“FESTIVAL
DE CURITIBA”
“DAQUI NINGUÉM SAI”
ou
(TRIBUTO A UM MESTRE DOS CONTOS.)
ou
(ACIDEZ E CRÍTICA SOCIAL DO PAPEL
AO PALCO.)
Como é sabido, o Brasil não é um país que
cultive a memória de seus artistas, com raras e honrosas exceções. Um dos
maiores injustiçados, sem dúvida, é DALTON
TREVISAN, que considero um dos maiores contistas da literatura brasileira
do século
XX. Em minhas saudosas aulas de literatura ou de interpretação de
textos, sempre me utilizava de seus contos, para trabalhar, em sala de aula,
sua escrita, o que era muito bem recebido pelos alunos, os quais, facilmente,
reconheciam o grande talento do escritor, contando com a minha vibração e
incentivo. Sempre fui um grande admirador e conhecedor de sua obra.
Foto rara de Dalton Trevisan
(autoria desconhecida).
DALTON
nasceu em Curitiba, em 14 de junho de 1925, e faleceu, aos 99
anos, na mesma cidade, em 9 de dezembro de 2024, poucos meses
antes de completar um século de existência. Para comemorar o centenário e o
acervo do grande escritor, o “TEATRO DE
COMÉDIA DO PARANÁ” (TCP) montou um espetáculo, para ser apresentado,
gratuitamente, no “33º FESTIVAL DE CURITIBA”, peça que recebeu o título de “DAQUI NINGUÉM SAI”, o qual reúne
partes de mais de 50 contos e trechos inéditos da correspondência particular do
autor, além de revelar, ao público, os percursos de criação,
montagem e transformação de uma obra literária em TEATRO. A peça tem direção
geral de NENA INOUE.
TREVISAN, em seu comportamento como ser humano, guardava uma
semelhança com o “modus vivendi” do poeta Carlos Drummond de Andrade, seu
contemporâneo: tinha uma natureza reservada e não gostava de dar entrevistas,
procurando manter-se mais em casa, sem sair para conviver com terceiros e sem
exposição pública. Seu estilo de escrita era muito chegado à economia de
palavras: escrevia pouco e comunicava muito, pela força expressiva dos
vocábulos que escolhia e por tudo quanto sugeria nas entrelinhas. Era dono de
um humor ácido, cáustico e muito natural, aproximando-se, por vezes, do
mórbido. Não à toa, era conhecido como “O Vampiro de Curitiba”, título de
um de seus mais conhecidos contos, que também dá nome a um livro seu. "Uma Vela para Dario" é meu conto preferido.
O autor, vencedor de prêmios
literários importantes, como o “Jabuti”, o “Camões” e o “Machado
de Assis”, sempre se inspirava em habitantes de sua cidade, o que “gerou
personagens e situações de significado universal, em que as tramas
psicológicas e os costumes são recriados por meio de uma linguagem concisa e
popular, que valoriza os incidentes do cotidiano sofrido e angustiante”. Por se utilizar dos
personagens anônimos que observava, em alguns momentos, senti a peça meio “datada”,
fazendo sentido apenas para os espectadores locais, o que, em absoluto, apaga o
brilho da montagem.
Curiosamente, renegava duas de suas primeiras
obras, por não identificar qualidade nelas, os livros "Sonata ao Luar" (1945) e "Sete Anos de Pastor" (1948). Confesso que, menos por ler seus livros e mais
por ver seus contos encenados, em vários momentos, me parecia estar vendo e
ouvindo Nelson Rodrigues. Há um quê de rodriguiano na obra de DALTON. Ambos foram contemporâneos e
parecem ter matado parte da sede na mesma fonte.
Houve quem comentasse, à saída, que melhor teria
sido se a peça fosse mais curta, com o que não concordo. Pelo contrário, eu
seria capaz de ficar me deliciando com mais daquelas histórias. Por oportuno,
cumprimento quem fez a seleção dos textos, na pele de quem eu não gostaria de
estar, pois deve ter sido um sofrimento muito grande ter que abrir mão de
tantos outros textos interessantes da lavra de DALTON.
Por ocasião de sua morte, assim se pronunciou, em nota oficial, a Secretaria de Cultura de Curitiba: “TREVISAN desvendou, como poucos, as complexidades humanas e as angústias cotidianas da vida urbana. DALTON retratou, com crueza a, solidão, os dilemas morais e as contradições da classe média, com um olhar atento para os excluídos e marginalizados. ‘O Vampiro de Curitiba’ criou uma obra enraizada na capital paranaense, elevando suas ruas e seus bairros a verdadeiros personagens. Livros como ‘O Vampiro de Curitiba’, ‘A Polaquinha’ e ‘Cemitério de Elefantes’ revelam uma Curitiba sombria, mas também lírica, onde a banalidade do cotidiano convive com dramas intensos.” Acrescento eu: DALTON TREVISAN soube, como ninguém, explorar o universo mundano e real da capital paranaense, não se preocupando em poupar quem quer que fosse.
