FRIDA
Y
DIEGO
(AMOR
ARDENTE E SOFRIMENTO PROFUNDO, NÃO NECESSARIAMENTE NESSA ORDEM.)
Está
em cartaz, e ficará até 29 de março,
no Teatro Maison de France, um
espetáculo que eu já havia visto em São Paulo, no início de dezembro passado, e
que torci muito para que os cariocas tivessem a grata oportunidade de ver
também: FRIDA Y DIEGO, texto de MARIA ADELAIDE AMARAL, com direção de EDUARDO FIGUEIREDO, tendo LEONA CAVALLI e JOSÉ RUBENS CHACHÁ, como protagonistas.
É
impossível falar de FRIDA, sem tocar
em DIEGO, e vice-versa. Pode-se dizer que são duas partes de uma
laranja, ainda que de variedades diferentes; não a mesma. Diego era 21 anos mais velho que ela.
Sou
um apaixonado admirador da obra desses dois grandes artistas do século XX, mais
de FRIDA que de DIEGO, e minha admiração por ela é tão grande, que poderia dizer
que eu seria uma reencarnação de DIEGO
(apenas do seu lado positivo – permitam-me a graça), se ele não estivesse ainda
vivo quando nasci. Brincadeiras à parte,
não se pode, absolutamente, negar que o casal de artistas plásticos (ela mais
retratista, ele mais muralista) influenciou, embora fossem de origem latina,
toda uma geração de grandes pintores americanos e europeus, nas décadas de 30 e
de 40, principalmente, e se tornaram, mundialmente, respeitados até hoje.
Já
tive a oportunidade de ver, na minha frente, o original de obras consagradas
dos maiores artistas plásticos que a humanidade produziu, entretanto a emoção
que me domina, diante de um trabalho de FRIDA
ou de DIEGO, ao vivo, na minha
frente, é diferente, indescritível.
Parece que a obra é cada um deles, que está ali, apresentando-me a ela.
Há uma “vida”, algo “vivo”, movendo-se
diante dos meus olhos.
A
peça é um texto inédito de MARIA
ADELAIDE AMARAL, depois de dez anos sem uma obra sua, original,
encenada. A última foi “Chanel”, protagonizado por Marília Pêra.
SINOPSE
A peça fala do casamento e da relação
entre FRIDA KAHLO e DIEGO RIVERA.
Uma história de paixão e cumplicidade,
com todos os dramas, rupturas e reconciliações.
Era uma relação de liberdade e amor
incondicional.
O espetáculo se passa entre o período
de 1929 a
1953, no México, na França e nos Estados Unidos, onde viveram e trabalharam: a
conturbada relação do casal, as mútuas infidelidades, personalidades fortes e
as suas convicções artísticas e políticas.
Para escrever
o texto, MARIA ADELAIDE dedicou-se a
uma profunda pesquisa sobre a vida e obra dos dois ícones das artes plásticas
das duas últimas décadas da primeira metade do século passado. Transpor da realidade para a ficção, sem
fantasiar, mas, ao mesmo tempo, deixando fluir a magia que domina o dramaturgo,
é algo que ADELAIDE faz muito bem,
de olhos fechados. Trata-se da história
de duas pessoas, que se tornaram personagens de uma “ficção muito real”.
A peça caminha por duas
vertentes. Uma delas é o sofrimento
físico de FRIDA, que foi acometida
de poliomielite aos cinco anos de idade e sofreu um gravíssimo acidente, num
bonde, aos dezesseis, o qual lhe rendeu dores, sofrimentos, marcas e cicatrizes,
físicas e interiores, para o resto de sua vida.
Foram onze fraturas na coluna vertebral, uma perna estilhaçada, dedos de
um dos pés esmagados e um pedaço de madeira, que entrou por suas costas,
transfixou seu corpo, saindo-lhe pela vagina.
Por conta disso, dos vários meses que passou presa a uma cama de
hospital, submetendo-se a muitas cirurgias, a jovem passou a se interessar por
pintura. A outra abordagem é o
relacionamento conturbado do casal, uma vida conjugal cheia de altos e baixos,
de idas e vindas, separações e reconciliações, traições e perdões... Formavam um casal extremamente fora dos
padrões da época, principalmente ao sustentar um casamento “aberto”, em que
ambos sabiam das traições, um do outro, e as aceitavam, com naturalidade. Ele, um insaciável conquistador; ela, que não
ficava atrás, assumia sua bissexualidade, o que, convenhamos, era algo de muito
ousado, na década de 30. Mas o texto não
se limita só a isso; ele nos “pinta” um panorama da sociedade da época e
revela, com destaque, quão importantes foram FRIDA e DIEGO para o
mundo das artes.
