PANDORA
(MITOLOGIAS LIGADAS AO ARQUÉTIPO
FEMININO:
BASE DE UM BELO ESPETÁCULO
PLÁSTICO / TEATRAL.)
ou
Já
na reta final, em sua primeira e curta temporada, no Teatro Rogério Cardoso, dentro da Casa de Cultura Laura Alvim, está em cartaz um belo espetáculo, que
tem como maiores atrativos o aspecto
plástico e uma fantástica trilha
sonora. Chama-se “PANDORA” (VER
SERVIÇO.).
“A partir de longa pesquisa
sobre as mitologias que constituem o arquétipo feminino e de suas
distorções ao longo dos séculos, a peça reflete sobre a condição da mulher no
mundo de hoje”. É
o que diz o “release” da peça, enviado por STELLA STEPHANY (JSPONTES COMUNICAÇÃO), assessoria de imprensa.
O
espetáculo é uma criação e idealização das atrizes
JAQUELINE ROVERSI e JORDANA KORICH e conta com a direção de LEONA CAVALLI. “A peça nasceu da pesquisa de três anos, das
atrizes, sobre as mitologias que constituem o arquétipo feminino e de suas
distorções ao longo dos séculos, que resultaram na imagem da mulher como
conhecemos hoje em dia. As atrizes buscaram, ainda, referências históricas,
desde as antigas sociedades pré-patriarcais, pesquisando as relações do meio
social com o feminino nas tradições de diversas culturas - indígenas
brasileiras e nativas Americanas, hindu, egípcia, persa, grega, africana,
celta, chinesa, asiática, hebraica. Um estudo sobre como as civilizações e
sociedades representavam a mulher, os lugares que ela ocupou nas diferentes
eras e o resultado disso nos tempos atuais. A investigação resultou numa
história contemporânea de duas irmãs, que se reencontram: uma envolvida com a
arte, a pesquisa dos arquétipos femininos e a ancestralidade; a outra, uma
mulher prática e independente, que, através do trabalho, conquistou espaço e
respeito num universo tipicamente masculino. O lugar de interseção entre as
duas é a família e a memória”.
SINOPSE:
A peça conta a história do reencontro de duas irmãs, dois anos após a
morte da mãe.
JANAÍNA (JAQUELINE ROVERSI) jamais saiu da casa da família, na
serra, onde passaram a infância. Ela mantém um ateliê de artes, que era da mãe,
e segue a profissão desta, contadora de histórias, e também estuda mitos e
culturas ancestrais. Sua preocupação maior é o com o papel e a valorização da
mulher na sociedade atual, moderna, e seus rumos, a partir dessa situação.
JOANA (JORDANA KORICH), por sua vez, foi embora, para estudar na
capital e se tornou engenheira. Tem uma visão mais prática da vida, valoriza e
persegue a realização financeira.
JOANA se vê obrigada a voltar ao lar do passado, pois acaba de ser
expulsa, de seu próprio projeto, por engenheiros e donos de empreiteiras,
depois de uma longa luta para afirmar seu lugar num meio tradicionalmente
masculino.
JANAÍNA, comemorando o reencontro com a irmã, decide lhe mostrar,
pela primeira vez, um baú, onde estão guardados os “tesouros” da família, memórias
e lembranças das duas, de sua mãe e de antepassados.
Aos poucos, revela-se a
tensão entre as duas irmãs e a polaridade de seus universos e expectativas.
JANAÍNA se ressente, por ter cuidado, sozinha, da mãe doente, até o
final, enquanto JOANA, que, durante
a doença da mãe, manteve-se a distância, apenas como provedora, não aceita que
a irmã tenha se apossado da casa da família, única herança deixada pela mãe.
É bem interessante a ideia da estrutura
textual da peça: a fusão das diferenças entre as duas irmãs, o real versus
o ideal, as discussões entremeadas por contações de histórias, a mistura do elemento
humano com bonecos...
O texto, fruto de muita
pesquisa (três anos) e observações (o tempo de vida das atrizes),
por estar ligado a um tema atual, agrada e justifica a proposta, porém acho que
as duas autoras, cujos trabalhos eu ainda não conhecia, e me agradaram, pela
capacidade que demonstraram, teriam muito, ainda, a dizer, ocupando mais tempo,
para aprofundar a temática, que é bem rica.
As
cenas de contação de histórias, todas muito bem elaboradas, funcionam como um
elemento que unifica as duas irmãs, que as torna, por algum tempo, um ser
indivisível, da forma como iniciam o espetáculo - linda, diga-se de
passagem - assim como o terminam. Mais sobre isso creio não ser conveniente
dizer, para não roubar, ao espectador, o prazer da surpresa. Nessas cenas,
ressaltam-se as memórias de um passado não tão distante e o que ainda existe de
afeto fraternal.
Com relação à cena
inicial, pode-se perceber, sem que haja uma só palavra, e sim um belíssimo trabalho
de corpo (direção de movimento), cuja preparação foi desenvolvida por KELLY
SIQUEIRA, uma espécie de “ritual”, que requer a atenção do espectador para
cada detalhe, envolvendo gestos, movimentos, trocas de
figurinos e utilização e descarte de duas máscaras, pela metade,
formando uma só, obra de arte de MARISE
NOGUEIRA.
