quarta-feira, 20 de novembro de 2013


QUEM TEM MEDO DE VIRGÍNIA WOOLF?  -   A GENTE RI DE QUÊ?



 
            Está em cartaz, no Teatro dos Quatro, um dos clássicos da dramaturgia norte-americana: QUEM TEM MEDO DE VIRGÍNIA WOOLF, de EDWARD ALBEE, que, ao lado de A HISTÓRIA DO ZOOLÓGICO, sua primeira peça, de 1959, escrita em apenas duas semanas, é um dos textos mais encenados e uma espécie de cartão de visitas do dramaturgo.

            Esta é, oficialmente, a quarta encenação da peça no Brasil, tendo ficado célebres a de 1965, assinada por MAURICE VANEAU, com CACILDA BECKER, WALMOR CHAGAS, LILIAN LEMMERTZ e FÚLVIO STEFANINI; a de Antunes Filho, com RAUL CORTEZ, em 1978; e a dirigida por JOÃO FALCÃO, com MARCO NANINI e MARIETA SEVERO, em 2001.  Além disso, a peça, que foi escrita em 1962, ganhou, quatro anos depois, uma inesquecível e premiada adaptação para o cinema, a cargo de MIKE NICHOLS, com ELIZABETH TAYLOR e RICHARD BURTON , como protagonista.
            Depois de três bem-sucedidas montagens, é sempre um desafio levar ao palco mais uma versão desta peça, o que, para os atuais envolvidos no projeto acabou por atingir um excelente resultado.
Elenco
            SINOPSE: Toda a ação se passa numa madrugada, na sala de estar do casal Jorge (DANIEL DANTAS) e Marta (ZEZÉ POLESSA).  Ele, professor de História de uma universidade norte-americana; ela, filha do reitor.  Após uma festa da universidade, o casal, contra a vontade de Jorge, recebe, em sua casa, por determinação do próprio reitor, um jovem casal, Nick (EROM CORDEIRO) e Mel (ANA KUTNER) - ele, um recém-admitido professor na mesma universidade - para uns drinques, como uma espécie de “boas-vindas” aos dois.  Entretanto, aquilo que se esperava ser um encontro amigável, prazeroso e civilizado transforma-se numa “noite de horrores”, numa “lavagem de roupa suja”, entre o casal “anfitrião”, contaminando e envolvendo os convidados, cheia de jogos perversos e manipulações, brigas, ataques, humilhações, revelações, traições, tudo regado a muito álcool.  Muito álcool mesmo.

            Do início ao fim do espetáculo, que dura mais de duas horas, a plateia não se cansa de rir dos embates travados entre os quatro “novos amigos”.  Ocorre, porém, que se trata de um riso nervoso, tenso, em função do humor cáustico, sarcástico, que  caracteriza os textos de ALBEE.  É para se perguntar: estou rindo de quê?  Por trás de cada alfinetada, esconde-se um desejo de libertação de algo que sufoca cada um dos quatro personagens, mais Jorge e Marta, e do que parece não há como se libertar.

            Os protagonistas desta peça têm de ser interpretados por atores de primeiríssimo nível, dada a complexidade do caráter de cada um e, também, para que todo o já referido humor albeeano possa atingir o público.  Não poderiam ter sido mais bem escolhidos DANIEL e ZEZÉ para tal função.  Apesar de atuarem, com bastante frequência em outras mídias, parece-me bem razoável afirmar que ambos são atores de TEATRO.  Admirador do talento dos dois, é sempre no TEATRO que percebo suas maiores atuações.  No caso de VIRGÍNIA WOOLF, os louros devem ser igualmente divididos entre ambos.  Ele, por seu jeito descontraído de dizer o texto, parecendo que não foi um autor que o escreveu, para ser dito por um personagem, mas sim que se trata do que o DANIEL, pessoa física, está pensando e querendo dizer a cada momento.  Ela, por sua exuberância em cena, também pela descontração e pelo tom de veracidade que imprime à sua “perigosa” Marta.  Na verdade, é para se ter muito medo, sim, mas de Marta, ardilosa, cruel, “sem-noção”, quando o que está em jogo são seus interesses e ambições.  Duas inesquecíveis interpretações!
Daniel Dantas e Zezé Polessa

