sĂĄbado, 3 de janeiro de 2015


O HOMEM  ELEFANTE

 

 

(BOM TEATRO, FEITO POR QUEM SABE FAZÊ-LO.)

 

 


 

 

            Engana-se quem pensa que o filme de David Lynch, de 1980, com o mesmo tĂ­tulo, e que recebeu oito indicaçþes ao Oscar, deu origem a esta peça.  Na verdade, ocorreu o contrĂĄrio.  A peça The Elephant Man foi escrita em 1977, por BERNAD POMERANCE, e inspirou a versĂŁo cinematogrĂĄfica.  Foi grande sucesso na Broadway, na dĂŠcada de 80, com inĂşmeras montagens, e estĂĄ em cartaz, novamente, por lĂĄ, com Bradley Cooper no dificĂ­limo papel tĂ­tulo.

 

            Confesso que nĂŁo ĂŠ o gĂŞnero de espetĂĄculo que me agrade muito (nĂŁo se encaixa na rubrica “terror”, mas contĂŠm elementos “plĂĄsticos” e visuais que podem causar repugnância), tanto que sĂł assisti ao filme, em vĂ­deo, muito tempo depois de seu lançamento, mas nĂŁo consegui chegar ao final.

 

            Quando soube da montagem teatral, que ocuparia o Teatro OI Futuro Flamengo, onde estĂĄ em cartaz, e ficarĂĄ atĂŠ 8 de fevereiro, pensei que deveria assistir a ela, mais por um dever profissional que por gosto e interesse prĂłprios, entretanto, vendo que a direção seria de CIBELE FORJAZ, por quem tenho grande admiração, como profissional, resolvi apressar minha ida ao OI Futuro.  NĂŁo pude aceitar o convite para a estreia, entretanto consegui ver a peça, quase Ă s vĂŠsperas do Natal, no Ăşltimo dia 22 de dezembro (2014).

 

            NĂŁo havia, no elenco, nenhum nome conhecido, nenhuma daquelas “celebridades” que, apĂłs o espetĂĄculo, sofrem o assĂŠdio dos fĂŁs, por fotografias.

 

            Fui preparado para ver cenas repugnantes, chocantes, agressivas a qualquer senso estĂŠtico e, “o pior”, feito por quem eu nĂŁo conhecia, ou pensava nĂŁo conhecer.  O que esperar “daquilo”?  Mas havia CIBELE na direção, e ela nĂŁo ĂŠ nada amadora.  Muito pelo contrĂĄrio.  Cresceu, mais ainda, a minha curiosidade.  Agora, posso dizer que nĂŁo ĂŠ um espetĂĄculo que cause nada daquilo a que me referi no inĂ­cio deste parĂĄgrafo.

 

            O saldo disso tudo acabou sendo super positivo, a ponto de eu estar querendo assistir, mais uma vez, o mais rĂĄpido possĂ­vel, ao espetĂĄculo, que, de saĂ­da, jĂĄ recomendo como um dos melhores do ano teatral de 2014 recĂŠm-encerrado.

 

 

 

 A peça Ê inspirada na história verídica de John Merrick, jovem com uma terrível deformação

Daniel Carvalho Faria.

 

 

 

 
 
SINOPSE:
 
O texto, de BERNARD POMERANCE, é inspirado na história verídica de JOHN MERRICK, jovem com uma terrível deformação, que viveu em Londres, durante quase 28 anos, na segunda metade do século XIX, e virou atração de “freak shows” (shows de aberrações).
  
Na verdade, hĂĄ um equĂ­voco quanto ao nome de quem inspirou a ficção: era Joseph Merrick (1862-1890).  O autor do texto enganou-se e ficou assim mesmo. 
Ainda menino, MERRICK foi parar nas “garras” do SR. ROSS, após ter sido abandonado pela mãe, que, supostamente, fora atacada por um elefante quando estava grávida.