Fora
os diálogos sobre o relacionamento das duas irmãs, que se distanciam das histórias contadas, estas são três contos
das culturas grega (“Deméter e
Perséfone”), hebraica (Sophia e a
criação) e hindu (Ganesha e
Kartikeia”), além da história das icamiabas,
conhecidas como as “amazonas
brasileiras”, que, “segundo relatos do frade dominicano Gaspar
de Carvajal (1504-1584), teriam lutado contra os espanhóis, no século XVI, na
região da Amazônia”.
Para as contações de histórias, as atrizes se valem de lindos bonecos, principalmente o que
representa a mãe, confeccionados por BRUNO
DANTE, um craque nessa arte, e esses momentos são leves, de uma beleza e
pureza, que contrastam com alguns momentos de tensão entre as duas irmãs,
principalmente quando JOANA acha por
bem reivindicar sua parte na herança, o que, para ela, pragmática por natureza,
representava o único meio, naquele momento, de subsistência. Por outro lado, JANAÍNA, completamente desapegada a
valores materiais, luta por impor sua ideia de preservação da memória da
família, representada pela casa e por tudo o que havia, de material, dentro
dela. É bem interessante o momento em que JOANA
diz, com relação à casa: “A única coisa de valor que tenho”,
ao que JANAÍNA responde com as
mesmas palavras. Valor material, para uma; valor sentimental, afetivo, para
outra.
O texto é coalhado de metáforas,
facilmente assimiladas, como, por exemplo o fato de a casa estar, literalmente,
“desmoronando”, com goteiras, precisando de reparos urgentes, para continuar de
pé. Que melhor ligação poderia existir entre isso e a relação entra as duas irmãs?
As atrizes Jaqueline Roversi e Jordana Korich.
Ao centro, a diretora, Leona Cavalli.
O baú, que continha a memória da família
e que desperta a curiosidade das duas irmãs, mais a de JANANÍNA, é outra metáfora,
representando a própria Caixa de Pandora,
“um
artefato da mitologia grega, tirada do mito da criação de Pandora,
que foi a primeira mulher criada por Zeus. A ‘caixa’ era, na
verdade, um grande jarro, dado a Pandora, que continha todos os males do mundo.
Ela o abre, deixando escapar todos eles, menos a ‘esperança’. Esta
pode ser vista como um mal da
humanidade, pois traz uma ideia superficial acerca do futuro. (...) O principal
motivo da criação de Pandora, segundo a mitologia greco-romana, seria de
que Prometeu roubara
o fogo do Monte Olimpo e o levou ao mundo humano, contrariando a vontade de Zeus.
Pandora foi criada com um único defeito, a curiosidade. Zeus criou a caixa,
porque sabia que, um dia, a vontade de Pandora a levaria a abri-la e libertar o
mal ao mundo humano, castigando-os pelo fogo que haviam recebido contra sua
vontade” (Extraído da Wikepédia,
com adaptações e correções.). JANAÍNA
insiste em dizer que o mito de Pandora
foi distorcido pelos homens, que ela não era má, mas, sim uma “voadora” (?).
A encenação, belamente coreografada,
de uma luta entre duas “amazonas”, de certa forma, também metaforiza a rivalidade entre as duas irmãs, as quais, ao que tudo
indica, por duas falas, no texto,
são filhas de pais diferentes, o que pode justificar a diferença entre ambas.
Uma das cenas mais lindas e emocionantes
envolve a mãe, representada por um boneco. Aqui, eu me forço a não oferecer
mais detalhes, para não tirar, a quem ainda vai assistir à peça, a mesma
profunda emoção que vivenciei.
As duas atrizes, JAQUELINE ROVERSI e JORDANA KORICH, trocam passes e chutam ao gol, balançando a rede, na mesma
proporção, cada uma valorizando a sua personagem, com uma interpretação bem
natural e convincente.
LEONA
CAVALLI, grande atriz e dona de uma profunda sensibilidade, ao entrar no projeto, para dirigir a peça, pereceu-me o terceiro pé, de um tripé que sustenta
o espetáculo. Agasalhou a ideia; melhor, ainda: percebeu todas as intenções das
duas autoras e desenvolveu sua
proposta de direção de forma a gerar
um espetáculo bonito, criativo e de grande apelo emocional.
KARLLA DE LUCA ocupou-se em criar um cenário simples, de fácil transporte e montagem, para viagens com o espetáculo, porém com elementos de bastante simbolismo, dentro do texto. A parede do fundo, a única, traz quadros, com fotografias da família. É o primeiro contato do público com a memória daquelas pessoas. Essa parede é pontuada com pequenas luzes. Há, ainda, em cena, uma baú, uma mesinha artesanal, dois banquinhos, uma mesa bem rústica, montada sobre dois cavaletes, em cima da qual há utensílios bem simples de uma cozinha. Um espelho de mão completa os objetos de cena.
