terça-feira, 5 de novembro de 2024

 

“NEBULOSA DE BACO”

ou

(DA ARTE DE FINGIR

E ACREDITAR

NO FINGIMENTO.)

ou

À PROCURA

DE UMA IDENTIDADE.

 

 


         Quase um mês fora do país e uma necessidade enorme de pôr em dia a minha agenda teatral no Brasil. Aos poucos, vou conseguindo dar conta dos 26 convites recebidos, durante o tempo em que estive fora. Não sei se conseguirei assistir a todas as peças. Do dia 23 passado até ontem, consegui assistir a dez espetáculos, com algumas marcantes frustrações, infelizmente, o que me causa grande tristeza. Por outro lado, quatro OBRAS-PRIMAS e outras três que quase pintaram no meu caminho com a mesma classificação. Uma dessas peças impecáveis foi a que assisti na última 4ª feira (30/11/2024), “NEBULOSA DE BACO”, no Teatro 1, recém-inaugurado, após reforma, do CCBB - Rio de Janeiro, que, muito merecidamente, deveria receber o nome de “Sala Sibéria”, de tão frio que estava o ambiente. Levem bons agasalhos, porque foi um suplício ser obrigado a suportar a gélida temperatura do sistema de ar-condicionado, naquela noite. Deve ter havido algum problema técnico, que espero já tenha sido sanado. Se o espetáculo não fosse uma OBRA-PRIMA, creio que muita gente teria deixado o Teatro. Talvez, até mesmo, eu.



         Desde sua estreia, venho recebendo a indicação e os maiores elogios à montagem de “NEBULOSA DE BACO”, mas sempre com uma advertência, ou sei lá que nome dar a isso: “Não vá, pensando em ‘A Aforista’, porque é uma coisa totalmente diferente da outra”, dito no sentido de qualidade, em que a segunda ficasse a dever à primeira. “A outra” é “A Aforista”, com texto e direção de MARCOS DAMACENO, o qual executa as mesmas tarefas na montagem aqui analisada. Em “A Aforista”, a atriz também era a mesma de agora, ROSANA STAVIS, uma de duas da montagem em tela. Tratava-se “a outra” de um solo, no qual a atriz era acompanhada por dois pianistas clássicos, de talento indescritível. Como se eu pensasse que iria ao CCBB RJ (Teatro 1) para assistir a “A Aforista – 2 – O Regresso da Atriz Fenomenal”. Ainda não cheguei a tal grau de idiotice ou demência.



         É óbvio que eu sabia que a peça era uma segunda proposta, diferente da anterior, e achava que seria tão boa quanto “a outra”. E era (É) mesmo!!!, ainda que não haja, em mim, o menor desejo de estabelecer comparações entre as duas, o que seria uma comparação entre duas coisas totalmente díspares. O meu palpite sobre uma excelente qualidade da nova peça da CIA. STAVIS - DAMACENO existia, sim, já antes de eu ter ido ao Teatro, naquela noite, por conta das duas ou três leituras que havia feito do “release” da peça, a mim chegado pelas mãos de NEY MOTTA, assessoria de imprensa. Também achava muito difícil, quase impossível, DAMACENO escrever um texto ruim e, menos ainda, que nos apresentasse uma direção “quadradinha ou tortinha”. Sobre ROSANA, não pairava a menor dúvida de que eu assistiria a mais um magnífico trabalho de interpretação uma das melhores atrizes deste país, sediada em Curitiba. Talvez – ideia minha - se residisse no eixo Rio/São Paulo, já estivesse até estrelando algum folhetim global, que lhe renderia muita fama, o que nem sei se seria seu desejo. ROSANA STAVIS me pareceu sempre ser uma ATRIZ DE TEATRO; e continua parecendo. Mas é que os “espiões”, os “cata-talentos”, os produtores de elenco das emissoras de televisão, alguns meus amigos, costumam frequentar mais os Teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo.



A minha grande dúvida, na FICHA TÉCNICA da peça, tinha nome e sobrenome: HELENA DE JORGE PORTELA, que nem nome de atriz me parecia ter - lembrava-me mais nome de personagem de novela de TV - e que, até tê-la visto em cena, não passava de uma ilustre desconhecida para este crítico. Acontece que, naquela noite, meus olhos, ouvidos e o coração inteiros tiveram que se dividir entre a beleza do texto, a sua milimetricamente medida arquitetura teatral; a direção; os demais elementos de criação; e, sobretudo dois talentos indiscutíveis: ROSANA STAVIS e HELENA DE JORGE PORTELA.



