sábado, 7 de janeiro de 2023

 “A LISTA”

ou

(UM "PRESENTE" DEIXADO

POR UMA PANDEMIA.)








      Abertos, para mim, os trabalhos para a temporada teatral carioca de 2023, na noite de ontem, dia 06 de janeiro, com o espetáculo “A LISTA”, no Teatro dos 4, Shopping da Gávea, um “presente” que a pandemia de COVID-19 deixou para os amantes do bom TEATRO. Pode soar estranho, mas é a pura verdade. Existe uma explicação para isso.



    Fechados todos os Teatros do Brasil, em 13 de março de 2020, compulsoriamente, como uma das medidas de controle de um terrível vírus, ficamos carentes do nosso lazer preferido - o meu, pelo menos -, vivendo a incógnita de quando voltaríamos a frequentar as salas de espetáculo; ou se. Desalento total. Desesperança plena e, com o passar do tempo, o que achávamos que poderia durar umas duas semanas, ou um mês, ou dois, se desenhou como algo horroroso, capaz de transformar, radicalmente, o nosso dia a dia, as nossas vidas. Naquela altura, já achávamos que a nossa existência, no planeta Terra, de volta a “ser” redondo, a partir do dia 02 próximo passado, jamais seria a mesma. Instaurava-se um “novo normal”, do qual fazia parte o TEATRO virtual, que eu resolvi chamar de “experimentos cênicos virtuais”. Espetáculos eram montados e apresentados, “on-line”, a um público que não se conformava com o afastamento, imposto, de sua forma mais desejada de um convívio social e cultural – para mim, com certeza.



      Foi quando surgiu “A LISTA”, texto escrito por um excelente dramaturgo, GUSTAVO PINHEIRO, que, de há muito, eu já admiro, desde seu primeiro trabalho encenado, “A Tropa”, até hoje em cartaz, desde de março de 2016, já se encaminhando para o sétimo ano. A montagem aqui analisada conta com a direção de GUILHERME PIVA, trazendo, no elenco, a consagrada atriz LILIA CABRAL, ao lado, pela primeira vez, de sua filha, GIULIA BERTOLLI. Era maio de 2020 e a peça foi apresentada no palco do Teatro PetraGold, antigo Teatro do Leblon (Sala Marilia Pêra). Assisti ao espetáculo, que "era teatro", mas não era TEATRO (Já me cansei de explicar o porquê dessa minha posição, quanto a esses “experimentos”, e não vou perder mais tempo, agora, com isso.). Mas era o que tínhamos para aquele momento. Foi útil e importante. Começou a ser encenado sem público e, depois, passou a receber uma diminuta plateia, de poucas dezenas de corajosos espectadores, dispostos a enfrentar o vírus e arriscar as próprias vidas. Não foi o meu caso, embora tivesse sido convidado, mais de uma vez, para conferir a peça ao vivo, até no momento em que asapresentações não estavam abertas ao público e apenas uma meia dúzia de pessoas era(m) os privilegiados espectadores.



       Tão logo, pela primeira vez, assisti àquela experiência, pela TV (Vi a peça três vezes, na versão virtual.), senti-me arrebatado pelo texto e pela interpretação de mãe e filha, que entrei em contato com o meu amigo GUSTAVO e, praticamente, o desafiei / “intimei” a aumentar o texto – só durava cerca de 50 minutos, naquela versão -, para que pudesse ser montado, como “TEATRO de verdade”, assim que nos livrássemos daquela “praga assassina”. Ele me disse que já estava pensando naquilo e que o faria, o que me deixou profundamente menos triste. Sem a menor dúvida, “A LISTA” foi uma das poucas coisas merecedoras de meus aplausos, das cerca de trezentas a que assisti, sem sair de casa, naquele ano.


Gustavo Pinheiro

(Foto: autoria desconhecida.)



