domingo, 9 de abril de 2017


UBU REI
 

(DE COMO UM CLÁSSICO DA COMÉDIA UNIVERSAL
SE TRANSFORMOU NUMA CHANCHADA,
COM TEMPERO BRASILEIRO.)

 

 

 
     Como preâmbulo a esta crítica, devo, logo, esclarecer, que jamais considerei, pejorativamente, o termo “chanchada”. Muito ao contrário, sou fã delas, pois consigo enxergar suas rasas intenções e pretensões, predominantemente de entretenimento, ainda que, em algumas situações, possamos identificar críticas pessoais ou a instituições. Vivi a infância e a juventude, enfiado nas salas de cinema, deliciando-me com as nossas chanchadas, celeiro de muitos dos maiores atores cômicos brasileiros.

            Feito o esclarecimento, falemos de “UBU REI”, comédia que está em cartaz no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, até o dia 30 de abril (VER SERVIÇO.).

            Assisti ao espetáculo no terceiro dia da temporada, em sessão dedicada a convidados. Nesse tipo de sessão, é natural que a quase totalidade do público seja constituída de gente da classe artística e amigos dos envolvidos no projeto. Não foi diferente naquela noite.

            Ainda que o espetáculo tivesse sido aplaudido, freneticamente, de pé, saí do Teatro mergulhado numa tristeza profunda, motivo revelado a quem me perguntasse se eu havia gostado da peça, inclusive alguns amigos do elenco e o próprio diretor, o queridíssimo e sempre talentoso DANIEL HERZ.

Eu não gostara do espetáculo. Isso era visível no meu comportamento. Não o aplaudi de pé, porque achei que não o merecia. Talvez eu e o amigo que me acompanhava tenhamos sido os únicos a aplaudir “socialmente”, sentados, levando em conta todo o esforço empreendido na montagem. Estava, porém, longe de eu reconhecer, naquele “UBU REI”, um espetáculo assinado por DANIEL HERZ, feito por sua companhia, CIA. ATORES DE LAURA, uma das melhores do Brasil, com tantos sucessos no currículo, comemorando 25 anos de vida e de bons serviços prestados ao TEATRO BRASILEIRO, e, ainda por cima, uma comédia capitaneada por MARCO NANINI e ROSI CAMPOS, por quem tenho a maior admiração, como profissionais.
 
 
 




            Não acreditei que aquilo estava acontecendo comigo nem consegui entender o porquê, mas saí do Casa Grande soterrado por uma decepção que não tinha tamanho... Poderia eu estar num mau dia? Não! Não estava! Talvez eu tivesse ido com muita sede ao pote, tivesse feito gerar, em mim, uma expectativa muito superior e diferente do que me foi permitido ver.

            Ouvi, posteriormente, comentários sobre esta montagem, MUITOS, totalmente opostos: havia os que “amaram” e os que “odiaram” a peça; estes, inclusive, até de gente que a aplaudiu de pé, por puro corporativismo ou para “não ficar mal na fita”, o que não me move, de jeito nenhum. Banalizaram geral esse tipo de aplauso!!! Então, eu não estava só, o que já começava a me preocupar.

            Achei uma adaptação muito “over”, que LEANDRO SOARES havia pesado a mão, na adaptação, não parecendo a mesma pessoa que eu aplaudi, DE PÉ, várias vezes, quando adaptou um Oscar Wilde, em “A Importância de Ser Perfeito”, espetáculo inesquecível, que devo ter visto umas cinco ou seis vezes, sempre com o maior prazer, e ainda seria capaz de ver mais, se voltasse ao cartaz.

Cheguei à conclusão de que DANIEL HERZ havia abusado nas tintas e que o elenco não estava, ainda, preparado para o início da temporada. Enxerguei detalhes de mau gosto, no meu entendimento (É claro que gosto não é para ser discutido!), algumas “gorduras”, o suficiente para me deixar arrasado, pelos motivos expostos no próximo parágrafo. Não estou exagerando nem querendo ser dramático.
 
