terça-feira, 20 de janeiro de 2015


EU NÃO DAVA PRAQUILO
 
(IMAGINA, SE DESSE...)
 
 
 
 
 
 

            Pode ser que uma andorinha só não faça verão, mas, certamente, um genial ator,  sozinho, faz – e muito – um inesquecível espetáculo, num verão.
 
            Permito-me uma descontração, para dizer que, o Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, devidamente refrigerado, é um oásis, neste verão senegalês da ex-Cidade Maravilhosa, no qual um único ator, e seu enorme talento, apoiado, evidentemente, em vários colaboradores, se apresenta num monólogo, de cerca de uma hora, que é daqueles espetáculos que marcam, sobremaneira, na vida de um amante do bom TEATRO.
 
            O ator é CASSIO SCAPIN e o espetáculo, EU NÃO DAVA PRAQUILO.

Depois de uma temporada de muito sucesso nos palcos paulistanos, que rendeu, inclusive, dois prêmios, o APCA 2013 e o Qualidade Brasil, como melhor ator, para CASSIO, e uma indicação ao Prêmio SHELL (por São Paulo), de 2014, além de uma passagem por Belo Horizonte, o espetáculo ficará em cartaz, no Rio de Janeiro, até o dia 1º de março.

O idealizador do espetáculo é o próprio CASSIO, que, juntamente com CÁSSIO JUNQUEIRA, escreveu o texto, além, obviamente, de interpretá-lo.  A ótima direção é de ELIAS ANDREATO.


 
EU NÃO DAVA PRAQUILO 2 - DNG
 


Aqui vai a sinopse, fornecida pela produção do espetáculo:
             
 
 
 
SINOPSE:
 
EU NÃO DAVA PRAQUILO é um monólogo cômico-dramático, a partir da biografia da atriz e diretora paulista MYRIAN MUNIZ, uma das mais influentes personalidades do TEATRO BRASILEIRO das últimas décadas.
 
Além de contar passagens da vida, pessoal e profissional, da homenageada, o espetáculo pretende ser uma ode ao ofício teatral e sua importância como agente de transformação, tanto individual quanto social.
 
 
 
 
EU NÃO DAVA PRAQUILO 2 - DNG
 
 
   
            Mas o que pode haver de tão especial num monólogo, de cerca de 60 minutos, em que um ator, sem recursos de maquiagem nem figurinos femininos, interpreta uma mulher? 
 
T-U-D-O!!! 
 
Não fosse esse ator CASSIO SCAPIN e a mulher em questão, a atriz MYRIAM MUNIZ, falecida em 2004, aos 73 anos de idade, um dos maiores nomes do TEATRO BERASILEIRO de todos os tempos.
 
A ideia de manter viva a imagem de uma das mais importantes personalidades do nosso TEATRO foi o que motivou CASSIO, além do desejo de homenagear o TEATRO BRASILEIRO.  Trata-se de uma louvação à paixão e à magia que o TEATRO exerce sobre os que por ele se interessam, como agentes ou pacientes.  É, acima de tudo, um espetáculo movido a muita paixão.  Paixão por um ofício, sem dúvida nenhuma, daqueles que exigem dedicação total dos que o abraçam, como foi o caso de MYRIAM MUNIZ e é o de CASSIO SCAPIN.
 
No palco, quase nu, contando apenas com diáfanas cortinas pretas e uma outra, a última (uma surpresa, só revelada ao final da peça), um pequeno praticável circular, sobre o qual está uma antiga cadeira giratória, de madeira, o ATOR, com todas as letras maiúsculas, vestindo um figurino simples (uma calça e uma camiseta, ambas pretas) e utilizando, como objetos de cena, apenas um pedaço de pano, preto, como um xale, que serve para várias composições, e um cigarro, apagado, que ele “fuma’, durante quase todo o espetáculo, sofre uma metamorfose e “É” MYRIAM MUNIZ.
 
Sim, num trabalho de construção de personagem, para o qual não poderiam faltar detalhes, como a mão trêmula, a voz, ao mesmo tempo, rouca e esganiçada, e outros trejeitos da atriz, é impossível que alguém não veja, à sua frente, a MYRIAM rabugenta, teimosa, irreverente, desbocada e, acima de tudo, verdadeira e talentosa.  Para CASSIO, “impulsiva, intuitiva e de uma generosidade, hoje, rara nos palcos”.  Na definição de ELIAS ANDREATO, diretor da peça, “uma sacerdotisa do teatro, cujos ensinamentos marcaram diversos artistas”.  A verdade é que, entramos em transe, diante de uma entidade, “ressuscitada” numa interpretação teatral.
 
 
CASSIO (ou ela, MYRIAM) nos fala de sua vida pessoal e profissional, de seus fracassos e sucessos, estes com a maior humildade possível, uma das marcas da atriz, para a qual a fama nada representava.  Nunca foi de querer aparecer e conquistar espaço na mídia; muito ao contrário, mantinha-se afastada das luzes que não fossem as dos palcos.
 
