“TORTO ARADO
– O MUSICAL”
ou
(UMA METAFÓRICA
ARIDEZ.)
ou
(UM RETRATO DO
BRASIL RURAL.)
Confesso, até
envergonhado, que, a convite de JULIANA
ROSA (MNyemeir Assessoria de Comunicação), fui ao Teatro
Riachuelo (RJ), para assistir ao espetáculo “TORTO ARADO – O MUSICAL”, completamente ignorante do que iria
encontrar lá. Não conhecia o “best seller” que deu origem à peça,
escrito, em 2019, por ITAMAR VIEIRA
JÚNIOR. Fui cercado da maior curiosidade, sentindo-me o único a não
conhecer a obra, pois muita gente me recomendava a peça e o livro, como se
fossem “as últimas bolachas do pacote”. Não li o livro, mas o farei.
Quanto à peça, fiquei assaz impactado e maravilhado com o que vi sobre as
tábuas. E, felizmente, já sepultei a minha ignorância sobre a obra.
SINOPSE:
“TORTO ARADO
– O MUSICAL” conta a história de duas irmãs, Bibiana (LARISSA LUZ) e Belonísia (BÁRBARA SUT), marcadas por um acidente de infância.
Elas vivem em condições de trabalho
análogo à escravidão em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina, na Bahia.
Na adaptação teatral, uma nova
personagem também protagoniza a cena, em relação à história original, a avó Donana
(LÍLIAN VALESKA).
Nas profundezas do sertão baiano, as
duas irmãs encontram uma velha e misteriosa faca numa mala guardada sob a cama
da avó.
O objeto encanta tanto as meninas, que
elas querem sentir o seu gosto e a lambem.
Brincam com ela e, então, ocorre um
acidente e Belonísia acaba por cortar, profundamente, a língua, perdendo a capacidade de
falar, enquanto Bibiana sofre um corte menor, também naquele órgão, mas se
mantém falante.
E, para sempre, suas vidas estarão
ligadas, a ponto de uma precisar ser a voz da outra.
A primeira curiosidade
gira em torno do título da peça. Por que “TORTO
ARADO”? Várias leituras podem ser feitas sobre isso, todas muito próximas.
O arado é uma ferramenta usada na lida do campo, na agricultura. O fato de ser “torto”
tem ligação com a ideia de trabalho escravo, uma deformação do que deveria ser
a realidade. Estando “torto”, ele não produzia o efeito
esperado e penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada.
Sendo assim, o título tem um
significado profundo, que remete à história rural do Brasil, particularmente com
respeito à escravidão e à desigualdade social. O arado, em si, é um símbolo
de trabalho na terra, mas o “torto arado” indica um instrumento
defeituoso, que não cumpre bem a sua função. Imperfeito, para a seu afazer, o arado pode simbolizar a dificuldade de
progredir e a falta de oportunidades para as personagens e para a população
rural brasileira. Esse título também representa a herança do passado colonial e
da escravidão, o que continua a marcar a sociedade brasileira. Como a história se passa em uma fazenda na Bahia, onde as personagens vivem em
condições precárias e sofrem com o desnível social, o título pode refletir
esse contexto e a luta por sobrevivência das personagens. Em resumo,
o título é uma metáfora, que expressa a história de trabalho forçado,
desigualdade e a dificuldade de progredir no Brasil, especialmente no
mundo rural.
“O romance
faz um recorte que ajuda a entender melhor o Brasil, sua história e os desafios
de quem vive às margens da sociedade. É um retrato da realidade vivida por
brasileiros que parecem ter sido esquecidos, seja em termos políticos,
econômicos ou sociais.”
O
espetáculo aportou no Rio de Janeiro, completamente aclamado pelo
público brasileiro, após duas temporadas, com sessões esgotadas, em Salvador
e São
Paulo. Já foi assistido por mais de 25 mil espectadores; e
continua a repetir o sucesso por aqui. Não me ocupei em ler críticas de outros
colegas, sobre a montagem, mas acredito que ninguém, com um olhar técnico,
tenha cometido o “sacrilégio” de fazer qualquer comentário negativo acerca do
espetáculo. Apenas um ligeiro “porém”, com “peso de algodão em rama”:
apesar de não ser cansativo nem de apresentar “barrigas”, acredito que não
seja necessário fazer qualquer corte de possíveis “gorduras”, contudo
recomendaria um intervalo, transformando a peça em dois atos.