A trama tem seu início em
1940, quando, quando FRIDA, após ter
cumprido uma condenação, numa prisão mexicana, resolve encontrar DIEGO, em São Francisco, na Califórnia,
quando retomam a relação, não faltando, é claro, os acertos de contas, as
acusações, os pedidos de perdão, a aceitação deles, tudo regado a discussões
sobre as mágoas recíprocas. Tudo era
perdoado, a não ser, por parte de DIEGO,
o fato de FRIDA tê-lo traído com Leon Trotski, a quem o casal dera
abrigo, quando este fugiu para o México; e, da parte de FRIDA, com relação a DIEGO,
quando ele a traiu com Cristina,
irmã da pintora.
Sem obedecer, rigorosamente, a
uma cronologia, a história segue até 1953, um ano antes da morte da artista,
pondo em relevo alguns dos momentos mais importantes da vida do casal ou de
cada um deles, em particular. Termina,
exatamente, no momento em que ela realiza a sua primeira exposição em terras
mexicanas e é aclamada, no vernissage da mostra, ao adentrar o local da
exposição, instalada numa maca toda ornamentada, já que estava impossibilitada
de andar. Ainda lá, a artista não se deu
por derrotada e recebeu os que a estavam prestigiando, deitada numa cama.
No México, após uma das reconciliações, FRIDA já passando por uma fase muito
difícil de sua vida, DIEGO manda
construir uma casa para eles; na verdade, como se fossem duas, separadas por
uma ponte/corredor. Vejo nisso uma
simbologia ligada ao relacionamento dos dois: eternamente ligados e, ao mesmo
tempo, independentes, livres para viver as suas idiossincrasias.
A história
universal registra uma plêiade de romances ardentes e conflituosos, entretanto,
certamente, poucas relações renderiam um enredo tão fantástico quanto este. Com todas as tempestades e outras catástrofes
conjugais, foi um casamento de quase trinta anos. A peça se concentra, exatamente, na fase
final dessa relação, mostrando uma FRIDA
extremamente debilitada e sofrida, em função de tantas cirurgias e tentativas
para aliviar as dores lancinantes que sofria.
Usou uma quantidade incalculável de coletes, para se sustentar de pé,
desde os confeccionados em gesso até os feitos de aço.
As ações da
peça ocorrem no México, na França e nos Estados Unidos, em cidades diferentes,
cujas referências, de locais e datas, para o público, são projetadas nos telões
que fazem parte do cenário, sobre o qual falarei adiante.
COMENTÁRIOS QUE MERECEM DESTAQUE NESTA MONTAGEM:
1)
Com relação ao texto,
de MARIA ADELAIDE AMARAL, excelente,
por sinal, apesar de se tratar de um drama, os diálogos são recheados de ironia
e de bastante humor, ferino, mordaz, bem característico dos dois personagens.
2)
Têm grande importância e produzem um belo efeito
plástico, na peça, as múltiplas projeções
que são mostradas, do início ao fim do espetáculo, de obras dos dois
artistas. Na montagem carioca, esta
parte ficou um pouco prejudicada, principalmente as que se concentram nas duas
laterais do palco, uma vez que as dimensões deste, no Teatro Maison de France, são bem menores que as do Teatro Raul Cortez, em São Paulo.
3)
Considero brilhante a ideia da direção de utilizar
música ao vivo, pondo dois excelentes músicos (WILSON FEITOSA JR. – acordeão e outros instrumentos – e MAURO DOMENECH – baixo acústico e
outros instrumentos) num dos cantos do palco, para sublinhar algumas cenas e
executar uma trilha sonora de muito
bom gosto, de GUGA STROETER e MATIAS CAPOVILLA, distraindo o público,
em determinados momentos, para que possam ocorrer as muitas trocas de roupas
dos personagens. A melodia da canção que
abre o espetáculo, enquanto FRIDA
entra pela plateia é belíssima.
