sexta-feira, 11 de abril de 2025

“RAY - VOCÊ NÃO

ME CONHECE”

ou

(O LADO ESCURO

DE UM MITO.)

OU

(DE, E COM, DORES

E TRISTEZA,

SE CONSTRÓI

UMA FAMA.)

 


         Já perseguia o musical “RAY - VOCÊ NÃO ME CONHECE”, desde quando ele esteve em cartaz em São Paulo, porém, por conta de incompatibilidades entre as nossas agendas, não consegui assistir ao espetáculo, o que só pude fazer no “33º FESTIVAL DE CURITIBA”, muito recentemente. Acertou bastante a curadoria do “FESTIVAL”, quando, com muito empenho e sacrifício, conseguiu incorporar, à programação do megaevento, um musical de alto porte e importância, como este.



 

 

SINOPSE:

         O espetáculo se resume numa homenagem ao consagrado artista RAY CHARLES, baseada num livro homônimo de seu filho, RAY CHARLES JR..

         No dia seguinte ao enterro do ídolo da canção norte-americana, seu filho, o JR., num encontro fictício, se depara com o fantasma de seu pai dentro de casa.

         Em uma atmosfera de reencontro, os dois passam a limpo questões nunca mencionadas entre eles.

         Um acerto de contas entre o famoso gênio da “soul music” e do “jazz” e seu anônimo primogênito.

         Um espetáculo íntimo e musical sobre amor e paternidade, esta exercida ao jeito do grande artista, não necessariamente como deveria ser.

A peça, um musical biográfico, conta a história do consagrado músico, negro e deficiente visual, desde sua infância, com uma trajetória incrível, como artista e ativista.

A peça mergulha na vida e na obra de RAY CHARLES, explorando não apenas os desafios e conquistas de sua vida e carreira, mas, sobretudo, a complexa relação entre pai e filho.


 

 



           Trata-se de um espetáculo que encanta e emociona, sobremaneira, tanto os que conhecem a obra do artista como os que, por qualquer motivo, não têm referências sobre ela e, principalmente, sua conturbada vida. A propósito deste último aspecto, LETÍCIA SOARES, um dos pontos altos da encenação, durante uma coletiva de imprensa no “FESTIVAL”, sobre o grande protagonista da peça, aconselhou as pessoas a verem seus ídolos, antes de tudo, como seres humanos, o seu lado “fraco”, como quaisquer outros iguais, cheios de defeitos, fraquezas e medos, contrastando com suas qualidades artísticas. “Não se aproximem muito do mito, para não se decepcionarem.”, disse ela. E é o que vemos em cena.



 

         Quem ainda não assistiu à peça poderá achar que verá mais um musical biográfico, “engessado” em formatos e modelos tradicionais, nesse gênero, entretanto, preparem-se para assistir – Ele voltará ao cartaz e há chances de que venha a ser apresentado no Rio de Janeiro e em outras praças, pelo que muito torço e conto com a “forcinha” dos DEUSES DO TEATRO – a uma montagem “sui generis”, graças à brilhante ideia do diretor do espetáculo, RODRIGO PORTELLA, colocando quatro atores se revezando na interpretação do protagonista e o filho, este representado, na infância, por um encantador menino de 8 anos, com uma inteligência cênica e fora do palco de causar inveja a muitos adultos. Falo do pequeno CAIO SANTOS, que só não seguirá a carreira de ator se não o desejar, visto que talento natural já apresenta de sobra. CAIO roubou a cena durante a já citada coletiva de imprensa. RODRIGO, que acumula grandes espetáculos de estrondoso sucesso, os quais já lhe renderam muitos prêmios, é um dos meus diretores prediletos, o melhor de sua geração, certamente.



 

        A prodigiosa ideia de PORTELLA concede à peça muito dinamismo e desperta, mais ainda, o interesse do público pela narrativa, que engloba tanto os momentos de glória da vida do artista como também os percalços vividos em 73 anos de existência.



