quarta-feira, 4 de junho de 2025

“TORTO ARADO

– O MUSICAL”

ou

(UMA METAFÓRICA ARIDEZ.)

ou

(UM RETRATO DO

BRASIL RURAL.)

 

 

 


 

         Confesso, até envergonhado, que, a convite de JULIANA ROSA (MNyemeir Assessoria de Comunicação), fui ao Teatro Riachuelo (RJ), para assistir ao espetáculo “TORTO ARADO – O MUSICAL”, completamente ignorante do que iria encontrar lá. Não conhecia o “best seller” que deu origem à peça, escrito, em 2019, por ITAMAR VIEIRA JÚNIOR. Fui cercado da maior curiosidade, sentindo-me o único a não conhecer a obra, pois muita gente me recomendava a peça e o livro, como se fossem “as últimas bolachas do pacote”. Não li o livro, mas o farei. Quanto à peça, fiquei assaz impactado e maravilhado com o que vi sobre as tábuas. E, felizmente, já sepultei a minha ignorância sobre a obra.




 

SINOPSE:

“TORTO ARADO – O MUSICAL” conta a história de duas irmãs, Bibiana (LARISSA LUZ) e Belonísia (BÁRBARA SUT), marcadas por um acidente de infância.

Elas vivem em condições de trabalho análogo à escravidão em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina, na Bahia.

Na adaptação teatral, uma nova personagem também protagoniza a cena, em relação à história original, a avó Donana (LÍLIAN VALESKA).

Nas profundezas do sertão baiano, as duas irmãs encontram uma velha e misteriosa faca numa mala guardada sob a cama da avó.

O objeto encanta tanto as meninas, que elas querem sentir o seu gosto e a lambem.

Brincam com ela e, então, ocorre um acidente e Belonísia acaba por cortar, profundamente, a língua, perdendo a capacidade de falar, enquanto Bibiana sofre um corte menor, também naquele órgão, mas se mantém falante.

E, para sempre, suas vidas estarão ligadas, a ponto de uma precisar ser a voz da outra.


 



         A primeira curiosidade gira em torno do título da peça. Por que “TORTO ARADO”? Várias leituras podem ser feitas sobre isso, todas muito próximas. O arado é uma ferramenta usada na lida do campo, na agricultura. O fato de ser “torto” tem ligação com a ideia de trabalho escravo, uma deformação do que deveria ser a realidade. Estando “torto”, ele não produzia o efeito esperado e penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada. Sendo assim, o título tem um significado profundo, que remete à história rural do Brasil, particularmente com respeito à escravidão e à desigualdade social. O arado, em si, é um símbolo de trabalho na terra, mas o “torto arado” indica um instrumento defeituoso, que não cumpre bem a sua função. Imperfeito, para a seu afazer, o arado pode simbolizar a dificuldade de progredir e a falta de oportunidades para as personagens e para a população rural brasileira. Esse título também representa a herança do passado colonial e da escravidão, o que continua a marcar a sociedade brasileira. Como a história se passa em uma fazenda na Bahia, onde as personagens vivem em condições precárias e sofrem com o desnível social, o título pode refletir esse contexto e a luta por sobrevivência das personagens. Em resumo, o título é uma metáfora, que expressa a história de trabalho forçado, desigualdade e a dificuldade de progredir no Brasil, especialmente no mundo rural. 






“O romance faz um recorte que ajuda a entender melhor o Brasil, sua história e os desafios de quem vive às margens da sociedade. É um retrato da realidade vivida por brasileiros que parecem ter sido esquecidos, seja em termos políticos, econômicos ou sociais.”




      O espetáculo aportou no Rio de Janeiro, completamente aclamado pelo público brasileiro, após duas temporadas, com sessões esgotadas, em Salvador e São Paulo. Já foi assistido por mais de 25 mil espectadores; e continua a repetir o sucesso por aqui. Não me ocupei em ler críticas de outros colegas, sobre a montagem, mas acredito que ninguém, com um olhar técnico, tenha cometido o “sacrilégio” de fazer qualquer comentário negativo acerca do espetáculo. Apenas um ligeiro “porém”, com “peso de algodão em rama”: apesar de não ser cansativo nem de apresentar “barrigas”, acredito que não seja necessário fazer qualquer corte de possíveis “gorduras”, contudo recomendaria um intervalo, transformando a peça em dois atos.