4)
Já que falamos de roupas, é de se louvar os lindos e
criativos figurinos de MÁRCIO VINÍCIUS, com destaque para os
inúmeros trajes usados por FRIDA,
exuberantes, de cores vivas, com muitos bordados e aplicações em alto-relevo.
5)
Já que falamos de MÁRCIO
VINÍCIUS, ele também é responsável pela direção de arte, pelo
cenário e pelos muitos e criativos adereços
da peça. Quanto ao cenário, de grandes proporções, conserva, praticamente, em todo o
espetáculo, os mesmos elementos, que são mudados de posição ou recebem um detalhe
de algum pano, cobrindo partes, ou outros recursos, em certas cenas. Basicamente, é formado de muitos painéis de
tecido, para as projeções; um imenso andaime, para as pinturas dos murais de DIEGO, que também serve, na parte
superior, como um dos ambientes da casa ou do ateliê do pintor; uma mesa, uma
ou duas cadeiras e bancos de madeira.
Uma cama, com um dossel, completa o cenário.
6)
Gostei muito da direção,
de EDUARDO FIGUEIREDO.
7)
Os dois atores,
LEONA CAVALLI e JOSÉ RUBENS CHACHÁ, estão vivendo - e o que me parece - seus
melhores momentos num palco, por força dos talentos individuais, de uma
perfeita cumplicidade cênica e da força dos personagens que interpretam. Bons atores valorizam quaisquer
personagens. Se estes já são da grandeza
de FRIDA KAHLO e DIEGO RIVERA, tudo se transforma em
divino, maravilhoso. Até mesmo nas duas
vezes em que CHACHÁ se aventura a
cantar, com poucos recursos vocais, mas com a personalidade daquele que representa.
8)
Sobre DIEGO,
é notável a sua supervalorização do trabalho de FRIDA. Ele sempre a
incentivava a continuar pintando e dizia que sua obra superava, em qualidade, a
dele. Chega a dizer, com outras
palavras, que não a queria como dona de casa, uma serviçal. Paradoxalmente, também é egocêntrico. Embora galanteador, era extremamente
debochado e cínico, ao tentar justificar suas incursões (muitas)
extraconjugais. Não amava as suas
amantes; amava o sexo delas; mas amava FRIDA. À sua maneira, mas amava. Era um compulsivo sexual, um Satyros. JOSÉ
RUBENS CHACHÁ nos dá uma aula do que seja uma magnífica interpretação.
9)
Com relação a FRIDA,
merece relevo sua verdadeira obsessão pela maternidade, o que a fez sofrer
muito, com os abortos que, involuntariamente, fez, já que as deformidades que
ficaram no seu corpo, como marcas do acidente, na juventude, não lhe permitiam
gerar um filho. Isso era muito
frustrante e doído para ela, que recebia, de DIEGO, como presente, ou “prêmio de consolação”, uma boneca,
prática que o pintor aprendera com sua mãe.
Foi muito feliz o diretor, ao mostrar uma cena em que, numa alucinação
da pintora, dois “clowns” entram em cena, para lhe roubar o filho, num dos
abortos. Tratava, carinhosamente, o
marido de “Panção”, por motivos mais
que óbvios. Ironicamente, quando se
referia aos Estados Unidos, chamava aquele país de “Gringolândia”. Apesar de todo o sofrimento que marcou sua
vida, conseguia rir da própria desgraça, como na cena em que, sentada numa
cadeira de rodas, diz a DIEGO que
teria de amputar os dedos de um dos pés, acometidos de necrose. Frágil, sofrida, possessiva, ciumenta,
intempestiva... Essa era FRIDA KAHLO. Soube que uma outra atriz faria o papel. Não consigo ver ninguém melhor que LEONA CAVALLI, como a “índia tehuana”.
10) FRIDA
e DIEGO eram comunistas. Ele abandonou o partido e suas convicções,
mas ela não. Simbolicamente, isso se faz
presente num dos figurinos que a personagem usa, inclusive na última cena, no
qual estão bordados a foice e o martelo, ícones do regime.
11) É
muito bonito o desenho de luz
projetado por GUILHERME BONFANTI, adaptado,
na montagem carioca, por LAIZA MENEGASSI. Interessante é o contraste das cores com as
projeções, por exemplo.
12) Ponto
positivo para o visagismo, de ANDERSON BUENO, ainda que eu sentisse
falta de um buço mais perceptível e de uma monocelha mais acentuada. FRIDA
era feia. Deve ter sido difícil e
“sofrido”, para o profissional, tentar conseguir enfear LEONA.