 

 Extraído da Wikipédia, enciclopédia “livre”, com devidas omissões deliberadas e adaptações, Ray Charles Robinson nasceu em Albany, cidade do estado de Nova Iorque, a 23 de setembro de 1930, tendo falecido em Los Angeles, no dia 10 de junho de 2004. Pianista, compositor e cantor, é considerado um dos artistas mais icônicos e influentes da história e foi, frequentemente, referido, pelos contemporâneos como “O Gênio”. Entre amigos e colegas músicos, preferia ser chamado de “Brother Ray”. Sua cegueira foi adquirida na infância, aos 7 anos de idade, possivelmente devido a um glaucome. CHARLES foi o pioneiro da "soul music", durante a década de 1950, combinando estilos de “blues, jazz, rhythm and blues e gospel nas canções que gravava. Também contribuiu (para) e influenciou deveras a música country" e a "pop", durante a década de 1960, tendo emplacado vários “hits” nas paradas de sucessos, canções as quais, até hoje, embalam os românticos, como “Stella By Starlight”, "I Can't Stop Lovin You", seu maior sucesso, e “Georgia On My Mind”, esta a minha favorita, apresentada, na peça, com um arranjo belíssimo, que me levou às lágrimas.


Ray Charles - foto da internet, autoria desconhecida.


RAY teve uma origem humilde e ficou órfão, de pai e mãe, na adolescência, quando teve que aprender a “se virar sozinho”. Se, por um lado, frequentou as manchetes por sua divina arte, é fato que também era mencionado por seus problemas com drogas pesadas, como a heroína, principalmente, e pelos muitos relacionamentos que vivenciou. Teve 12 filhos, com 9 mulheres diferentes, notório mulherengo que era. RAY CHARLES casou-se, oficialmente, apenas duas vezes.




“RAY – VOCÊ NÃO ME CONHECE” é daqueles espetáculos que marcam a vida de quem ama o TEATRO e a música, sendo, portanto um fã de musicais, como eu. Uma infinidade de motivos me impelem a afirmar que RECOMENDO O ESPETÁCULO, COM O MAIOR EMPENHO, razões que fixarei nos próximos parágrafos.




  A dramaturgia e a direção, de RODRIGO PORTELLA, são dois dos principais motivos para o credenciamento da peça, bem como a excelente FICHA TÉCNICA do musical, pesando mais a excelência do elenco. Também a qualidade do livro, embrião da peça, focado em detalhes importantíssimos, como a origem pobre do protagonista e sua escalada ao sucesso e à riqueza, o peso do racismo, as inseguranças do artista e seu comportamento pessoal, nada ortodoxo. O grande desafio deste musical, assumido pelo diretor, é fazer com que mais de um ator viva os mesmos personagens, Ray e o filho, o que poderia, até facilmente, confundir o espectador, risco que não ocorre, por conta da preciosidade da direção. Mas é preciso que o espectador esteja muito atento às ações, para não se confundir.




Da forma como o musical foi construído, com um ótimo texto, aliado a elementos plásticos de extrema qualidade – cenografia e direção de arte (GUSTAVO GRECO), figurinos (KAREN BRUSTTOLIN) e iluminação (GABRIELE SOUZA) -, além de uma “setlist” de altíssimo bom gosto, ele consegue prender a atenção do público desde os primeiros momentos e assim se mantém até o final, alicerçado por um grandioso elenco, no qual destaques não faltam, como todos os atores que interpretam pai e filho e LETÍCIA SOARES, no papel da primeira esposa de Ray. A propósito dos que representam Ray Charles, FLÁVIO BAURAQUI é o único a viver o fantasma do artista falecido e, de todos, mais me encantaram, na interpretação, CÉSAR MELLO e o ator e músico da banda, LUIZ OTÁVIO, que também é deficiente visual.




Apesar de abordar temas robustos, como o inadmissível preconceito racial, tão forte nos Estados Unidos da época em que se passa a trama, bem como um posicionamento misógino, não notei, no desenvolvimento do enredo, nada que pudesse marcá-lo como um espetáculo panfletário, que ergue bandeiras de forma austera, ainda que deixe escapar situações que envolvam uma posição política severa.


 

  Na parte musical, além de todos os atores que cantam, merecem destaque duas coisas: a participação de um trio - LU VIEIRA, LUCI SALUTES e ROBERTA RIBEIRO, formando um coro que valoriza o espetáculo, fazendo excelentes inserções musicais, e a presença, no palco, de uma corretíssima banda, formada pelo já citado LUIZ OTÁVIO, DAN MOTTA, JONAS RICARTE, JOHNY CAPLER, RAMON MEDINA e RAFAEL GOMES, que acompanham os atores ao vivo, sob a perfeita direção musical de CLAUDIA ELIZEU e ANDRÉ MUATO, também responsáveis pelos belos arranjos musicais.




