sábado, 23 de novembro de 2013


ZÉ TRINDADE – A ÚLTIMA CHANCHADA   -   HOMENAGEM A UM PEQUENO GRANDE COMEDIANTE e UMA VIAGEM AO MEU PASSADO.

 
 

            Desde que soube que um espetáculo que contaria a vida de ZÉ TRINDADE estava sendo produzido, comecei a me interessar pela peça e logo me veio à cabeça que ator interpretaria o personagem do grande humorista Mílton da Silva Bittencourt, já que seu “physique du rôle” não é facilmente encontrado entre nossos atores.  E teria de ser alguém com muito talento, à altura do .  Não conseguia me lembrar de ninguém, até ser noticiado que o papel seria vivido por nada mais, nada menos que PAULO MATHIAS JR.  A partir daí, aumentou minha ansiedade por assistir à peça.

"Cara de um, focinho do outro." (bordão popular)
 
            Além da vontade de ver o PAULO/ZÉ, um outro grande desejo de conferir essa homenagem a ZÉ TRINDADE me movia, um motivo sentimental: ZÉ TRINDADE marcou muito a minha infância e o início da minha adolescência, nos grandes humorísticos da extinta Rádio Mayrink Veiga, onde tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente, levado por meu velho e saudoso pai, com quem o artista viveu uma breve amizade, por conta das nossas idas àquela emissora, para assistir, ao vivo, aos programas humorísticos da época.  A Mayrink Veiga era uma estação de rádio simpática a Jango, e papai idem.  O “seu Oswaldo” conhecia várias pessoas da emissora, a qual fez parte da chamada Cadeia da Legalidade, uma rede nacional de estações de rádio, criada e comandada por Leonel Brizola, “para defender a democracia”.  Não por acaso, foi fechada, logo após o golpe militar de 1964, tendo sido muitos da sua direção e do seu “cast” presos e bem punidos, durante o período da ditadura militar.  Papai ia a reuniões e aos programas da emissora e me carregava com ele.  Grandes e belas recordações!  Por conta disso, lá, conhecemos ZÉ TRINDADE e outros grandes comediantes da época, com Matinhos, Antônio Carlos, Alegria, Tutuca...  ZÉ TRINDADE, porém, era o que mais se destacava, era o “Tarcísio Meira baiano”.
 
"Mulheres, cheguei!"

 

            Mas deixemos de digressões e saudosismos e falemos do espetáculo.  Como se diz, entre a gente de TEATRO, “curti” muito a peça, tanto que a recomendo a quem gosta de comédias leves e de espetáculos sem sofisticação.

            O texto, de ARTUR XEXÉO é simples, porém fiel aos fatos que marcaram a vida de ZÉ TRINDADE, desde seu nascimento até sua morte, cobrindo e explorando bem, tanto seus conflitos familiares como sua trajetória no rádio, no cinema, onde marcou mais a sua presença, e suas, quase bissextas, aparições na TV, por desejo próprio.

            XEXÉO optou, metalinguisticamente, por fazer iniciar sua história com ZÉ TRINDADE já morto, no Paraíso, ocupando uma determinada nuvem, a dos comediantes, já que aquele espaço havia sido dividido em “nuvens”, que reunissem falecidos com características afins.  Na nuvem que lhe coube, o nosso personagem vivia uma implicância constante com o “vizinho”, Charles Chaplin (não o personagem Carlitos), a quem julgava muito “chato”, por suas frases “filosóficas” e seus ensinamentos “caretas”.

            Um belo dia, , que desencarnara em 1990, recebe a chegada de DERCY GONÇALVES (ALICE BORGES), e os dois passam a aprontar no Paraíso, tendo a ideia fixa de ser transferido para uma outra nuvem.  Apelam, então, para São Genésio, padroeiro dos atores e de outros profissionais semelhantes a estes, que o envia à Terra, com a missão de convencer um jovem dramaturgo (RODRIGO NOGUEIRA), que já estava contratado para escrever uma peça sobre um grande artista, de que valeria a pena escrever um texto sobre a vido do consagrado humorista.
 
Zé Trindade e Dercy Gonçalves, "aprontando" no Paraíso.