 
 


            Como sou um profundo admirador do trabalho do DANI, porque sou fã dos ATORES DE LAURA, porque gosto muito do texto, porque acredito que o espetáculo não estava pronto e que poderia melhorar, dispus-me a revê-lo. E fui de coração aberto, no último dia 1º de abril, o “Dia da Mentira”, para ver um TEATRO DE VERDADE, sabendo, de antemão, que a direção fizera modificações, na encenação, e que, portanto, eu poderia me surpreender positivamente. Nem tudo estava perdido.

            E é com muita alegria que RETIFICO a minha impressão da primeira noite e RATIFICO o pensamento que me levou, novamente, a “UBU REI”.

            Assisti a um outro espetáculo, muito melhor, com muito mais ritmo e com todas as gorduras atiradas ao lixo.

            É assim que se faz TEATRO: fazendo e refazendo, sentindo a reação do público e recriando. É disso que vive o TEATRO: do retorno de quem conhece a arte de representar e só tem um desejo: contribuir para melhorar. Não falo isso para me valorizar, mas porque outras pessoas também manifestaram opiniões idênticas à minha, que também devem ter chegado aos ouvidos da direção, fazendo com que HERZ se mantivesse firme, na sua concepção do espetáculo, porém de forma mais “light”, “pegando mais leve” e transformando-o numa deliciosa versão chanchadesca do clássico da comédia francesa.



 
 
 


 

SINOPSE:

 
MÃE UBU (ROSI CAMPOS) manipula PAI UBU (MARCO NANINI), no sentido de assassinar o REI VENCESLAU (PAULO HAMÍLTON), da Polônia, para obter-lhe a coroa, tornando-se, assim, rainha.
 
De início, PAI UBU reluta em pôr em prática o infame plano, mas acaba cedendo à pressão da terrível mulher.
 
 
 
 
 
Para levar a cabo o plano sinistro, chamou o CAPITÃO BORDADURA (MÁRCIO FONSECA), que aceita participar da traição, depois que PAI UBU lhe promete o título de Duque da Lituânia, como premiação por sua fidelidade e colaboração.
 
O REI manda chamar PAI UBU, que teme ter sido descoberto, e, morrendo de medo e dono de um caráter nada louvável, já pensa em entregar os outros, para livrar a sua pele, contudo, logo, ele se dá conta de que o chamado do REI tinha outro propósito, o de fazer-lhe um convite para acompanhá-lo na inspeção à tropa, o que era considerado um convite muito honroso. O REI gostava de PAI UBU e confiava nele.
 
Começa, então, a conspiração entre MÃE e PAI UBU e o CAPITÃO BORDADURA, que dará fim ao reinado de VENCESLAU, culminando com a coroação do novo REI: PAI UBU.
 
A RAINHA (VERÔNICA REIS), esposa do REI VENCESLAU, está ciente dos planos de PAI UBU, por meio de um sonho, e tenta, em vão, alertar o marido para o perigo iminente que corre e que tomasse cuidado com o PAI UBU. O REI, porém, não lhe deu atenção.
 
Durante a tal revista à tropa, ocorre o plano de conspiração, quando PAI UBU e o CAPITÃO BORDADURA, com seus homens, dão cabo do REI, roubando-lhe a coroa e matando a ele e a dois de seus três filhos, BOLESLAU e LADISLAU.
 
BUGERLAU (TIAGO HERZ), o filho sobrevivente, e sua mãe, a RAINHA, acabam escapando do ataque e se refugiando em uma caverna, nas montanhas. Lá, ela acaba morrendo e BUGERLAU é visitado pelo fantasma do pai, clamando por vingança.
 
Enquanto isso, PAI UBU conquista a simpatia do povo, com uma política de “pão e circo”, contudo isso dura pouco e o REI UBU revela seu lado tirano e sanguinário, condenando à morte a todos os que não concordam com ele, da Família Real ao povo comum, passando pelos ministros, políticos, membros das finanças e magistrados. São todos atirados a um misterioso alçapão, que lhes reserva uma morte enigmática.
 
REI UBU não cumpre a promessa feita ao CAPITÃO BORDADURA e o prende. Este, entretanto, consegue escapar de sua prisão e se rebela contra o tirano UBU.
 