SINOPSE:
"DAQUI NINGUÉM SAI", nova montagem do TCP do Teatro Guaíra, com direção geral de NENA INOUE, celebra o centenário e a obra do contista DALTON TREVISAN, recentemente falecido.
A peça leva à cena mais de 50 contos e trechos de cartas inéditas do autor, desvelando os mecanismos de transformação de uma obra literária em TEATRO.
12 atores e atrizes conduzem a plateia pelo universo daltoniano, que, em certos momentos, pode ser cruel e violento e, em outros, provocador e bem-humorado.
O
espetáculo superou todas as minhas expectativas, que já eram muitas, pela
cuidadosa escolha dos textos, a direção inventiva, de NENA INOUE, o trabalho de interpretação de um excelente elenco, de 12 atores e atrizes, dos quais eu só conhecia,
salvo engano, num palco, fora da TV, Simone Spoladore. Os demais da
companhia, todos nivelados pelo mesmo sarrafo, são conhecidos dos curitibanos e
me proporcionaram um grande prazer em os conhecer. Digo, sem exagero, que todos,
sem exceção, estão próximos a ocupar um lugar no Olimpo dos atores.
A
configuração da peça se dá em pequenos quadros, independentes, porém, de certa
forma, interligados, apresentados da forma mais dinâmica possível, como um “Teatro
de bolso”, alicerçado por elementos cênicos bem simples e populares –
cenografia e figurinos -, contudo servindo a todas as cenas, com um
destaque para a sempre correta luz de um mestre, BETO BRUEL. Cada nova cena é uma
surpresa diferente, levando o público a dar boas risadas. Espero, porém, que,
como por trás daquele humor, flutuam críticas sociais contundentes, ao voltar
para as suas casas, cada espectador possa ter refletido sobre aquilo que o fez rir e
pensar numa maneira de amenizar um pouco as mazelas que se apresentam em nossos
caminhos, e que possamos reagir de outra forma, diferente daquela em que,
normalmente, nos manifestamos. E, mais ainda, que tenham se deixado deliciar
com os escritos de DALTON TREVISAN e
procurem ler seus inúmeros livros.
Ficha Técnica:
Dramaturgia e Assistência de Direção: Henrique Fontes sobree contos de Dalton Trevisan
Pesquisa Literária:
Fabiana Faversani
Direção: Nena Inoue
Elenco (por ordem
alfabética): Carol Mascarenhas, Fábyo Rolywer, Laís Cristina, Madu Forti, Paula Roque, Paulo Chierentini, Sidy
Correa, Simone Spoladore, Trava Da Fronteira, Val Salles, Wenry Bueno e Zeca Sales
Cenografia: Carila
Matzenbacher
Cenotécnico: Fabiano
Hoffmann
Figurinos: Verônica Julian
Iluminação: Beto Bruel
Preparação Vocal: Babaya
Integração Somática: Carlos
Cavalcante
Composição Musical: Grace
Torres e Lilian Nakahodo
Composição “As Mocinhas do Passeio”: Paulo
Chierentini
Composição “Maria Bueno”: Grace Torres, Lilian Nakahodo e
colaboração do elenco
Composição “Perdido”: Madu Forti e Zeca Sales
Projeção Mapeada: Ivan
Soares
Preparação Coreográfica: Rapha
Fernandes
Tradução para Libras:
Papo Traduções Artísticas e Taé Libras e Cultura
Tradutores em Cena: Nathan
Sales e Talita Grünhagen
Intérpretes de Libras: Beatriz
Reni, Elisa Maganhoto, Jamille de Jesus, Lais Guebur, Letícia Guebur, Nathan Sales, Ravena Abreu
e Talita Grunhagen
Assistente de Iluminação: Anry
Aider
Assistente de Figurino: Cristina
Rosa
Costureira: Doralice Peron
Assistente de Produção: Daniel
Militão e Guilherme Jaccon
Coordenação Geral: Diego
Bertazzo
Fotografia: Vitor Dias e Kraw
Penas
FOTOS DE CENA: Annelize Tozetto
Identidade Visual: Marcos
Minini
Ilustrações: Poty
Lazzarotto
Comunicação: Fernanda
Maldonado, Silvane Maltaca e Stephanie D’ornelas
Realização: Centro
Cultural Teatro Guaíra, Secretaria de Estado da Cultura e Governo do Estado
do Paraná
·
Ter só uma boa ideia não é o suficiente. É preciso que ela seja muito
bem elaborada e executada, o que se deu na montagem deste espetáculo, o qual,
além de ser muito inspirador e pertinente, recebeu o maior cuidado de todos os
envolvidos no projeto. O resultado, como não poderia deixar de ser, foi o Teatro
Guairinha superlotado, lotação esgotada; 472
pessoas aplaudindo, euforicamente, o espetáculo. Gostaria de ter tido a
oportunidade de assistir a ele mais uma vez e espero que entre em temporada e
que possa, também, viajar pelo Brasil, levando a obra de um dos
melhores literatos brasileiros, mormente como contista.
FOTOS:
ANNELIZE TOZETTO
É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!
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