terça-feira, 9 de julho de 2019


EU SEMPRE
SOUBE...

(MAIS QUE UM BOM ESPETÁCULO TEATRAL,
UM SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA.)






            Por sorte e “armação” dos DEUSES DO TEATRO, tenho assistido, nos últimos tempos, a excelentes espetáculos teatrais. Isso é ótimo, por um lado, porém me deixa muito aflito, ansioso, uma vez que gostaria de poder escrever sobre todos, mas a minha briga contra o tempo não há quem a aparte. O jeito é não ser tão profundo e detalhista, que é a minha marca, como crítico teatral, e tentar escrever pouco e dizer muito sobre aquilo que me agradou. É assim que espero me portar neste momento. Espero...

            “EU SEMPRE SOUBE” é uma peça que está em cartaz no Teatro Dulcina (VER SERVIÇO) e é daqueles espetáculos que merecem ser vistos pelo maior número de pessoas, principalmente os pais de quem pertence ao universo LGBTQI+, em especial, os que têm dificuldade de aceitar a prática sexual de seus(suas) filhos(as). Ele agrega informação e lazer e nos emociona muito, pela temática, pelo texto, em si, e pela ótima interpretação de ROSANE GOFMAN. Só ela no palco? Sim. É um monólogo. Mais um, dos ótimos a que tenho assistido nos últimos meses. Mas também existe uma outra pessoa em cena, da maior importância, na peça, sobre a qual falarei no momento oportuno. Pronto! Já começo eu me alongando...







SINOPSE:
texto, vencedor do Prêmio Furnart de Dramaturgia, de 2018, conta a história da jornalista MAJÔ GONÇALO (ROSANE GOFMAN), que está lançando, o livro “Eu Sempre Soube”, numa palestra.

Em sua primeira aparição pública, ela apresenta  uma  história  de  amor, do  amor mais puro e incondicional que alguém pode sentir: o amor de mãe.

A princípio, ela vai falando sobre o livro, qual é o seu propósito com ele, mas, aos poucos, vai se envolvendo, emocionalmente, com suas próprias palavras e os relatos que ilustram a palestra, chegando ao ponto de, a partir de um determinado momento, transformar o que seria uma apresentação formal numa conversa bem íntima, confessional, com o público, passando a contar a sua experiência com um filho “gay”, que faleceu, vítima da AIDS.







A peça, sem a menor dúvida, o melhor trabalho de MÁRCIO AZEVEDO, como autor (Ele também dirige a montagem.), bonito, sensível e poético, é de uma importância social incomensurável. Baseada no livro “Mãe Sempre Sabe”, de Edith Modesto, ela trata de um tema universal, que é o amor incondicional de uma mãe por um filho; aqui, especialmente, quando ele é homossexual.
  
O espetáculo, fala de mães que tiveram que se “reinventar”, que enterrar seus preconceitos, ou “pré-conceitos”, para, com a força e a garra de uma leoa, defender a cria contra o ódio e a segragação, por parte de uma sociedade, infelizmente, de maioria homofóbica, em pleno século XXI, a despeito dos progressos que percebemos nos últimos anos. Mas o Brasil, infelizmente, ainda é o país em que se assassinam mais homossexuais, de todos os tipos, muitas vezes, com requintes de perversidade, como se o assassinato já não o fosse.




Tomando por base a leitura do livro supracitado, MÁRCIO, para chegar ao texto final da peça, entrevistou 92 mães de “gays”, lésbicas, trans, travestis e outros representantes do universo LGBTQI+. Até sua própria mãe foi entrevistada por ele. A partir desse trabalho de garimpagem, o autor percebeu que o preconceito contra os “diferentes”, as “aberrações”, era muito maior do que ele pensava. Creio que, a essa conclusão, qualquer um de nós também chegaria, uma vez que, por trás das notícias que nos chegam, via imprensa – apenas uma ponta de um “iceberg” -, há muito mais demonstrações e casos de intolerância do que possamos imaginar.