Na histĂłria, MERRICK (VANDRÉ SILVEIRA) ĂŠ explorado e maltratado pelo “showman” ROSS (DANIEL CARVALHO FARIA), atĂŠ ser resgatado pelo jovem mĂŠdico DR. TREVES (DAVI DE CARVALHO), sendo acolhido, para observação e estudos, num prestigiado hospital londrino.  LĂĄ, MERRICK passa de objeto de piedade e curiosidade Ă  coqueluche da aristocracia e dos intelectuais, com a ajuda de uma famosa atriz, a SRA. KENDAL (REGINA FRANÇA), que o apresenta Ă  sociedade londrina.
 
Mas a sua esperança de, um dia, poder ser "um homem como os outros" acaba por se revelar um sonho que nunca serå realizado.
 


 

 


Davi de Carvalho.

 


O Dr. Treves apresenta a “aberração”.

 

            Os idealizadores do projeto sĂŁo trĂŞs jovens atores mineiros, todos radicados no Rio de Janeiro, onde fundaram a CIA. ABERTA: DANIEL CARVALHO FARIA, DAVI DE CARVALHO e VANDRÉ SILVEIRA, que jĂĄ merecem aplausos pelo empreendimento, os quais dividem a cena com REGINA FRANÇA, atriz convidada.

            Projeto no papel, tiveram a felicĂ­ssima ideia de convidar a grande diretora, de SĂŁo Paulo, CIBELE FORJAZ, para conduzir a direção do espetĂĄculo, tarefa que divide com o diretor WAGNER ANTÔNIO, tambĂŠm daquela capital.

            SĂł poderia dar certo o “casamento” da CIA. ABERTA, que prima por pesquisas que levem a novas dramaturgias e a diversas linguagem de encenação (Vermelho Amargo ĂŠ uma prova disso) com o trabalho de CIBELE FORJAZ, que opta por empregar, em suas montagens, mĂŠtodos de pesquisa e direção pouco ortodoxos e nada cartesianos (exemplo mĂĄximo do que digo: sua fantĂĄstica montagem de O Idiota, em 2011).

            Apesar de bem jovem (foi fundada em 2011), a CIA. ABERTA jĂĄ acumula alguns prĂŞmios, em diversas ĂĄreas do TEATRO.

            Quanto a CIBELE FORJAZ, nĂŁo lhe faltam prĂŞmios e indicaçþes e o  reconhecimento por seus 25 anos dedicados ao TEATRO, como diretora e iluminadora, alĂŠm de  docente e pesquisadora do Departamento de Artes CĂŞnicas da USP.  Trabalhou, ainda, como assistente de JosĂŠ Celso Martinez Correa.

 

 


Daniel carrega VandrĂŠ nos ombros, sob o olhar atento de Davi.

 

            Neste espetĂĄculo, estĂĄ em jogo o conceito do “normal” em confronto com a “diversidade”, no caso simbolizada pela aberração morfolĂłgica que começou a surgir, no personagem tĂ­tulo, aos trĂŞs anos de idade, e sĂł fez transformĂĄ-lo, cada vez mais, num ser de aparĂŞncia horripilante, mas de um interior lindo, bem nos moldes do Naturalismo, em que o belo estĂŠtico nĂŁo combinava com a beleza interior.  Quando havia um, o outro era seu oposto.

            Durante seu curto tempo de vida, JOHN MERRICK serviu de “diversĂŁo”, para os apreciadores de bizarrices, mas tambĂŠm foi alvo do interesse da ciĂŞncia, na pessoa do DR. TREVES, que tinha por objetivo estudar o seu caso e, mais do que isso, buscar uma forma para corrigir o “mal feito”, sem perceber que suas boas intençþes acabariam por conduzi-lo Ă  morte.

            O texto, acentuado pela visĂŁo da direção e o belo trabalho do quarteto de bons atores, deixa bem claro que, antes de olhar e julgar o lado “torto” do outro, deverĂ­amos nos ater ao nosso, uma vez que ele estĂĄ presente, fisicamente ou nĂŁo, em cada ser humano, e que nĂŁo se deve, nem se pode, exigir, do outro, a perfeição, que nenhum de nĂłs tem para exibir.  Questiona, de forma bem natural, a importância das aparĂŞncias e a desvalorização das essĂŞncias.