Independentemente da dimensão de sua personagem, como protagonista ou coadjuvante, MYRIAM sempre roubava a cena, era uma giganta no palco ou nas telas, e era impossível não se deixar hipnotizar por sua incomensurável carga emotiva em cena.  Isso fica bem patente, por exemplo, quando, em 1969, estreou, no cinema, no filme Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, um marco da filmografia brasileira, ao fazer um papel “menor”, de pouca duração na tela, mas marcante, como poucas vezes já tive a oportunidade de ver.  Sempre que assisto, em dvd, a essa obra-prima, comovo-me com a cena dela.
 
 
 
            Um pouco sobre a trajetória de MYRIAM MUNIZ:
 
 
Myrian Muniz Eu Nao Dava Praquilo Crítica: peça “Eu não dava praquilo”, com Cassio Scapin, reverencia a irreverente Myrian Muniz
Myriam Muniz (foto: fonte desconhecida)
 
 
 
Myriam Muniz em 'Nina', filme de Heitor Dhalia (Columbia/Divulgação)
Idem.
 
 
 
            Estudou, e praticou, enfermagem no Hospital Samaritano, mas não precisou de muito tempo para perceber que estava no lugar e na profissão errada.  Tentou a dança e chegou a fazer parte do Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo, o que logo a fez constatar que se tratava de um novo equívoco na escolha da profissão.  Por um milagre, talvez, dos deuses do TEATRO, em 1958, matriculou-se na Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD).  Sua estreia, como atriz profissional, deu-se em 1961.  E começou bem, sendo dirigida por nomes representativos, como os dos consagrados dramaturgos e diretores Augusto Boal, Zé Celso Martinez Correa e Antônio Abujamra, dentre outros.  Mais tarde, fez parte do Teatro de Arena e do corpo artístico da Cia. Dulcina de Moraes.
 
Ampliando seu leque de atividades ligadas ao TEATRO, em 1975, foi uma das fundadoras do Teatro-Escola Macunaíma, centro experimental de formação teatral, onde dava aulas de TEATRO.  E de vida, eu diria.
 
Além disso, diversificando, mais ainda, o seu trabalho em cima de um palco, revelou-se excelente diretora, de TEATRO e de “shows musicais”, com destaque para o inesquecível Falso Brilhante, de Elis Regina, também um marco nesse tipo de espetáculo.
 
            Quem se interessar por saber mais sobre sua vida e obra, procure o livro Giramundo: O Percurso de Uma Atriz - Myriam Muniz, organizado por Maria Thereza Vargas, que ganhou o Prêmio Shell de Teatro, categoria especial, em 1998.
 
 
 
 
 
           
                                             Sobre o espetáculo, vale a pena ressaltar:
 
  1. O texto, de extrema qualidade, foi escrito a quatro mãos, numa simbiose perfeita, e parece que foram pinçadas, uma a uma, as palavras e frases que seriam ditas por Myriam, o que confere a ele muita credibilidade.  Não se trata, de modo algum, de uma mera biografia, “engessadinha”, banal, como tantas, e não há como não ver e ouvir MYRIAM falando, vociferando, protestando, esbravejando, xingando, debochando, criticando, instruindo...  Tudo com muito bom humor.  É marcado por muitas sutilezas e filigranas, não de vocabulário, mas de sentido, e, nele, podem ser identificados, sem muito esforço, vários subtextos, tão ou mais valiosos quanto o que é dito, verbalmente, sem falar nas ironias.  Diante da ignorância alheia, MYRIAM aconselhava: “Vai se informar!”  “Vai pesquisar!”, equivalentes ao atual “Vai procurar no Tio Google!”.
     
  2. Não me lembro se está no texto da peça, mas me recordo de uma outra frase marcante de MYRIAM: “Ter o dom não basta; sem formação, o ator enlouquece!”  E era, exatamente, para que isso não acontecesse com ela, que se dedicava, todos os dias, a aprofundar, mais e mais, os seus conhecimentos e suas técnicas teatrais.  E, com toda razão, exigia o mesmo de seus pares.
     
  3. O título da peça é repetido várias vezes, sempre que o texto toca em algum dos fracassos da atriz, na tentativa de abraçar uma outra atividade profissional, todas anteriores à que a consagrou.  Ao mesmo tempo, serve para que a personagem ratifique, sempre, que nasceu para o TEATRO.  Eu, atrevidamente, diria: para a representação.
     
  4. O espectador sai do teatro com a certeza absoluta de ter assistido a um espetáculo que homenageia o ofício teatral e a importância deste como agente de transformação individual e social, como diz a própria sinopse da peça e é o pensamente de MYRIAM, de CÁSSIO e de ANDREATO.  E, graças a Deus, da maioria dos que se dedicam a tão nobre arte.
     