MÁRCIO chegou à conclusão – e com ele concordo plenamente – de que o preconceito homofóbico começa em casa, sem que, muitas vezes, se possa dar conta disso. “Ninguém aprende a ser homofóbico na rua”, ninguém recebe um aprendizado formal, de um ou mais “professores”. A intolerância está presente nas pequenas ações, aparentemente “engraçadas”, porém camufladas, quando, por exemplo, após um lindo e amoroso almoço de domingo, em família, começam as piadinhas a respeito daquele primo “gay”, assumido ou, ainda, “no armário”, depois que ele vai embora; ou quando o tio, aproveita a reunião familiar, numa comemoração de aniversário, para apresentar o namorado; também (ABSURDO!) quando o pai proíbe o filho de receber, em casa, para estudar ou jogar um “videogame”, aquele amigo reconhecidamente homossexual, ou que ele, o pai, acha que seja “efeminado”; do mesmo modo, quando a mãe não deixa que a filha convide, para uma “festa do pijama”, aquela amiguinha “masculinizada”, ou, quando há muita insistência, por parte da filha, a autorização é concedida, desde que a “sapatão” durma na sala ou em outro cômodo da casa, sozinha e trancada, para que nenhuma das meninas corra o risco de se “corromper”.




O texto é muito bem construído, porque é simples, fala a linguagem dos comuns, sem ser vulgar, para atingir um maior número de pessoas. É para os intelectuais e para os de poucas letras também, porque só fala verdade, com palavras bem medidas e construções frasais do dia a dia. Apesar da tragicidade de seu final, a peça tem momentos de um leve humor e traz uma mensagem de esperança. Esperança de que, um dia, aqueles que não escolheram pertencer à comunidade LGBTQI+ possam ser respeitados, como merecem, e tratados com dignidade e amor, por todo mundo, não só pela mãe ou pelos familiares e amigos.

Além dos depoimentos, o autor colocou, na sua obra dramatúrgica, muito de autobiográfico, utilizando pouca ficção. É a primeira vez que MÁRCIO AZEVEDO fala de si, numa peça, de coisas que ele próprio ouviu do pai, da mãe, dos parentes, dos amigos, das pessoa, em geral. Aqui, também, ao tratar dos outros, fala do difícil e, às vezes, tão traumático momento em que os filhos se assumem homossexuais, diante dos pais. Os pensamentos e preocupações maternos, principalmente, se voltam para a violência nas ruas, que põe em risco a vida de seus filhos e o preconceito na escola, bairro, rua, prédio e, principalmente, dentro de casa. Pior, ainda, quando dizem que vão partir para uma cirurgia de redesignação sexual, ou de gênero (Não sei o que é mais correto dizer.), um processo de se transformar, esteticamente, no sexo oposto, já que, por dentro, ele/ela já o sente, às vezes, desde muito criança. Um “X” que nasceu num corpo “Y”. Aborda o choque dos pais, quando veem uma filha sem os seios ou o filho em formas femininas. Como contar isso aos outros familiares? Os riscos das cirurgias. A readaptação do(a) novo(a) filho(a) na sociedade.




O mais sério e trágico de tudo é quando, por infelicidade, o filho precisa contar à mãe que é HIV positivo, que foi contaminado pelo maldito vírus. Como será a luta dessa mãe, a partir de tão cruel revelação? Como abraçar a causa desses filhos, revelando, mesmo contra sua vontade, muitas vezes, preconceitos dolorosos? Isso, certamente, regra generalíssima, interfere na família e no futuro da vida da pessoa infectada, mas aproveita, o autor, para falar, também, de como o amor e o apoio familiar e dos amigos podem ser positivos, no combate a esse terrível mal, graças a Deus, hoje em dia, já não tão sinônimo de morte iminente, graças aos avanços da Ciência. Não existe, ainda, cura para a AIDS, mas os doentes, obedecendo a um tratamento, podem viver muitos e muitos anos, no seio de uma sociedade, normalmente, trabalhando, estudando, produzindo e se divertindo; quase sem limitações e, acima de tudo, com VIDA.

Fala, ainda, dos casos de suicídio de homossexuais, aqueles que não conseguem suportar a dor do “bullying”, do preconceito, das agressões físicas e/ou morais. E aproveita para chamar a atenção das mães, para que, quando perceberem que seus filhos são “gays” (“Mãe Sempre Sabe”), mas não estão com coragem de confessar, os chamem para uma conversa, abram um canal de diálogo com eles, que tanto estão sofrendo, por dentro, o que poderá salvá-los de acabar com a própria vida.