Quando soube que a peça teria duas atrizes e que uma delas seria ROSANA STAVIS, pensei em quem poderia dividir o palco com aquela diva das tábuas. Vieram-me, aleatoriamente, à cabeça alguns nomes, mas achei que nenhuma delas, por motivos vários, aceitaria o convite. Não conhecia HELENA e fiquei, deveras, curioso, para saber quem teria “pique!” e coragem, para, em cena, trocar passes com a consagrada ROSANA, vencedora de tantos prêmios e indicações a outros, mas, depois de ter assistido à montagem, cheguei à conclusão de que não poderiam ter encontrado companheira de cena mais bem preparada do que HELENA  DE JORGE PORTELA.


 


SINOPSE:

A peça traz à cena duas mulheres, expondo a “confusão” de serem elas mesmas, mas também de serem outras, inventadas, atrizes, vivendo outras realidades, que, às vezes, são mais verdadeiras do que a própria verdade.

A dramaturgia parte da “confusão” provocada pelo excesso de informações, de muitas situações acontecendo ao mesmo tempo, tudo embaralhado, e a velocidade com que nós, consumidores desse excesso de mídias, sem moderação, temos que processar o que passa da medida.

Assim, a peça discute manipulações mentais e abusos emocionais, em diferentes situações, que todos nós sofremos, em tempo real.

Em “NEBULOSA DE BACO”, duas mulheres, que também são atrizes, estão em seus “habitats naturais” – que são as salas de ensaio, “espaços fascinantes, de caos e criação”, para MARCOS DAMACENO, diretor da peça, onde atrizes, reconhecidamente fortes, revelam suas fragilidades e inseguranças – com a tarefa de convencer a si mesmas a acreditar em si mesmas, ao mesmo tempo em que tentam entender e dar andamento aos preparativos de uma peça, que se equilibra entre o riso e o choro, repleta de confusões e ansiedades, próprias da cabeça de todo ser humano do século 21, entre o que é e o que não é, o que parece que é, mas também não é, entre o que é verdade e o que é manipulado, ou mera narrativa, entre o que é realidade e o que é ficção, ou imaginação. 

 



Não é uma SINOPSE simples de ser compreendida, o que exige, mais ainda, a atenção do espectador, no decorrer da encenação. É um texto extremamente inteligente, "complicado", contudo simples de ser entendido, quando sai das bocas da dupla de atrizes, e que conduz o leitor a nenhuma “confusão” de verdade. Esta é apenas aparente; antes, provoca, em quem assiste à peça, muito material para reflexões e superlota de informações importantíssimas as nossas cabeças, tão iguais às daquelas duas personagens fantásticas, por meio das quais o autor do texto não poupou a oportunidade de criticar os próprios atores, cobrando-lhes mais coerência e menos fantasia, na construção dos personagens. Durante 80 minutos, não se ouve o nome de nenhuma das duas personagens. Isso, porque uma é “A Atriz” e a segunda, “A Outra Atriz”. Vejo nessa determinação do autor a ideia de criar “carapuças elásticas” que possam caber nas cabeças de quaisquer atores/atrizes.



         Ouvi, antes de ter ido ver a peça, um ou outro comentário improcedente com relação ao tempo de duração da peça (80 minutos), nada absurdo; porque, em determinados momentos “o texto se torna chato”, repetitivo; poderiam ter cortado algumas coisas”. Tais comentários são desprovidos de bom senso, apreciação estética e mais uma porção de outras carências, as quais não permitem a essas poucas pessoas – mas elas existem – a percepção de que tudo - absolutamente tudo – o que é dito e repetido se faz necessário, tem um porquê. E que é exatamente essa repetição que pode fazer parecer mais longo o texto. Mas todas as falas são justíssimas, perfeitas; e, acima de tudo, necessárias.



         MARCOS DAMACENO teve a brilhante ideia de criar uma dramaturgia em que duas mulheres, duas atrizes, uma explicitamente apresentada; outra sugerida, como uma “coach” - palavra do momento, que eu odeio e que me remonta a “cocheira” - parecem agir e ser de formas diferentes, entretanto têm os mesmos interesses e guardam os mesmos vícios dos atores, suas fraquezas e incertezas, em geral. Como convencer o outro, a sua parceria cênica, de que ele/a está diante de alguém que não existe, mas está no palco, sendo outra pessoa. Alguém que não é ele/a mesmo/a, mas que também não é o outro? Como alguém pode se convencer, primeiro a si próprio, para, depois, aos pagantes, os quais podem ter ido ao TEATRO para dormir (Adorei a crítica.) e/ou para chorar. Ou, talvez, para passar o tempo ou fazer as vezes de acompanhante de alguém? Como convencer alguém de que TEATRO é uma “verdade de brincadeirinha”?