         O texto é muito interessante e muito bem escrito, com um viés épico e lírico, ao mesmo tempo, trazendo um recorte verdadeiro e significativo, que revela, para além de sua trama, uma história de vida e morte nas profundezas do sertão baiano, um poderoso elemento de insubordinação social, de combate e redenção. Questões delicadas e difíceis, como trabalho análogo à escravidão, racismo, violência de gênero, resistência, sobrevivência, disputa de terra, estrutura fundiária, bem como o universo da fé, o sincretismo religioso, magia, poesia e religiosidade em geral são abordados, no musical. Isso posto, somos levados a, infelizmente, aceitar a obra como atemporal, dado que, vez por outra, recebemos, com bastante tristeza e revolta, a informação de algo semelhante acontecendo em qualquer parte do Brasil, quiçá em outros países, mormente os latino-americanos. Além disso, não podemos negar que a obra coloca a Educação como fator de constituição subjetiva e de transformação da realidade social e cultural. Trata-se de uma bela contação de história.




         Sobre ELÍSIO LOPES JÚNIOR, é preciso dizer que se trata de um autor, roteirista, novelista, dramaturgo, diretor artístico, escritor, gestor cultural e ativista baiano, radicado no Rio de Janeiro. Creio que, salvo engano, não tinha visto nenhum trabalho anterior seu como diretor, mas já o conhecia em outras funções. Como dramaturgo, em Decameron e a Arte de Fornicar” (adaptação da obra de Giovanni Boccaccio), “A Menina Edith e a Velha Sentada (junto com Lázaro Ramos), e o musical Dona Ivone Lara - Um Sorriso Negro”. Como roteirista de cinema, conheço seu trabalho em “Medida Provisória, de 2022 e “Ó Paí, Ó 2, lançado em 2023 (colaborador).




        ELÍSIO se revelou, para mim, como um excelente encenador e grande diretor de atores, com belíssimas e criativas soluções para todas as cenas, por vezes, sugerindo mais do que revelando diretamente, o que me agrada bastante. Seu mérito é total, principalmente porque não é nada fácil “reger” um elenco de 22 pessoas, 16 atores e 6 músicos.




         O elenco é formado por artistas de consagrado saber teatral, principalmente em musicais, com destaque para as três protagonistas, LÍLIAN VALESKA, LARISSA LUZ e BÁRBARA SUT, o trio em empolgantes e viscerais representações, o que não significa que os demais do elenco também não sejam merecedores de muitos efusivos aplausos, pelo conjunto da obra interpretativa. Impressionou-me a força persuasiva de cada um em seus personagens, a verdade e a entrega de todos, das três protagonistas aos personagens menos importantes do enredo. Disse “aos personagens”; não aos atores.




         Na parte plástica, cogratulo RENATA MOTA, pela ótima cenografia, única, criativa e totalmente a serviço da encenação e BETTINE SILVEIRA, pelos belíssimos figurinos, merecedores de premiações. Incluo, nesta lembrança, o nome de LUCIANO REIS, o artista de criação responsável por um desenho de luz impecável e irrepreensível, bem divido e posicionado em cada cena. Se dependesse de mim, também seria digno de prêmios. Merece, também, um destacado comentário a direção musical, assinada por JARBAS BITTENCOURT, lembrando que a agradável trilha sonora, que pontua a peça, do início ao fim, é original. Responsável pela direção de movimento, um dos tantos pontos altos do espetáculo, “o diretor e coreógrafo Zebrinha ressalta a importância do movimento durante o espetáculo, baseado no Jarê – religiosidade do povo que permeia toda a trama”.




     "'TORTO ARADO – O MUSICAL' é um espetáculo de música popular brasileira, onde todos os ritmos e dinâmicas são nordestinas e ligadas ao cancioneiro do sertão nordestino interiorano, com interpretações e sonoridades totalmente brasileiras."