            Após muitos percalços, ele consegue concluir, satisfatoriamente, a sua missão e retorna ao Paraíso, ganhando, como recompensa, uma transferência para a nuvem onde estava Cleusa, sua inseparável companheira de décadas de casamento, sempre reverenciada, com muito carinho, pelo personagem, ao longo do texto.

            Como se vê, não se trata de nenhum roteiro sofisticado, mas é, sim, um texto leve, sem grandes pretensões, bastante simples, porém bem construído e que presta uma bela e merecidíssima homenagem ao grande ator cômico, que tantas alegrias deu ao povo brasileiro, sempre na pele de um malandro mulherengo, provocando o nosso riso, com seus conhecidos bordões: O NEGÓCIO É PERGUNTAR PELA MARIA!;   MULHERES, CHEGUEI!;   COMO DISSE?  COMO DISSE?  COMO DISSE?;   O MEU NEGÓCIO É MULHER!;   COITADOS, ELES NÃO SABEM DE NADA!;   É LAMENTÁVEL!;   COMIGO É NO JILÓ! (seguia-se uma hilária soletração do vocábulo, que não tinha nada a ver com o próprio).  Além disso, eram bastante divertidos, do mesmo modo, uns sons que ele fazia com os lábios e sua postura, ajudada pela baixíssima estatura e pelo excesso de peso, concentrado, digamos assim, na região abdominal.  tirava muito partido de sua “geografia corporal”, outro termo que ele costumava usar.  Dei uma sonora gargalhada quando o personagem, dentro do texto de XEXÉO, diz, em certo trecho, uma piada que sempre acho muita engraçada e que me faz lembrar a primeira vez em que vi , ao vivo, a menos de cinco metros de mim, ainda adolescente, dizer: “MULHER É UM NEGÓCIO TÃO BOM, QUE, SE A GENTE JOGAR PAR CIMA, NÃO IMPORTA SE VAI DAR CARA OU COROA!”

            PAULO MATHIAS JR, um dos melhores atores de sua geração, interpreta, de forma magnífica, fantástica, ZÉ TRINDADE.  Merece a admiração e o respeito do espectador que entende de TEATRO a sua belíssima composição e interpretação do personagem, não só na arquitetura postural como na voz e nos trejeitos do consagrado cômico.  Deve ter dedicado muito tempo a essa observação.  Um belo trabalho de ator.  Não posso me valer de outro adjetivo para classificar sua atuação cênica: PERFEITO!
 
Quem é quem?
 

A ideia de reunir, no Paraíso, e DERCY GONÇALVES, eles, que não se “bicavam” muito, é genial.  Uma atriz para representar DERCY, tirante Fafy Siqueira, não deve ter sido tarefa fácil para o diretor, JOÃO FONSECA, o qual, muito acertadamente, conferiu a ALICE BORGES tal função.  Ela é uma atriz de grandes possibilidades cômicas, traz o humor nas veias e se dá muito bem com papéis de personagens escrachadas, já o tendo demonstrado em inúmeras outras peças.  Mas interpretar DERCY é um grande desafio, do qual ALICE sabe muito bem dar conta, e é responsável por ótimos momentos de humor na peça.  A maior prova de que se sai muito bem no papel foi dada, segundo consta, por um testemunho e um comentário positivo da própria filha de DERCY, após ter assistido ao espetáculo.  PAULINHO e ALICE formam, em cena, uma bela dupla de atores.

Completam o elenco, RODRIGO NOGUEIRA, HELGA NEMECZYK, RODRIGO FAGUNDES, ALEXANDRE PINHEIRO, NÊGA e LUÍSA VIOTTI, todos bastante competentes em seus papéis, alguns se desdobrando em mais de um.

Em cena, já que se trata de um musical, apenas dois músicos: MIG MARTINS e LUCAS LOUREIRO.  O suficiente para a proposta do musical.

Embora escrita por AUTUR XEXÉO, para chegar ao formato final, o texto contou com a pesquisa de HELENA CARONE.

A direção, mais uma competente, é de JOÃO FONSECA, o qual, sabendo que estava se envolvendo numa modesta produção, sem grandes bandas em cena, sem cenários “brodwaydianos”, sem figurinos de luxo etc., soube dar ao espetáculo um toque de simplicidade das chanchadas que consagraram ZÉ TRINDADE.  Bom trabalho! 