    Os teatros voltando a receber público, ainda de forma parcimoniosa, a peça estreou em São Paulo, em março de 2022, numa carreira brilhante, chegando ao Rio depois de ter sido aplaudida por mais de 30.000 pessoas, em oito meses de temporadas paulistas, na capital e em outras cidades, como Santos, Jundiaí, Campinas e Campos do Jordão, reverenciadíssima, pelas plateias e incensada, muito merecidamente, pela crítica especializada, chegando a ser indicada em três categorias, no “Prêmio Bibi Ferreira 2022”: Melhor Atriz (Lilia Cabral), Melhor Atriz Coadjuvante (Giulia Bertolli) e Melhor Dramaturgia de Peça em Teatro (Gustavo Pinheiro). O texto da peça já está chegando às livrarias, em poucos dias, editado pela “Coleção Dramaturgia” (Editora Cobogó).



A montagem de “A LISTA”, como está no “release”, que me chegou às mãos via ADRIANA BALSANELLI, assessora de imprensa do espetáculo, é o resultado de um longo processo e nasceu com o intuito de ajudar os profissionais da área teatral que ficaram sem trabalhar, devido ao isolamento social, numa iniciativa de outra grande atriz, Ana Beatriz Nogueira. Passou por algumas experimentações, e foi ganhando corpo, com o passar do tempo. A versão “on-line” conquistou mais de 170 mil espectadores. Esse processo de amadurecimento do espetáculo já atingiu seu ápice e, certamente, pelo Rio de Janeiro, a peça estará disputando outros prêmios de TEATRO.



É muito interessante ver como o público interage e se identifica com as duas personagens, “tal a comunicabilidade da peça e a dramaturgia clara, eficiente, sonora, divertida e emocionante” (Extraído do “release”; palavras de LILIA CABRAL). Também observei isso na plateia que superlotava o Teatro dos 4, na noite de estreia, para convidados. Com o público pagante, não será diferente, e voltarei a assistir ao espetáculo, quando ratificarei o que estou dizendo agora. O texto fala sobre afeto e solidão e pode ser considerado “uma crônica do Brasil”, na visão de GUSTAVO PINHEIRO, com o que concordo plenamente. O dramaturgo escolheu, como “set” das ações criadas por ele, o bairro carioca de Copacabana, “uma grande metáfora do Brasil, com seu melhor e pior, passado e presente coabitando o tempo todo” (Novamente, GUSTAVO PINHEIRO.). Copacabana é um bairro onde está concentrada uma enorme população de pessoas idosas, como a protagonista deste espetáculo, as mais atingidas, com a maior certeza, pela devastadora pandema.



 

SINOPSE:

LILIA CABRAL interpreta Laurita, já entrada nos sessenta anos, uma aposentada professora do Estado, depois de 35 anos de magistério, como ela vive a repetir, que, por força das circunstâncias, se vê obrigada a estabelecer contato com a vizinha, a jovem Amanda (GIULIA BERTOLLI), uma cantora lírica, em início de carreira, a qual, num gesto de solidariedade, se ofereceu para fazer as compras dos idosos do prédio habitado pelas duas personagens.

O encontro das duas detona um turbilhão de sentimentos, lembranças e descobertas que marcarão suas vidas para sempre.


 



        As duas mulheres são completamente opostas, tendo, apenas, como ponto em comum, o fato de viverem fechadas intimamente. A vida de Laurita se resumiu a viver do passado; uma saudosista que não consegue enxergar Copacabana com suas “modernidades”. Em homenagem ao grande e saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade, ilustre morador do bairro e que, hoje, ainda se encontra lá, eternizado, em forma de uma estátua, sentado num banco do calçadão, parafraseio, aqui, versos do seu poema “Confidências de um Itabirano”: “Itabira é apenas uma fotografia na parede. / Mas como dói!”. Troquemos a cidade natal do bardo por Copacabana. Ela também o é, na cabeça de Laurita. A construção de um hotel moderno obstruiu a única visão, ainda que muito parcial, que a personagem tinha do mar, símbolo maior do bairro da zona sul do Rio de Janeiro, talvez o mais expressivo cartão postal do Brasil, ao lado do Pão de Açúcar e do Cristo Redentor. Agora, para aquela senhora, a presença do mar só lhe é lembrada pelo barulho de suas ondas. Através do som, a personagem “enxerga”. Uma verdadeira metáfora da passagem do tempo e dos “prejuízos” trazidos pelo progresso.