Marcos Damaceno
(Fonte: Redes Sociais.)

         Como sou amante da metalinguagem, não tinha como não vibrar de alegria diante daquela encenação. Ver o TEATRO dentro do TEATRO. E como também me agrada o que hoje “está na moda”, o chamado TEATRO autoficcional, uma forma de encenação que utiliza relatos pessoais como instrumento criativo! Na autoficção, o autor explora o teor de uma biografia, por meio do texto ficcional, sendo que sempre é o texto literário que está em primeiro plano. Nesse tipo de TEATRO, o ator intensifica o seu eu, enaltecendo as suas próprias características, para colocá-las em cena. O objetivo é tornar-se o mais eu possível, para que ocupe toda a sala de TEATRO e alcance o público. É tentar fazer como, por meio de uma “verdade maior”, a emoção domine, mais rápida e fortemente, o espectador.



No que diz respeito à receptividade do público, com relação ao TEATRO autoficcionalparece que as plateias, cada vez mais, vêm preferindo histórias reais, vividas pelos próprios de um elenco, a saborear puras ficções, saídas de uma mente fértil e brilhante de um “inventor de histórias”, por mais curiosas e interessantes que sejam. O público parece estar mais "voyeur" que nunca. NEBULOSA DE BACO” é um ótimo exemplo de tudo isso, em que características já inseridas totalmente no TEATRO moderno, atraem o público, tudo reunido num texto só; num excelente texto só, que consegue amalgamar discussões sobre manipulações mentais e abusos emocionais, em diferentes situações, que todos nós sofremos, em tempo real.



A direção está em total consonância com as propostas do texto, não fossem o autor e o diretor a mesma pessoa. As marcações são acertadíssimas e a ideia de levar as ações para uma sala de ensaios, como cenário, também criado por DAMACENO (Salas de ensaio = espaços fascinantes de caos e criação, segundo DAMACENO.), não poderia ter sido melhor pensada. Afinal de contas, é nessas salas que brotam e florescem as produções teatrais. Como está no já citado “release”, são elas os “habitats naturais” dos atores, diretores e artistas de criação. São como um “útero teatral” onde é gestado um “filho”. Há todo um clima especial para que “duas mulheres, que também são atrizes, reconhecidamente fortes, revelem suas fragilidades e inseguranças – com a tarefa de convencer a si mesmas a acreditar em si mesmas, ao mesmo tempo que tentam entender e dar andamento aos preparativos de uma peça, que se equilibra entre o riso e o choro, repleta de confusões e ansiedades  próprias da cabeça de todo ser humano do século 21; entre o que é e o que não é; o que parece que é, mas também não é; entre o que é verdade e o que é manipulado; ou mera narrativa, entre o que é realidade e o que é ficção, ou imaginação.” (Texto, quase repetitivo – entrei na onda -  extraído do “release”, com pequenas adaptações.)



O espectador pode, com esta peça, tentar entender, um pouco, o que se passa na cabeça de um ator, durante o processo de dar vida a um personagem, até que ponto o artista consegue administrar uma determinada “confusão mental”, ainda que sem exageros. É preciso pôr rédeas na “confusão” de serem elas mesmas, mas também de serem outras, inventadas. No caso, aqui, são duas atrizes, vivendo outras realidades, que, às vezes, são mais verdadeiras do que a própria verdade.



O interessante nome do espetáculo tem inspiração na astronomia e na mitologia. As nebulosas são onde nascem as estrelas, são os berços das estrelas. Assim, o “NEBULOSA DE BACO”, da Cia. Stavis-Damaceno, é o lugar onde nascem as estrelas de TEATRO, sendo Baco (romano) o deus do TEATRO, equivalente a Dionisio – grego).



         Passam, com louvor e total facilidade, pelo meu modesto crivo todos os elementos que, reunidos, ergueram este espetáculo. Só para, também ser repetitivo, muito intencionalmente, o texto é um primor, assim como a direção, a cenografia. E quando BETO BRUEL nos deu, dá ou dará motivos para críticas negativas aos seus trabalhos? Jamais!!! A luz de BRUEL funciona da forma mais objetiva e criativa possível, além de, plasticamente, linda e funcional. KAREN BRUSTOLIN optou por um figurino único, para “A Outra Atriz”, visto que a personagem já traz prontos os seus conceitos sobre o TEATRO e o que é “ser atriz”. Pelo menos, aparenta. Roupa de trabalho, de ensaio. Por outro lado, numa das laterais do palco, como parte do cenário, vê-se uma “arara”, com várias sofisticadas peças de vestuário, assim como perucas, botas e outros acessórios. Esse guarda-roupa não está lá por acaso. “A Atriz”, durante o ensaio, troca de “looks” algumas vezes, como se, por meio de experimentos, procurasse uma ajuda, para o encontro e a criação de sua personagem, o que me faz lembrar muitos amigos meus, atores e atrizes, que vivem a repetir que só encontram o tom correto do personagem depois de já dentro do figurino, o que, para mim, pelo menos, faz sentido, pois já vivi tal experiência.