            Muitas vezes, a função de coadjuvantes (acessórios, secundários, complementares) se reveste de uma importância de tal envergadura, numa trama, que se torna até injustiça, atribuir tal adjetivação a quem interpreta esses papéis.  Neste espetáculo, apesar de coadjuvantes, faz-se necessário dizer que EROM CORDEIRO e ANA KUTNER são dois coadjuvantes de luxo, sem os quais o brilho do espetáculo seria menos intenso.  Dois excelentes atores, que, aqui, não são apenas escadas para o primeiro plano dos protagonistas.  O casal, com seu talento, dignifica, mais ainda, a já tão dignificante função dos coadjuvantes.  Parabéns aos dois!
 
Ana Kutner e Erom Cordeiro
            Por ser mito extensa, vamos a apenas alguns dos destaques da FICHA TÉCNICA:

            A direção, de VICTOR GARCIA PERALTA, é muito boa.  Ele procurou se pautar nos detalhes da vida e da sociedade norte-americana na época em que a trama se passa (década de 60), conseguindo, satisfatoriamente, transportar o público para uma realidade tão distante da nossa: a vida acadêmico-social num campus universitário, onde reside o casal de protagonistas.  Dirigir os movimentos de quatro atores num único cenário, por mais de duas horas, sem provocar tédio, não é tarefa das mais fáceis, assim como orientar os atores na contenção do sarcasmo cruel de Albee.

            Embora tenha lido o texto, no seu original, há quase quatro décadas, na Faculdade de Letras da UFRJ, não me lembro de detalhes, todavia considero muito boa a tradução de JOÃO POLESSA DANTAS, que também assina a assistência de direção.

            Um destaque vai para GRINGO CARDIA, por seu trabalho na direção de arte, cenografia e programação visual.

            Boa a iluminação de MANECO QUINDERÉ.

            MARCELO PIES também foi muito feliz nos figurinos, que retratam bem a época em que se passa a peça.  De uma forma geral, não se notam grandes disparates entre a maneira de se trajar dos quatro em cena, entretanto foi reservado um destaque às roupas de Marta, o que combina com sua “importância”, como filha do reitor; em outras palavras, a que, por tabela, detém o poder naquele ambiente.

            Completa a composição dos personagens o bom visagismo, comedido, de FERNANDO TORQUATTO.

            Boa a trilha sonora de MARCELO ALONSO NEVES.



Cena de tensão
 

Raro momento de descontração

            EDWARD ALBEE, vivo ainda, aos 85 anos, afirmou, certa vez: “Se existir uma história daqui a alguns anos e eu fizer parte dela, atrevo-me a dizer que QUEM TEM MEDO DE VIRGÍNIA WOOLF? será a peça que melhor se identifica com o meu nome.”

            Assino embaixo, Mr. ALBEE, e recomendo muito esta encenação, que ficará em cartaz até o dia 22 de dezembro, no Teatro dos Quatro (Shopping da Gávea), sempre às 6ªs e sábados, às 21h, e aos domingos, às 20h.

 
(Fotos: divulgação e produção do espetáculo)
 

 

 

 

 

 

2 comentários:

  1. Bravooooo!!!!
    Não tinha pensado na pergunta que sua análise deixa no ar: a gente ri de quê?
    Verdade. Belo texto, Gilberto.

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  2. Rimos da desgraça alheia, mas aí nos damos conta que ela não é tão alheia assim. Ótima peça que depois de ter lido várias vezes tive o prazer de ver sua encenação. Parabéns pelo texto!

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