, “É muito fácil ficar envolvida pelas perdas, que todo mundo tem, e não se lembrar dos ganhos que existem na vida, até através de uma perda, porque é também um aprendizado”.

Essas perdas e ganhos estão relacionadas ao nascimento, à educação, passando pelos valores familiares, relações afetivas, chegando ao amadurecimento, atingindo a velhice, aproximando-se da solidão, cutucando a autoestima e aguardando a morte, temas abordados, na peça, com o objetivo de chamar a atenção para o diferencial que existe entre o (saber) viver e o (conseguir) sobreviver.

            O projeto desta montagem, que contou com o maior incentive de PAULO GOULART, o homenageado, foi parar nas mãos de BETH e NICETTE há quase cinco anos e foi muito bem desenvolvido, com uma indesejável interrupção, por conta do falecimento de PAULO, e foi tomando corpo, até chegar ao patamar que o credencia como uma das grandes produções deste ano, ainda em seu primeiro mês, independentemente do que vier por aí, pelos próximos onze.

            O espetáculo é lindo, emocionante, tocante e jamais será esquecido por aqueles que tiverem a oportunidade de assistir a ele.

            Tudo funciona perfeitamente neste espetáculo: a beleza do texto, de LYA LUFT; a delicadeza da adaptação e direção, de BETH GOULART; a interpretação, de NICETTE BRUNO, para a qual todos os adjetivos existents seriam insuficientes para incensá-la; a preparação vocal, de ROSE GONÇALVES; a belíssima iluminação, de MANECO QUINDERÉ; o justo cenário, simples e belo, de RONALD TEIXEIRA; a trilha sonora, de ALFREDO SERTÃ; a discreta e fina preparação do figurino, de BETH GOULART; a fotografia, de NANA MORAES; o visagismo, de VAVÁ TORES e GRAÇA TORRES; o videografismo e “mapping”, dos irmãos RENATO e RICO VILAROUCA; tudo isso sem falar na equipe de produção.

 


Generosidade em cena.

 

            Falar de NICETTE é tecer comentários sobre o óbvio.  Apesar de sua pequena estatura, transforma-se, no palco, num Golias, um gigante, alimentado pela fome do amor e da dedicação ao TEATRO.

            Parafraseando o poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, em sua crônica Fala Amendoeira, NICETTE sabe “outonear-se com dignidade”, e quem lucra são os que gravitam em torno dela: familiares, amigos e admiradores.

Encerro esta resenha, que tanto me emociona, com o texto que postei, numa rede social, assim que cheguei a casa, na noite inesquecível daquela 6ª feira, 9 de janeiro de 2015:

 

 
Pensei ter ido, esta noite, ao Teatro do Leblon, preparado para me emocionar muito, com PERDAS E GANHOS, monólogo interpretado pela diva NICETTE BRUNO, com direção de BETH GOULART, baseado no livro homônimo, de LYA LUFT.
Estava redondamente enganado.
Não há como se preparar, emocionalmente, para um evento tão especial como aquele.
Chorei, sim.
A plateia, aos prantos, aplaudindo, freneticamente, durante alguns minutos, DE PÉ, o comovente trabalho, a homenagem que PAULO GOULART merecia mesmo, ainda mais no dia de seu aniversário.
Muita coragem de mãe e filha.
Só mesmo muito amor e espiritualidade para superar uma PERDA tão grande.
Obrigado, NICETTE e BETH por esse GANHO.
 

 

 

 


Paixão em cena.







 
FICHA TÉCNICA:
Texto: LYA LUFT

Adaptação e Direção: BETH GOULART

Assistente de Direção: ANA PAULA BOUZAS

Interpretação: NICETTE BRUNO

Cenário: RONALD TEIXEIRA

Iluminação: MANECO QUINDERÉ

Preparação Vocal: ROSE GONÇALVES

Trilha Sonora: ALFREDO SERTÃ

Programação Visual: STUDIO C – CAROL VASCONCELLOS

Assessoria de Imprensa Nacional: PIERINA MORAIS COMUNICAÇÃO

Fotografia Programa: NANA MORAES

Direção e Realização das Peças Audiovisuais: RODRIGO BENATTI e RAQUEL COUTO

Coordenação Geral de Produção / Supervisão: PIERINA FERREIRA DE MORAIS

Direção de Produção: AMORA XAVIER

Produção Executiva: MANOELA REIS
 

 

 


O anjo Nicette.

 

 

 
SERVIÇO: 
Gênero: Drama

Teatro: Teatro do Leblon – Sala Fernanda Montenegro

Endereço: Rua Conde de Bernadotte, 26 – Leblon – RJ

Informações: (21) 2529.7700

Site: http://www.teatros.art.br/teatro-do-leblon-rj

Capacidade: 346 Lugares

Temporada: De 9 de janeiro a 29 de março

Dias da Semana: Quinta 18h / Sexta e Sábado 21h / Domingo 20h

Valores: 5ª feira e 6ª feira, R$ 70,00; sábado e domingo, R$ 80,00

Classificação: 12 Anos

Duração: 60 minutos
 

 

 



Sobre o trabalho com filha Beth Goulart, que a dirige no espetáculo novo, Nicette diz: "experiência muito boa e muito rica para nós" (Foto: Nana Moraes)

Beth Goulart e Nicette Bruno.

 

 

 


Amor, talento, cumplicidade...

 

 

 

 

(FOTOS: NANA MORAES

3 comentários:

  1. Ufa! Emoção total só em ler a resenha!

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  2. Belo texto mesmo. Tive a oportunidade de assistir em Porto Alegre a estreia da peça e é realmente algo que ficou marcado, não tem como não se emocionar e lendo a resenha já tendo assistido, acho que a emoção foi mais forte..Espetacular..

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  3. Emocionante! Não vi a peça mas posso imaginar...Singelas palavras, mais do que merecidas para essa família iluminada! Parabéns!

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