         Reservei, para o final, os comentários sobre o trabalho da dupla de atrizes. Não há protagonistas, porque ambas se apresentam assim, em tal posição. De ROSANA STAVIS, não esperava outra coisa, pelo conjunto de sua obra, uma atriz que dispensa epítetos, visto que todos os positivos, que já existem registrados oficialmente, lhe cabem e ainda sobra espaços para outros, que possam surgir, em forma de neologismos. ROSANA se metamorfoseia no palco, uma verdadeira atriz camaleônica, que, por hábito da profissão, dos muitos anos “de janela”, mantém, em qualquer espetáculo, um equilíbrio, total controle de corpo, expressões faciais e voz marcantes e expressivíssimas. Isso não seria nenhuma novidade ver no palco. E eu vi. E aplaudi.



O que me deixou pasmo, no melhor sentido possível, e extremamente feliz e me vendo mais recompensado, ainda, por ter assistido à peça, foi ter constatado que HELENA DE JORGE PORTELLA atua como uma “sombra” de ROSANA, seguindo os seus passos, em tudo de positivo que vem da veterana atriz. Que atriz esplêndida é HELENA, a qual já entrou para a minha seletíssima cadernetinha com os nomes de grandes artistas. É linda e tem uma postura cênica invejável. Uma voz que é um bálsamo para os nossos ouvidos. Ela já é uma moça alta, em termos de estatura, mas a atriz/personagem "crescem" em cena. Sua preparação para interpretar “A Atriz” não lhe poupou esforços e cobranças, e o resultado é o melhor possível, no conjunto final do espetáculo.       

 



FICHA TÉCNICA:

Texto: Marcos Damaceno

Direção: Marcos Damaceno

 

Elenco: Rosana Stavis e Helena de Jorge Portela

 

Cenário: Marcos Damaceno

Figurino: Karen Brusttolin

Iluminação: Beto Bruel

Visagismo: Claudinei Hidalgo

Produção Executiva: Bia Reiner

Produção de Cenários: Carla Berri

Assistente Administrativo / Financeiro: Edilaine Maciel

Produção Local (RJ):  Bárbara Montes Claros  

Assessoria de Imprensa: Ney Motta

Fotos: Renato Mangolin (fotos oficiais) e Nanda Rovere (avulsas)

Criação e Produção: Cia. Stavis - Damaceno

 


 


SERVIÇO:

Temporada: De 12 de outubro a 24 de novembro de 2024.

Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB Rio de Janeiro) – Teatro I.

Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66 – Centro - Rio de Janeiro.

Informações: (21) 3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br

Dias e Horários: De 4ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 18h.

Valor do ingresso: R$ 30 (inteira) e R$15 (meia-entrada). (Estudantes, maiores de 65 anos e Clientes Ourocard pagam meia-entrada.)

Ingressos adquiridos na bilheteria do CCBB ou antecipadamente pelo site https://ccbb.com.br/rio-de-janeiro

Funcionamento do CCBB Rio: De 4ª feira a domingo, das 9h às 20h (Fecha às 3ªs feiras).

bb.com.br/cultura.com.br | facebook.com/ccb

Duração: 80 minutos.

Classificação Etária: 18 anos.

b.rj | instagram.com/ccbbrj | tiktok.com/@ccbbcultura

Atendimento à Imprensa: Ney Motta | Contemporânea Comunicação e Cultura - Assessoria de imprensa para Artes e Espetáculos.

Assessoria de Imprensa CCBB RJ: Giselle Sampaio - gisellesampaio@bb.com.br | 21

 


 


         Nada mais a comentar, apenas a minha "intimação": Não deixem de assistir a mais esta grande montagem do casal ROSANA STAVIS e MARCOS DAMACENO! Recomendo muito o espetáculo!!!

 

 


 

 

FOTOS: RENATO MANGOLIN (Oficiais)

(Fotos adicionais: Nanda Rovere.) 

 

 

 

GALERIA PARTICULAR:


 


 



Com Rosana Stavis.

 


Com Helena de Jorge Portela.




Com Rosana Stavis e Marcos Damaceno.





VAMOS AO TEATRO!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!

RESISTAMOS SEMPRE MAIS!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!

 

 

 

 






 





 

 






 







































 





































































































Nenhum comentário:

Postar um comentário