Laurita mora sozinha, depois de ter sido abandonada pelo marido. Tem uma filha que, apesar de morar na mesma cidade, pouco a procura. Laurita detesta o genro. Essas três informações devem levar os que me leem, e ainda não tiveram a oportunidade de assistir à peça, a já ir percebendo quão difícil é o temperamento da sexagenária, a qual, apesar disso, tem um humor acentuado, ácido, por vezes, o que provoca muitas boas gargalhadas do público, ainda que por conta de alguns pensamentos e falas bizarros, esdrúxulos, considerados “politicamente incorretos”.  A professora não teve outra saída, a não ser se integrar numa nova “família”, as amigas do “zap”. Ela acredita em tudo o que “dá no zap” ou no que o “tio Google” apresenta como verdade absoluta, sem checar a veracidade das informações. vive, portanto num "mundo paralelo". O egoísmo é outro traço marcante de sua personalidade.



AMANDA é “uma mulher ainda mais fechada, muito séria, dura nas atitudes, politicamente correta e se incomoda com as incorreções de Laurita”, como GIULIA a vê, e eu também. Vive meio “na defensiva” – ainda GIULIA, sobre sua personagem. O encontro entre as duas é um retrato de um choque de gerações, em que a jovem, por mais estranho que possa parecer, das duas, é a que mais procura entender o comportamento da outra, embora, como já disse, seja uma crítica dele. Isso, porém, não consegue impedir que nasça, entre elas, “uma variedade de sentimentos, como afeto, medo, soberba, segurança e insegurança, as sensações pelas quais passamos durante toda a pandemia” – é GIULIA quem acrescenta. A personagem consegue reprimir um desagradável sentimento, sempre que Laurita não a trata pelo nome, Amanda, usando sempre o vocativo “menina”. Só quase no final da peça, Laurita consegue enxergar Amanda, no corpo da “menina”. A senhora não se mostra nem um pouco grata, pelo incomensurável favor, que lhe presta a jovem, achando que era uma espécie de “obrigação” e sempre reclamando, porque a “menina” não se atinha à “LISTA”, incapaz de reconhecer os malabarismos que a moça fazia para agradar àquela exigente e ranzinza pessoa.



A montagem presencial é, de certa forma, modesta, como também foi a virtual, em termos de plasticidade, o que não lhe rouba o brilhantismo. Creio que seja um reflexo de todas as dificuldades pelas quais o TEATRO, no Brasil, infelizmente, vem passando, principalmente nos último quatro anos, os quais devem ser sepultados. Mas o importante é que os artistas resistem, se reinventam e se ajudam, reciprocamente, para que o público não fique órfão de bons espetáculos. Cenários e figurinos sem nenhuma exuberância, mas que atendem aos propósitos do texto, ambos assinados por J. C. SERRONI. Estes são bem simples, de acordo com os trajes vestidos por duas personagens como aquelas, no seu cotidiano. A cenografia é dividida em dois setores. A sala de estar do apartamento de Laurita apresenta um mobiliário bem franciscano, em termos quantitativos e qualitativos, usando o consagrado cenógrafo o essencial para identificar um cômodo do apartamento, deixando, ao público, o prazer de imaginar o restante dos elementos que compõem o ambiente. A partir de um determinado momento, na peça, surge, ao fundo, pintada, a visão da praia de Copacabana, com o Pão de Açúcar em destaque, com direito a uma reprodução da já referida estátua de Carlos Drummond de Andrade, não em pintura.