 

 

O Homem Elefante (crĂŠdito: Vitor Vieira)

AparĂŞncia ou essĂŞncia?

 

 

            Ótimo texto e excelente direção, passemos a uma breve anĂĄlise de outros elementos da FICHA TÉCNICA:

 

            O elenco ĂŠ homogĂŞneo, afinado, harmonioso; uma grata surpresa para mim.  O destaque, como nĂŁo poderia deixar de ser, vai para VANDRÉ SILVEIRA, que interpreta JOHN MERRECK, o HOMEM ELEFANTE. 

Acredito ter sido um grande esforço, para o ator, a composição do personagem, que exige um enorme desgaste fĂ­sico e psicolĂłgico.  A prova disso ĂŠ a cena final, apĂłs a qual, o talentoso ator precisa de algum tempo para se recuperar do excesso de esforço e carma emotiva aplicados nela, para agradecer ao demorados aplausos. 

É comovente o seu trabalho, digno de premiaçþes. 

Para a interpretação do personagem, o ator, que tem uma forte compleição fĂ­sica (“saradĂŁo”, no popular), ĂŠ muito exigido no que se refere Ă  expressĂŁo corporal e vocal, assumindo posiçþes desconfortĂĄveis para o fĂ­sico e tendo de forjar sons e espĂŠcies de “grunhidos”, que, sĂł com muita tĂŠcnica, treinamento e determinação, podem ser atingidos. 

Durante toda a encenação, nĂŁo consegui desviar o olhar dele e sentia sua falta, nos poucos momentos em que estava fora do palco.  A cena final ĂŠ impactante, esplendorosa, e provoca, nos espectadores, vĂĄrias leituras, como tive a oportunidade de ouvir, Ă  saĂ­da do teatro.  Eu fiz a minha, mas nĂŁo a revelo.  VĂĄ conferir. 

Para o ator, aplausos de pé e um grito (ou muitos) de “BRAVO!”.

 

 


VandrÊ Silveira, o grande destaque da peça.

 

 

            Na pele do SR. ROSS, DANIEL CARVALHO FARIA, compĂ´s, com bastante competĂŞncia, a figura do grande vilĂŁo, um homem explorador, ardiloso, ganancioso e mercenĂĄrio, que vive a jogar, na cara do protagonista, que a sobrevivĂŞncia deste devia-se, Ăşnica e exclusivamente, Ă  sua “generosidade e espĂ­rito humanitĂĄrio”.  O pĂşblico ĂŠ recebido pelo personagem, como um cicerone, como se estivesse indo ao teatro de variedades, para assistir a um show de bizarrices.  Palmas para o ator!

 

            JĂĄ DAVI DE CARVALHO, como o DR. TREVES, tambĂŠm faz um bom trabalho, porĂŠm com mais discrição e sobriedade, por conta de seu personagem.  Sua posição, com relação ao caso de JOHN MERRECK, ĂŠ de um investigador, sĂŠrio, e, ao mesmo tempo, procura dar a este um tratamento digno de um ser humano, quase paternal, que cativa o espectador.  Fica-se na torcida de que o DR. TREVES consiga amenizar o sofrimento daquela pobre criatura, e, para isso, muito empenho hĂĄ por parte do personagem.  Brilhante desempenho! 

 

            AgradĂĄvel surpresa representou, para mim, o trabalho da atriz REGINA FRANÇA, atĂŠ entĂŁo desconhecido, se a memĂłria nĂŁo me trai.  Desdobra-se em pequenos papĂŠis, atĂŠ chegar Ă  personagem SRA. KENDAL, uma famosa atriz londrina.  REGINA demonstra grande versatilidade, nos pequenos papĂŠis que representa na trama, e muita personalidade quando interpreta sua personagem principal.  Gostaria de vĂŞ-la muito mais vezes no palco, repetindo a correção dedicada a este trabalho.