Não menos importante é quando, pela boca da personagem, MÁRCIO diz que cabe aos pais educar seus filhos, para que estes aceitem, respeitem e amem todos, como são, sem o menor traço de homofobia, porque, segundo ele, a frase que mais o emociona, na peça, é quando MAJÔ GONÇALO diz: “Seus filhos matam seus filhos.”. Ou seja, os filhos homofóbicos matam os filhos homossexuais. E todos eles nasceram de uma mãe, lembrando que, estatisticamente, a faixa dos homofóbicos vai de 14 a 25 anos, com exceções, obviamente, “porque os pais não estão educando como deveriam”. Isso não se aplica a todos. É claro!

     MÁRCIO AZEVEDO lutou muito, para conseguir montar este espetáculo, tão sensível, essencial, fundamental, imprescindível, urgente, útil e vital, tendo de abrir mão de bens materiais, a fim de conseguir dinheiro para a montagem, sem qualquer tipo de patrocínio, contando com alguma ajuda de amigos, apenas. Mas valeu a pena, pelo resultado final.




          Valeu, pelo trabalho magnífico de ROSANE GOFMAN, que faz sua MAJÔ com tanta verdade e emoção, que, por vezes, parece que atriz e personagem são a mesma pessoa. Uma brilhante interpretação!!!

            Valeu, pelo texto, sobre o qual não preciso dizer mais nada.
           
           Valeu, pela direção, de MÁRCIO AZEVEDO, que não quis “inventar a roda” e fez tudo da forma mais simples e natural possível, até porque a força do texto e da interpretação da atriz já preenchem, plenamente, o palco.




            Valeu, pela cenografia, de JOSÉ CARLOS VIEIRA, que se resume – e não precisava de mais nada mesmo – a cortinas diáfanas, brancas, para dar um tom de leveza a um espetáculo de tema tão árido; um púlpito, utilizado em palestras; uma pequena mesa de serviço, com uma cadeira; e uma cama de hospital, que entra, no palco, para a cena final.

            Valeu, pelo figurino, de ANDERSON FERREIRA; pela iluminação, de AURÉLIO DE SIMONI; pelo visagismo, de LUIZ GAIA; e pela trilha sonora, de TAUÃ DE LORENA, com sugestões de MÁRCIO AZEVEDO..

            Valeu – E como valeu!!! – (Chegou aquele momento "oportuno", mencionado no início desta crítica.), pela participação, ao violão, acústico e elétrico, do músico TAUÃ DE LORENA, que assina a trilha sonora e a direção musical, além de ter composto algumas canções originais, para a peça, incluindo o tema da personagem, "Tema de Majô", A música sublinha todas as cenas, com solos e produção de sons incidentais, “a pedido do texto”. Trata-se de um exímio instrumentista, que dialoga, sem falar, o tempo todo, com ROSANE. Ela e seu texto; ele e sua música. Como a trilha sonora, a música, é importante neste espetáculo!







FICHA TÉCNICA:


Autor e Diretor: Márcio Azevedo

Elenco: Rosane Gofman (Participação do músico Tauã de Lorena).

Cenário: José Carlos Vieira
Figurino: Anderson Ferreira
Iluminação: Aurélio de Simoni
Visagismo: Luiz Gaia
Trilha Sonora e Direção Musical: Tauã de Lorena
Programação Visual: Gabriela Cima
Assessoria  Jurídica: Dr. Carlos Eduardo Mendes
Assessoria de Imprensa: Julyana Caldas – JC Assessoria de Imprensa
Direção de Produção: Adriana Gusmão e Andrea André
Realização e Produção: 7 Marias Produções Culturais e Meraki Entretenimento










SERVIÇO:

Temporada; De 05 a 28 de julho de 2019.
Local: Teatro Dulcina.
Endereço: Rua Alcindo Guanabara, 17 – Cinelândia - Centro – RJ
Telefone: (21) 2240-4879.
Dias e Horários: De 6ª feira a domingo, às 19h.
Valor do Ingresso: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada).
Classificação Etária: 14 anos.
Duração: 70 minutos.
Gênero: Drama.




            Não vejo a menor necessidade de dizer mais nada sobre este ótimo espetáculo, a não ser recomendá-lo a quem gosta do bom TEATRO.


 




E VAMOS AO TEATRO!!!


OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!


A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!


RESISTAMOS!!!


COMPARTILHEM ESTE TEXTO, 
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!



(FOTOS: DIVULGAÇÃO.)


GALERIA PARTICULAR:


Com Márcio Azevedo, Rosane Gofman e Tauã de Lorena.










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