WAGNER ANTONIO é o responsável por uma correta iluminação, simples, por natureza, e MARCIA RUBIN também se faz presente, na FICHA TÉCNICA, como a responsável pela direção de movimento, igualmente merecedora da minha aprovação. Embora não conste, nessa FICHA TÉCNICA, o nome do responsável pela trilha sonora, rendo-lhe minha homenagem, pelo bom gosto e pela relação que há entre as canções selecionadas e o bairro de Copacabana.



 GUILHERME PIVA imprime um bom ritmo, no seu trabalho de direção, sabendo tirar proveito de todos os ricos detalhes que o texto, de GUSTAVO PINHEIRO, propõe, principalmente os implícitos nos excelentes diálogos. PIVA se preocupou bastante em deixar claros “três momentos vividos na peça”, marcados e realçados pelos cenários e pela alternância na iluminação. “Além do passado e do presente, há um terceiro, que mostra um futuro utópico, o qual deixa a trama mais aberta na compreensão do espectador.” - palavras de GUILHERME PIVA.


Guilherme Piva

(Foto: autoria desconhecida.)


E o que dizer do trabalho de duas atrizes tão sensíveis e competentes, como LILIA CABRAL e GIULIA BERTOLLI? É comovente e verdadeiro. A cumplicidade, inevitável, que há entre mãe e filha, em casa, é transferida para o palco, potencializada pelas duas personagens, ainda que tão díspares, o que valoriza, mais ainda, o trabalho de ambas. O resultado não poderia ter sido outro. Aplaudo as duas, de pé, e com gritos de “BRAVE!” – plural de “BRAVA!”, em italiano, como deve ser empregada a extrema saudação positiva, de aplauso. “BRAVO!”, para uma pessoa, no masculino singular; “BRAVA!”. para uma pessoa, no feminino singular; “BRAVI!”, para várias pessoas, um elenco inteiro, desde que haja, pelo menos, um homem, entre os aplaudidos; e “BAVE!”, para duas ou mais mulheres (Apenas uma informação, prestada por um “chato detalhista”, a quem não esteja, talvez, nem um pouco interessado/a nela.).




O espetáculo é marcado, da primeira à última cena, por muita emoção e ótimo humor, sem dúvida, os responsáveis maiores por prender a atenção da plateia, a qual demonstra sua aprovação, da mesma forma como eu reagi, com efusivos aplausos a todos os que contribuíram para que a peça fosse levantada. Creio que isso aconteceu em todas as praças percorridas pela montagem, porém acredito que, a peça é bem “a cara do Rio de Janeiro”, que lhe confere “um sabor e um colorido diferentes”, como afirma LILIA CABRAL.



 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Gustavo Pinheiro

Direção: Guilherme Piva

 

Elenco: Lilia Cabral e Giulia Bertolli


Cenários e Figurinos: J.C. Serroni

Iluminação: Wagner Antônio

Direção de Movimento: Marcia Rubin

Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes

Fotografia: Priscila Prade 

Programação Visual: Gilmar Padrão Jr

Direção de Produção: Celso Lemos

 

 




SERVIÇO:

Temporada: de 06 de janeiro até 26 de março de 2023.

Local: Teatro dos 4.

Endereço: Rua Marquês de São Vicente, nº 52, loja 264 – 2º piso do Shopping da Gávea – Gávea – Rio de Janeiro.

Telefone: (21)2239-1095.

Horários: 6ªs feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h.

Valor dos Ingressos: R$120,00 (inteira) R$60,00 (meia entrada).

Duração: 80 minutos. 

Classificação Etária: 12 anos.

Gênero: Comédia Dramática. 




 

       Sem a menor sombra de dúvidas, não poderia ter iniciado de melhor forma a temporada 2023 de TEATRO, no Rio de Janeiro, e é óbvio que recomendo, com o maior empenho, este ótimo espetáculo.


 

 

   FOTOS: PRISCILA PRADE.

 

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