 

 



 

FICHA TÉCNICA:

Inspirado na obra literária “TORTO ARADO”, de Itamar Vieira Júnior

Dramaturgia: Elísio Lopes Júnior, Fábio Espírito Santo e Aldri Anunciação

Direção Artística: Elísio Lopes Júnior
Assistência de Direção: Ana Paula Bouzas, Ridson Reis e Ricardo Gamba

 

ELENCO: Donana e Santa Rita Pescadeira - LÍLIAN VALESKA; Bibiana - LARISSA LUZ; Belonísia - BÁRBARA SUT; “Cover” Bibiana e Dona Tonha - CAINÃ NAIRA; Maria Cabocla – RAYNNA; Zeca Chapéu Grande e Policial - DIOGO LOPES FILHO; Salustiana - DENISE CORREIA; Crispina, “Cover” Dona Tonha, Encantado e Carmelita - ÉRICA RIBEIRO; Hermelina, Crispiniana e Encantado - SUELI RAMOS; João do Lajedo, Aparecido e Encantado – OFALOWO; Servó, Tobias e Encantado - ANDERSON DANTTAS; Salomão, Prefeito Ernesto, Médico e Encantado - IVAN VELLAME; Sutério e Encantado – TARIQ; Estela, Firmina e Encantado - ANA BARROSO; Severo – GUIGGA; Saturnino, Policial e Encantado, Dance Captain (São Pulos) - JAI BISPO

 

Banda: João Mendes (violão, guitarra e regente), Artur Oliveira (percursão), Alana Gabriela (percursão), Talita Felício (baixo acústico e voz), Nilton Azevedo (flauta, clarinete e saxofone) e Joberson Macedo (teclados)

 

Direção Musical: Jarbas Bittencourt

Assistência de Direção Musical: Rosa Denise

Direção de Movimento: José Carlos Arandibo (Zebrinha)

Assistência de Direção de Movimento: Arismar Adoté

Cenografia: Renata Motta

Figurinos: Bettine Silveira

Iluminação: Luciano Reis

Desenho de Som: Paulo Altafim e Bruno Pinho

Associação Desenho de Som: Beatriz Martins

Preparação de Elenco: Ana Paula Bouzas

Preparação Vocal: Manuela Rodrigues e Tariq

Visagismo: Alberto Alves

Técnico em Efeitos Especiais – Bruno Rohde

Coordenação Geral e Idealização do Projeto: Fernanda Bezerra

Assistência de Coordenação Geral: André Oliveira

Técnica de Coordenação: José Raimundo

Coordenação de Produção Artística: Patrícia Oliveira

Assistência de Produção Artística: Kim de Vasconcelos e Araújo

Coordenação de Comunicação: Ariadiny Araújo

Gestão de Redes Sociais: Duane Carvalho

Direção de Palco: Cleiton Oliveira

Produção de Palco: Lucca Oliveira

Produção de Logística e Montagem: Michelle Diniz e Fernanda Cardonski

Fotografia: Caio Lírio


 

 


 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 17 de maio a 15 de junho de 2025.

Local: Teatro Riachuelo (RJ).

Endereço: Rua do Passeio, nº 38/40 – Centro – Rio de Janeiro.

Telefone: (21) 3554-2934.

Dias e Horários: 5ªs e 6ªs feiras, às 20h; sábados, às 16h e às 20h; domingos, às 16h.

Valor dos Ingressos: Plateia VIP - R$ 200 (inteira) e R$ 100 (meia-entrada); Plateia - R$ 170 (inteira) e R$ 85 (meia-entrada); Balcão Nobre - R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia-entrada); Balcão Superior - R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).

Vendas: https://www.ingresso.com/evento/torto-arado-o-musical#sessions ou na Bilheteria do Teatro.

Classificação Etária: 14 anos.

Duração: 160 minutos (sem intervalo).

Gênero: Musical.


 



O autor da trama original e seus adaptadores para o palco terminam a obra com um final não muito feliz, ou “feliz até a página 5”, e, de certo modo, meio aberto, porquanto uma determinada morte, que não vou revelar, para não dar “spoiler”, dá a entender que aquela comunidade não consegue superar os seus problemas de raiz, de maneira que a violência, a desigualdade social e a opressão continuam a marcar a vida das pessoas, nos vastos interiores deste país. Alguma mentira nisso?




Tivesse eu disponibilidade na agenda, reassistiria a esta peça, que há de marcar meu universo teatral; ou melhor, já marca. É obvio que RECOMENDO O ESPETÁCULO!

 

 

 

 

FOTOS: CAIO LÍRIO

 

 

 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!

 



















































































































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