  5. O trabalho de CASSIO SCAPIN é ímpar, superlativo, perfeito.  Não se trata de uma simples mimese, bem elaborada.  O trabalho de composição da personagem vai além de fazer uso de detalhes, cuidadosamente observados pelo ator, em MYRIAM, e repetidos em cena, como cusparadas, mãos trêmulas, o cigarro sempre entre os dedos, a voz característica da atriz, os olhares, as expressões faciais...  Tudo isso não passa de elementos de apoio ao casamento da alma do ator com a da atriz.  E o resultado é magnífico!  Abençoadas bodas!!!  É impressionante como o CASSIO SCAPIN assume e domina a personagem, entrando nela, e saindo da própria, da mesma forma, por vezes, como uma naturalidade invejável, contando com quase nada de elemento de apoio, a não ser os que já foram citados e o seu incomensurável talento dramático.  Em três ou quatro vezes, se muito, o ator deixa de ser a personagem e pega o que seria o “script” de uma peça (A que ele está fazendo?) e finge estar decorando o texto, para, logo em seguida, voltar a vestir a pele de MYRIAM MUNIZ.  Soa naturalíssima a postura física do ator, assim como todo o seu gestual.  Ele se doa totalmente à personagem.  Estamos diante de uma perfeita aula de representação teatral.
     
     
     
     
     
     
    O palco nu reforça a importância das palavras e da performance do ator: o teatro é personagem central do monólogo (João Caldas/Divulgação)
     
     
     
  6.  É muito interessante e divertida a cena em que CASSIO SCAPIN brinca, direta e respeitosamente, com o público, como se MYRIAM ministrasse uma de suas aulas de TEATRO.  Eu, que sou avesso à interatividade direta ator/plateia, aplaudo a cena, que fez com que eu, como todo o auditório, me levantasse e seguisse as instruções da “Mestra”.  Leve, divertida e respeitosa a cena.
     
  7. Quanto à direção, de ELIAS ANDREATO, não há muito o que falar, pois, com sua inteligência, sensibilidade e tarimba, não se preocupou em “inventar a roda” nem com detalhes sofisticados, para marcar seu trabalho.  Optou, de forma muito acertada, por, simplesmente, orientar o ator quanto à sua postura e posicionamento em cena, com não muitos movimentos, apenas em momentos necessários a tais deslocamentos.  Se o ator ficasse sentado o tempo todo naquela cadeira, creio que o resultado seria o mesmo: CASSIO hipnotiza as pessoas.  MYRIAM e CASSIO era/é/SÃO, praticamente “autodirigível(is)”. Excelente direção!
     
  8. Os cenários e os figurinos, de FABIO NAMATAME, lembram muito os de REI LEAR, também assinados por ele, espetáculo recentemente encenado no Rio de Janeiro, monólogo com Juca de Oliveira.  Isso, porém, não significa nada de negativo; pelo contrário, conta, positivamente, para o cenógrafo e figurinista, porque, tanto lá quanto aqui, esses dois elementos deveriam mesmo ser discretos, parcimoniosos, para que todo o foco recaísse sobre os dois atores, Juca e CASSIO.  O palco quase vazio valoriza a ação e o trabalho do ator, porquanto, neste espetáculo, MYRIAM e o TEATRO são os personagens centrais, ou o personagem central, já que os dois se fundem numa só entidade.
     
  9. É formidável a iluminação de WAGNER FREIRE, não muito intensa, ajudando a criar um ambiente minimalista, intimista e, por vezes, misterioso.
     
  10. A trilha original, de JONATAN HAROLD, também é um ótimo elemento de apoio para a encenação. 
     
     
     
     


EU NÃO DAVA PRAQUILO é uma celebração a MYRIAM MUNIZ, ao TEATRO  e a tudo a eles relacionados.



RECOMENDO, COM EMPENHO, E PRETENDO REVER TÃO MAGNÍFICO ESPETÁCULO. 




 
FICHA TÉCNICA:
Roteiro: CÁSSIO JUNQUEIRA e CASSIO SCAPIN

Elenco: CASSIO SCAPIN

Direção: ELIAS ANDREATO

Figurino e Cenário: FABIO NAMATAME

Iluminação: WAGNER FREIRE

Trilha Sonora: JONATAN HAROLD

Assistente de Direção: ANDRÉ ACIOLI

Produção Executiva: ANGELA DÓRIA

Fotos: JOÃO CALDAS

Programação Visual: DENISE BACELLAR

Produção Local: RUBIM PRODUÇÕES

Direção de Produção: FERNANDA SIGNORINI

Assessoria de Imprensa: DANIELLA CAVALCANTI

Patrocínio: BANCO DO BRASIL

Realização: CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL
 
 


 






 
SERVIÇO:

Temporada: Até 1º de março

Local: Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro) – Teatro I

Horários: De quinta-feira a domingo, às 19h

Ingressos: R$ 10,00 (inteira)

Capacidade: 172 lugares

Duração: 60 minutos

Classificação: 16 anos

Gênero: Comédia dramática

Bilheteria: De quarta-feira a domingo, a partir das 10h

Informações: 3808-2020
 
 
 
 
 
(Foto: Divulgação)
 
 
 
(FOTOS: JOÃO CALDAS)

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