O texto é muito
interessante e muito bem escrito, com um viés épico e lírico, ao mesmo tempo,
trazendo um recorte verdadeiro e significativo, que revela, para além de sua
trama, uma história de vida e morte nas profundezas do sertão baiano, um
poderoso elemento de insubordinação social, de combate e redenção. Questões
delicadas e difíceis, como trabalho análogo à escravidão, racismo,
violência
de gênero, resistência, sobrevivência, disputa de terra, estrutura
fundiária, bem como o universo da fé, o sincretismo
religioso, magia, poesia e religiosidade em geral
são abordados, no musical. Isso posto, somos levados a, infelizmente, aceitar a
obra como atemporal, dado que, vez por outra, recebemos, com bastante
tristeza e revolta, a informação de algo semelhante acontecendo em qualquer
parte do Brasil, quiçá em outros países, mormente os latino-americanos. Além
disso, não podemos negar que a obra coloca a Educação como fator de constituição
subjetiva e de transformação da realidade social e cultural. Trata-se de uma
bela contação de história.
Sobre ELÍSIO LOPES JÚNIOR, é preciso dizer
que se trata de um autor, roteirista, novelista, dramaturgo,
diretor
artístico, escritor, gestor cultural e ativista
baiano, radicado no Rio de Janeiro. Creio que, salvo
engano, não tinha visto nenhum trabalho anterior seu como diretor, mas já o conhecia
em outras funções. Como dramaturgo, em “Decameron e a Arte de Fornicar” (adaptação
da obra de Giovanni Boccaccio), “A
Menina Edith e a Velha Sentada” (junto com Lázaro Ramos), e o musical “Dona Ivone Lara - Um Sorriso Negro”. Como roteirista
de cinema, conheço seu trabalho em “Medida Provisória”, de 2022
e “Ó Paí, Ó 2”, lançado em 2023 (colaborador).
ELÍSIO
se revelou, para mim, como um excelente encenador e grande
diretor de atores, com belíssimas e criativas soluções para todas as cenas, por
vezes, sugerindo mais do que revelando diretamente, o que me agrada bastante.
Seu mérito é total, principalmente porque não é nada fácil “reger” um elenco de 22 pessoas,
16 atores e 6 músicos.
O elenco é formado por
artistas de consagrado saber teatral, principalmente em musicais, com destaque
para as três protagonistas, LÍLIAN
VALESKA, LARISSA LUZ e BÁRBARA SUT, o trio em empolgantes e
viscerais representações, o que não significa que os demais do elenco também não
sejam merecedores de muitos efusivos aplausos, pelo conjunto da obra
interpretativa. Impressionou-me a força persuasiva de cada um em seus personagens,
a verdade e a entrega de todos, das três protagonistas aos personagens menos
importantes do enredo. Disse “aos personagens”; não aos atores.
Na parte plástica, cogratulo
RENATA MOTA, pela ótima cenografia,
única, criativa e totalmente a serviço da encenação e BETTINE SILVEIRA, pelos belíssimos figurinos, merecedores de premiações. Incluo, nesta
lembrança, o nome de LUCIANO REIS, o artista de criação responsável por um desenho de luz impecável
e irrepreensível, bem divido e posicionado em cada cena. Se dependesse de mim, também seria digno de prêmios. Merece, também, um destacado comentário a direção musical, assinada por JARBAS BITTENCOURT, lembrando que a
agradável trilha sonora, que pontua a peça, do início ao fim, é original. Responsável pela direção de movimento,
um dos tantos pontos altos do espetáculo, “o diretor e coreógrafo Zebrinha ressalta a
importância do movimento durante o espetáculo, baseado no Jarê –
religiosidade do povo que permeia toda a trama”.
"'TORTO
ARADO – O MUSICAL' é um espetáculo de música popular
brasileira, onde todos os ritmos e dinâmicas são nordestinas e ligadas ao
cancioneiro do sertão nordestino interiorano, com interpretações e sonoridades
totalmente brasileiras."