13) Uma das
cenas mais emocionantes da peça e, também, na qual LEONA CAVALLI demonstra a grande atriz que é, ocorre durante a
longa descrição do acidente, que quase lhe roubou a vida (Ou não a teria
roubado de verdade?), feita a DIEGO. Forte e comovente, mexe com a sensibilidade
da plateia.
14) Outra
cena que merece destaque é o discurso que FRIDA
faz sobre a fidelidade, ao tomar conhecimento da traição de DIEGO com CRISTINA, irmã da artista, por quem esta nutria um grande amor
fraternal, além de amar profundamente os sobrinhos. Para FRIDA,
o fato representou muito mais que umas “simples” traição; gerou o rompimento de
uma relação de amor familiar, que, de certa forma, dava sustento à sua sobrevivência.
15) Não
deixa de ser engraçado, bizarro até, ainda que lamentável, o fato, tratado na
peça, de que, ao ser contratado, por Nelson
Rockfeller, para pintar um painel no Rockfeller
Center, que se chamaria “Man at the
Crossroads”, DIEGO tenha
recebido uma determinação do magnata: trocar o rosto de Lênin, já pintado, por um outro, o que o pintor se recusou a
fazer. O episódio ficou conhecido como “A Batalha de Rockfeller Center”, e
acabou com a demolição da parede, a golpes de picaretas. Vitória do capitalismo.
16) Achei
interessante, e valiosa, a participação dos dois contrarregras, BRENO DA MATA e CRISTIANO BELARMINO, em algumas cenas.
FICHA TÉCNICA:
Texto: MARIA ADELAIDE AMARAL
Direção: EDUARDO FIGUEIREDO
Elenco: LEONA CAVALLI e JOSÉ RUBENS CHACHÁ
Direção musical e trilha: GUGA STROETER e MATIAS
CAPOVILLA
Músicos convidados: WILSON
FEITOSA JR. (acordeon) e MAURO DOMENECH
(baixo acústico)
Direção de arte – cenografia, figurinos e adereços: MÁRCIO VINÍCIUS
Visagismo: ANDERSON BUENO
Desenho de luz: GUILHERME
BONFANTI / LAIZA MENEGASSI
Assistência de direção: ALEX
BARTELLI
Direção de movimento: RENATA
BRÁS
Contrarregras
e Apoio Cênico: BRENO DA MATTA e
CRISTIANO BELARMINO
Estágio de direção: ERIC MOURÃO
Programação visual: VÍTOR VIEIRA
Projeto de vídeo e projeções:
JONAS GOLFETO
Fotos de divulgação: GABRIEL
WICKBOLD
Fotos de cena: LENISE PINHEIRO e GISELA SCHLÖGEL
Assessoria de Imprensa: AGÊNCIA
FEBRE
Produção executiva: TON MIRANDA
Gerência de produção: BIA IZAR
Direção de produção: MAURÍCIO
MACHADO
Administração do Espetáculo: PAULO PAIXÃO
Realização e produção: MANHAS
& MANIAS EVENTOS
SERVIÇO:
TEATRO MAISON DE FRANCE – Av. Presidente
Antônio Carlos, 58 – Centro – Rio de Janeiro
- Tel: (21) 2544-2533
Temporada: de 8 de janeiro a 29 de março de
2015
Dias e horários: quintas-feiras,
sextas-feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h
Ingressos: R$ 60,00 (quintas e
sextas-feiras); R$ 80,00 (sábados e domingos).
Duração: 90minutos.
Classificação indicativa: 16 anos.
Lotação: 353 pessoas
FRIDA Y DIEGO não é um espetáculo para
ser visto apenas uma vez. É para ser
saboreado, até que a nossa alma seja saciada.
Embora a ação,
na peça, vá até 1953, e, na cena final, tenha-se a impressão de que a pintora
morre nos braços do seu amado mestre, sua morte só ocorreu um ano depois.
Na sua última
fala, no texto, FRIDA, revela o seu
apego à vida, apesar de tudo de mal por que passou, de tanto sofrimento, de
tantas dores. A despeito de tudo, era
uma otimista:
VIVA A VIDA!
(FOTOS: GABRIEL WICKBOLD, LENISE
PINHEIRO e GISELA SCHLÖGEL)
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