Na sua assistência e na direção de movimento, o diretor contou com o trabalho de RAFAELA AMADO, que vem se destacando nessa área e também em direções próprias.

A direção musical é do excelente instrumentista JOÃO BITTENCOURT, que se ateve ao mais simples e trivial trabalho, mas não menos interessante e correto, como o texto pede.

O cenário, de TECA FICHINSKI, também simples, apresenta pinturas do que seria o Paraíso, e também são utilizados alguns modestos móveis em cena, que entram e são retirados, de acordo com mudança de ambientação.

Os figurinos foram idealizados pela ESPETACULAR PRODUÇÕES E ARTES (NEY MADEIRA, DANI VIDAL e PATI FAEDO).

A iluminação cabe a DANI SANCHEZ.

O visagismo, elemento muito importante neste espetáculo, foi feito por WASHINGTON LIMA.  A caracterização de ZÉ TRINDADE é perfeita.

Há, ainda, em vídeo, uma participação de FRANÇOISE FORTON e FERNANDO CARUSO.

A idealização do espetáculo é de EDUARDO BARATA.
 
Paulo Mathias Jr. canta, dança e representa.
 
Para um país de memória curtíssima, quase que apenas instantânea, ZÉ TRINDADE – A ÚLTIMA CHANCHADA serve para acariciar a abrandar a memória daqueles que têm saudade de um humor ingênuo, nem um pouco apelativo, e para mostrar a quem nunca ouviu falar do a grandeza do talento desse grande artista.

Como diz o diretor do espetáculo, no programa da peça, quem sabe por quanto tempo, ainda, as pessoas vão se recordar dos grandes nomes do TEATRO BRASILEIRO, como Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Rubens Corrêa “e outros monstros sagrados”, assim como muita gente não se lembra mais, hoje, dos grandes ídolos das chancadas, como Oscarito, Grande Otelo, Violeta Ferraz, Ankito, Zezé Macedo, Sônia Mamede, estas duas, felizmente, resgatadas, pelo mesmo projeto que envolve ZÉ TRINDADE, por iniciativa do produtor EDUARDO BARATA, em dois espetáculos biográficos, A VINGANÇA DO ESPELHO, texto de Flávio Marinho, e A GAROTA DO BIQUÍNI VERMELHO, texto de Artur Xexéo, respectivamente? 

Que venham outros!  Por que não fazer um espetáculo, reunindo todos os grandes comediantes do rádio?  Uma reunião deles, “post-mortem”?  Podem, e devem, pôr em prática a ideia, XEXÉO e BARATA!

Parabéns a todos os envolvidos no projeto e obrigado por me trazer à memória os prazeres com que ZÉ TRINDADE povoou a minha infância/adolescência.

        
Helga Nemeczyk e Artur Xexéo, em noite de estreia.
   
           Alice Borges e seu pai, Antônio Pedro Borges, em noite de estreia.
 
 
SERVIÇO: A peça fica em cartaz no Centro Cultural dos Correios até o dia 1º de dezembro, de 5ª a domingo, sempre às 19h.
Paulo Mathias Jr., mas pode me chamar de Zé Trindade.



Alice Borges, Dercy Gonçalves, nas horas vagas.
 
 
 
 
(Fotos da produção/divulgação e de Marisa Sá)

 

 

 


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2 comentários:

  1. Não tive o privilégio de ver Zé Trindade a não ser já no fim da vida, em suas participações na TV ( que não gostava de fazer), mas a personagem Zé Trindade é muito forte e tenho marcada em minha memória. Também achei a representação de Paulo Mathias incrível. Muito singela também é sua memória afetiva que envolve seu pai, a rádio, o Zé. Bonito.

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  2. PARABÉNS PELA CRÍTICA, COMPLETA E PERFEITA!!!!
    O MUSICAL É LEVE, DIVERTIDO E TODOS OS ATORES ESTÃO DANDO SHOW!
    É BOM DEMAIS SAIR DE CASA E VOLTAR COM SORRISOS NOS LÁBIOS E NA ALMA, POR TER ASSISTIDO ESPETÁCULO TÃO ENVOLVENTE, CARINHOSO, DIVERTIDO E ENCANTADOR!

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