KARLLA DE LUCA ocupou-se em criar um cenário simples, de fácil transporte e montagem, para viagens com o espetáculo, porém com elementos de bastante simbolismo, dentro do texto. A parede do fundo, a única, traz quadros, com fotografias da família. É o primeiro contato do público com a memória daquelas pessoas. Essa parede é pontuada com pequenas luzes. Há, ainda, em cena, uma baú, uma mesinha artesanal, dois banquinhos, uma mesa bem rústica, montada sobre dois cavaletes, em cima da qual há utensílios bem simples de uma cozinha. Um espelho de mão completa os objetos de cena.
Os figurinos, de VANESSA
MACHADO, em branco e preto, funcionam como elementos lúdicos e oníricos, na
encenação.
AURÉLIO
DE SIMONI trabalha com uma iluminação
tão simples quanto funcional e bonita, sem muitas “invencionices”, totalmente
marcante e importante para cada cena.
Fiquei completamente fascinado pela trilha sonora, a cargo de ALESSANDRO PERSAN, que fazia as
pesquisas, levava, para os ensaios, as propostas, de acordo com os pedidos da direção e, juntos, ALESSANDRO e LEONA
chegaram a um “set list” belíssimo,
que só faz valorizar cada momento em que a trilha
é utilizada. Eclética, ela é composta por mantras e canções desconhecidas, para
mim, pelo menos, além de sons incidentais. Tive acesso à referida trilha:
"SET LIST"
MELOMAI - ARGOS
ANTARTIC -EMILIE SIMON
ATHENIAN BATTLE - TYLER BATES
ARARUNA - MARLUI MIRANDA
RAGA DESH TALA JHAMPA TALA- PURANDARA DASA
VARIATION ON GENESIS THEME ON SITAR - RAVI SHANKAR
SPIRITUAL LAND - MICHAEL BROOK
MAN MATHURA TAN VRINDAVAN - ANURADHA PAUDWAL
TALA -TABLA TARANG - RAVI SHANKAR
OPENING TITLES - JAN A. P. KACZMAREK
BALLARE - VIOLAINE CORRADI
SHOLOM ALEYKHEM - ITZHAK PERLMAN
REKO ARANDU - MEMÓRIA VIVA GUARANI
WATER - UAKTI
DU LAHKA - MARI BOINE
FIRE - UAKTI
FICHA TÉCNICA:
Texto: Jaqueline Roversi e
Jordana Korich
Direção: Leona Cavalli
Elenco: Jaqueline Roversi e
Jordana Korich
Assistência de Direção e
Direção de Movimento: Kelly Siqueira
Cenário: Karlla De Luca
Figurino: Vanessa Machado
Máscaras: Marise Nogueira
Bonecos: Bruno
Dante
Preparação Técnica de
Bonecos: Márcio Nascimento
Iluminação: Aurélio de
Simoni
Trilha Sonora: Alessandro
Persan
Visagismo: Fernanda Santoro
Fotos: Daniel Barboza, Chico
Cerchiaro e João Júlio Mello
Projeto Gráfico: Fernando
Alax
Produção: Jaqueline Roversi
e Jordana Korich
Assistência de Produção:
Anna Bittencourt
Realização: Amor & Arte
e Grande Mãe Produções
Assessoria de Imprensa: JSPONTES
Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada:
De 22 de maio a 13 de junho de 2018.
Local:
Teatro Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim).
Endereço:
Avenida Vieira Souto, 176, Ipanema – Rio de Janeiro.
Dias
e Horários: 3ªs e 4ªs feiras, às 19h.
Valor
dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada).
Horário
de Funcionamento da Bilheteria: 5ªs e 6ªs feiras, a partir das 16h; sábados e
domingos, a partir das 15h.
Compras:
(21) 3005-4104 e através do site www.compreigressos.com
Capacidade:
53 lugares.
Duração:
50 minutos.
Gênero:
Drama.
Classificação
Indicativa: 12 anos.
Deixei o Teatro Rogério Cardoso bastante
emocionado, surpreso (positivamente) e feliz, por ter assistido a um belo trabalho,
erguido com tanta
dedicação e sacrifício, cujo resultado agrada a todos. A plateia reagiu muito
favoravelmenjte, na hora dos aplausos e em comentários fora do teatro.
Apenas lamento que o espaço físico seja tão acanhado,
impossibilitando que o trabalho ganhe maior realce e seja mais bem admirado
pelo público. Merece um teatro
maior, num palco italiano, entretanto não tão grande, pois se trata de um espetáculo intimista, mas que possa
receber muito mais do que 53 espectadores
acotovelados. Torçamos para que venha aí uma nova temporada, porque o trabalho é
merecdor disso. Enquanto isso não se concretiza, aproveitem as duas últimas
semanas da atual temporada.
OCUPEMOS
TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM
ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS
DIVULGAR O BOM TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: DANIEL BARBOZA,
CHICO
CERCHIARO
e
JOÃO
JÚLIO MELLO.)
A Jaqueline Roversi é minha irmã
ResponderExcluirA Jaqueline Roversi é minha irmã
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