FICHA TÉCNICA:
Inspirado na
obra literária “TORTO ARADO”, de Itamar Vieira Júnior
Dramaturgia:
Elísio Lopes Júnior, Fábio Espírito Santo e Aldri Anunciação
Direção Artística:
Elísio Lopes Júnior
Assistência de Direção: Ana Paula Bouzas, Ridson Reis e Ricardo Gamba
ELENCO:
Donana e Santa Rita Pescadeira - LÍLIAN VALESKA; Bibiana - LARISSA LUZ;
Belonísia - BÁRBARA SUT; “Cover”
Bibiana e Dona Tonha - CAINÃ NAIRA; Maria Cabocla – RAYNNA; Zeca Chapéu Grande
e Policial - DIOGO LOPES FILHO; Salustiana - DENISE CORREIA; Crispina, “Cover” Dona Tonha, Encantado e
Carmelita - ÉRICA RIBEIRO; Hermelina, Crispiniana e Encantado - SUELI RAMOS;
João do Lajedo, Aparecido e Encantado – OFALOWO; Servó, Tobias e Encantado - ANDERSON
DANTTAS; Salomão, Prefeito Ernesto, Médico e Encantado - IVAN VELLAME; Sutério
e Encantado – TARIQ; Estela, Firmina e Encantado - ANA BARROSO; Severo – GUIGGA;
Saturnino, Policial e Encantado, Dance Captain (São Pulos) - JAI BISPO
Banda: João
Mendes (violão, guitarra e regente), Artur Oliveira (percursão), Alana Gabriela
(percursão), Talita Felício (baixo acústico e voz), Nilton Azevedo (flauta,
clarinete e saxofone) e Joberson Macedo (teclados)
Direção
Musical: Jarbas Bittencourt
Assistência
de Direção Musical: Rosa Denise
Direção de
Movimento: José Carlos Arandibo (Zebrinha)
Assistência
de Direção de Movimento: Arismar Adoté
Cenografia:
Renata Motta
Figurinos:
Bettine Silveira
Iluminação:
Luciano Reis
Desenho de
Som: Paulo
Altafim e Bruno Pinho
Associação Desenho de Som: Beatriz
Martins
Preparação
de Elenco: Ana Paula Bouzas
Preparação
Vocal: Manuela Rodrigues e Tariq
Visagismo:
Alberto Alves
Técnico em Efeitos Especiais – Bruno Rohde
Coordenação Geral e Idealização do Projeto: Fernanda Bezerra
Assistência de Coordenação Geral: André Oliveira
Técnica de Coordenação: José Raimundo
Coordenação de Produção Artística: Patrícia Oliveira
Assistência de Produção Artística: Kim de Vasconcelos e Araújo
Coordenação de Comunicação: Ariadiny Araújo
Gestão de Redes Sociais: Duane Carvalho
Direção de Palco: Cleiton Oliveira
Produção de Palco: Lucca Oliveira
Produção de Logística e Montagem: Michelle Diniz e Fernanda Cardonski
Fotografia: Caio Lírio
SERVIÇO:
Temporada: De 17 de maio
a 15 de junho de 2025.
Local: Teatro Riachuelo
(RJ).
Endereço: Rua do
Passeio, nº 38/40 – Centro – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3554-2934.
Dias e Horários: 5ªs e
6ªs feiras, às 20h; sábados, às 16h e às 20h; domingos, às 16h.
Valor dos Ingressos:
Plateia VIP - R$ 200 (inteira) e R$ 100 (meia-entrada); Plateia - R$ 170
(inteira) e R$ 85 (meia-entrada); Balcão Nobre - R$ 120 (inteira) e R$ 60
(meia-entrada); Balcão Superior - R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).
Vendas: https://www.ingresso.com/evento/torto-arado-o-musical#sessions ou na Bilheteria do Teatro.
Classificação Etária: 14
anos.
Duração: 160 minutos
(sem intervalo).
Gênero: Musical.
O autor da trama original
e seus adaptadores para o palco terminam a obra com um final não muito feliz,
ou “feliz
até a página 5”, e, de certo modo, meio aberto, porquanto uma
determinada morte, que não vou revelar, para não dar “spoiler”, dá a entender
que aquela comunidade não
consegue superar os seus problemas de raiz, de maneira que a violência, a
desigualdade social e a opressão continuam a marcar a vida das pessoas, nos
vastos interiores deste país. Alguma mentira nisso?
Tivesse eu disponibilidade na agenda, reassistiria a esta peça, que há de
marcar meu universo teatral; ou melhor, já marca. É obvio que RECOMENDO O ESPETÁCULO!
FOTOS: CAIO LÍRIO
É preciso ir ao
TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo,
visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre
mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há
de melhor no TEATRO brasileiro!
Emocionante♥️
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