 

  Não poderia deixar de incensar o trabalho do ator mirim CAIO SANTOS, já aqui mencionado, que, apesar de ser uma criança, já demonstra bastante senso profissional.





 

         Contribuindo para uma integração garantida entre palco e plateia, há, em todo o decorrer do espetáculo, a quebra da quarta parede, em momentos perfeitamente propícios a esse tipo de situação. No caso, louve-se a pertinência de tal ideia, pelo fato de, em alguns momentos, essa quebra se dar com o objetivo de que seja feita uma descrição de alguma coisa (audiodescrição feita pelos próprios atores), como detalhes do cenário e dos figurinos ou de algo importante na cena, para os espectadores desprovidos de visão. “Para que todos possam ‘ver’...”.



 

      Nada pode justificar o lado oculto e escuro de Ray Charles, seu eu críptico, a sua dependência das drogas, que ele achava que lhe favorecia a criação artística, muito menos o seu comportamento quase amoral, com relação a seus amores e aos filhos que pôs no mundo, entretanto, sem querer “passar pano”, mas pondo em prática a empatia, penso no que se passava na cabeça de um negro e cego, órfão muito cedo, vítima do racismo, “jogado às feras”, passando por tantas privações, vindo de uma origem pobre, transformado num homem rico e famoso. Seria preciso muita estrutura interior, para não se deixar levar para a promiscuidade e os erros.



 

           Não posso omitir, de forma alguma, o nome de FELIPE HERÁCLITO LIMA, idealizador do espetáculo, um homem muito sensível e com um “faro apurado” para o sucesso, como ator e produtor.




 

 

 

FICHA TÉCNICA:

Idealização: Felipe Heráclito Lima
Dramaturgia: Rodrigo Portella

Direção: Rodrigo Portella
Direção Musical e Arranjos: Claudia Elizeu e André Muato

Elenco Adulto: Cesar Mello, Sidney Santiago, Abrahão Costa, Luiz Otavio, Augusto Pompeo, Leticia Soares, Luci Salutes, Lu Vieira e Roberta Ribeiro
Elenco Infantil: Caio Santos

Músicos: Luiz Otávio, Dan Motta, Jonas Ricarte, Johny Capler, Ramon Medina e Rafael Gomes

Cenografia e Direção de Arte: Gustavo Greco
Figurinos: Karen Brusttolin

Iluminação: Gabriele Souza
Preparação Corporal: Carmem Luz
Visagismo: Fabiane Monteiro
Tecladista e Músico Ensaiador: Dan Mota
Diretora Assistente: Glaucia da Fonseca
Programação Visual: Beto Martins
Fotos: Annelize Tozetto
Consultoria de Dramaturgia: Luh Mazza
Colaboração de Dramaturgia: Milla Fernandez
“Sound Design”: André Breda
Coordenação Geral: Maria Angela Menezes
Direção de Produção: Amanda Menezes
Produção Executiva: Juliana Domingos
Assistente de Produção: Carol Camelo
Manutenção de Mídias Sociais: Jéssica Christina
Captação de Apoios: Gerardo Franco
Gestão de Projeto e Prestação de Contas: Felipe Valle, Mariana Sobreira (Fomenta Soluções Culturais)
Supervisora de Projeto: Juliana Trimer
Analista de Projetos Incentivados: Thiago Monte
Assistente de Projetos: Bayron Alencar
Apoio Institucional: Fundação Dorina Nowill


 






       “RAY – VOCÊ NÃO ME CONHECE” faz parte do meu “top 5”, no “FESTIVAL DE CURITIBA”, ao lado de “Daqui Ninguém Sai”, “Rei Lear”, “Encantado” e “O Céu da Língua”, este o melhor de todos os espetáculos a que assisti.

 

 







 

(NOTA: Foi muito difícil escolher as fotos ilustrativas desta crítica, em função da extrema qualidade do trabalho de ANNELIZE TOZETTO.) 


FOTOS: ANNELIZE TOZETTO

 

 

 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro! 



























































































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