 

            É correta a iluminação de WAGNER ANTÔNIO, assim como satisfazem os cenĂĄrios de AURORA DOS CAMPOS, divididos em trĂŞs espaços, o que fez a jĂĄ pequena capacidade do teatro (72 lugares) ser reduzida a 40.  Mas foi por uma boa causa.  Bons, tambĂŠm, sĂŁo os figurinos, de VALENTINA SOARES.  Tudo isso ĂŠ embalado por uma interessante direção musical e trilha sonora de DR. MORRIS (nĂŁo entendi bem  o nome).  A antiga “maquiagem”, que passou a ser “caracterização” e, hoje, recebe o nome de “visagismo”, neste espetĂĄculo passou a ser “identidade visual”.  NĂŁo importa o nome que se dĂĄ a tal função; o que interessa ĂŠ dizer que o trabalho do BALÃO DE ENSAIO (?), responsĂĄvel por ela, ĂŠ muito importante, nesta peça, e foi muito bem executado.

 

 

OHomemElefante_CrĂŠditoRodrigoCastro

A realidade das sombras.

 

            Um Ăşnico aspecto negativo nĂŁo poderia deixar de ser citado, que diz respeito Ă  acomodação do pĂşblico.  Pela complexidade da proposta e por seu ineditismo, houve necessidade de que o reduzido espaço do teatro perdesse 32 de seus assentos, sendo que os restantes foram trocados por almofadĂľes, reservando-se cerca de uma dezena de cadeiras apenas, destinadas Ă s pessoas idosas ou a quem apresente problemas de locomoção ou algo semelhante. 

Ocorre que, como as cenas se dão em pontos opostos, o público se vê na necessidade de se virar, vårias vezes, o que gera um grande desconforto, ainda mais se considerarmos que o espetåculo tem a duração de 120 minutos.

Mas isso nĂŁo deve ser considerado um obstĂĄculo ou desestĂ­mulo para se ir ao teatro OI Futuro Flamengo, para assistir a um dos melhores espetĂĄculos em cartaz no momento.

 

 


Maus tratos, antes da intervenção do Dr. Treves.

 

 


“Salvo” pelo Dr. Treves.

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Bernard Pomerance
 
Idealização: Cia Aberta
 
Encenação: Cibele Forjaz e Wagner Antônio
 
Assistente de direção: Artur Abe
 
Elenco: Daniel Carvalho Faria, Davi de Carvalho, Regina França e VandrÊ Silveira
 
Iluminação: Wagner Antônio
 
CenĂĄrio: Aurora dos Campos
 
Figurino: Valentina Soares
 
Direção musical e trilha sonora: Dr Morris
 
Identidade Visual: BalĂŁo de Ensaio
 
Ilustração: Antonio SodrÊ Schreiber
 
Fotografia: Vitor Vieira (divulgação) e Rodrigo Castro (cenas)
 
Direção de produção: Paulo Mattos
 
Produção executiva RJ: Tamires Nascimento
 
Produção executiva SP: Paulo Arcuri
 
Operação de luz: Lívia Ataíde
 
Operação de som: Dominique Arantes
 
 

 

 


Uma das cenas mais interessantes do espetĂĄculo.

 


Daniel, VandrĂŠ, Regina e Davi: cena impactante.

 

 

 
SERVIÇO:
Temporada: AtĂŠ 8 de fevereiro
 
HorĂĄrios: De 5ÂŞ feira a domingo, Ă s 20h
 
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
 
Vendas: na bilheteria e no “site” www.ingressorapido.com.br
 
Local: OI Futuro Flamengo
 
Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo.
 
Classificação etåria: 16 anos
 
Capacidade: 40 lugares
 
Duração: 2 horas
 
GĂŞnero: Drama
 
Funcionamento da Bilheteria: de 3ÂŞ a 6ÂŞ feira, das 14h Ă s 20h; sĂĄbados, domingos e feriados, das 14h Ă s 20h.
 
Informaçþes: (21) 3131.3060
 

 

 

 

 

 

(FOTOS: VÍTOR VIEIRA – divulgação – e RODRIGO CASTRO - cenas)

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