 
 
 
Logo, o regime totalitário do novo REI UBU passa a apresentar problemas. Cai-lhe a popularidade e aprovação, como monarca. Enquanto isso, MÃE UBU conspira, secretamente, para tomar posse do tesouro do REI. Conspiração sobre conspiração.
 
PAI UBU é, então, ludibriado pelo CAPITÃO BORDADURA, que se alia ao czar da Rússia, e acaba destronado, refugiando-se em uma caverna na Lituânia.
 
Coincidentemente, MÃE UBU acaba se refugiando na mesma caverna e, na escuridão do lugar, se passa por um fantasma e convence PAI UBU a perdoar suas roubalheiras, porém este acaba por descobrir, a tempo, os planos da audaciosa MÃE UBU.
 
BUGERLAU chega à caverna, com seus soldados, e encurrala PAI e MÃE UBU, os quais, astutamente, acabam conseguindo fugir.
 
A peça termina num final aberto, com PAI UBU e os seus poucos seguidores fugindo para a França, em um barco.
 
 

 





O texto teve, como embrião, uma outra peça, “Os Poloneses”, que ALFRED JARRY escreveu, aos 15 anos de idade, para satirizar o aspecto rude, grotesco e grosseiro de um professor de Física do jovem JARRY. A peça aqui analisada foi escrita e apresentada em 1896, numa época em que os temas abordados eram pouco aceitáveis, assim como a linguagem nela empregada, cheia de palavrões, o que fez com que a peça, ao que parece, batesse o recorde de menos tempo em cartaz: apenas duas apresentações. Provocou reações de protesto e indignação da audiência, formada pelos membros mais importantes da sociedade local.

É considerado um clássico da comédia universal e seu autor, um ícone do Teatro Moderno, tendo influenciado movimentos que viriam a seguir, como o Surrealismo, o Dadaísmo e o Teatro do Absurdo.
 
 
Alfred Jarry.


Podemos dizer que, como um polvo, a peça tem um tentáculo no “non sense”, outro no escracho; mais um na contemporaneidade; outro mais no inexplicável...

São facilmente reconhecidas, no texto, referências a clássicos da literatura dramática universal, principalmente escritos por Shakespeare, como “MacBeth”, “Hamlet” e “Rei Lear”.

            Segundo DANIEL HERZ, (“UBU REI”) “É uma história de voracidade desenfreada, de personagens sem qualquer freio ético ou equilíbrio. A atualidade do texto é tão grande, que não precisamos fazer qualquer pontuação sobre isso na montagem”. Talvez, aqui, resida o melhor desta montagem: levar o público a uma inevitável analogia a alguns regimes de governo da atualidade, que chega a atingir o Brasil, em alguns aspectos. Uma crítica e a chamada de conscientização do povo, utilizando-se do humor rasgado, sem esconder, embaixo do tapete, aquilo que, por muito tempo, vinha sendo feito.  

Depois da segunda vez em que assisti à peça, passei a entender e a aceitar os recursos utilizados por LEANDRO SOARES, na adaptação do texto, e a valorizar a direção de DANIEL HERZ, embora não a inclua na relação de seus trabalhos “top”.
 
 
 
 
 

Com relação ao desempenho do elenco, agrada-me a atuação de MARCO NANINI, longe de ser a sua melhor, o qual, na primeira vez em que assisti à peça, já começa, com o abrir das cortinas, num tom de interpretação tão “alto”, histriônico, que o personagem não tinha mais como crescer, na minha visão, no decorrer da peça. Sua interpretação ficou linear, do primeiro minuto ao último.

Agora, vi um outro trabalho, bem mais condizente com seu sabido e reconhecido talento. NANINI está representando, “comme il faut”, um personagem desprovido de qualquer positividade de caráter. Um déspota, despudorado, covarde, assassino cruel, mesquinho, mentiroso, ambicioso, desonesto, traidor, monstruoso, corrupto, sem o menor escrúpulo. Que currículo o do personagem!!! Resumindo, um anti-herói, que acaba, com seus exageros e excentricidades, cativando a plateia, que o vê mais como uma estúpida e desprezível metáfora de um grande ditador do que como um real traste humano. A verdade é que amamos PAI UBU, da mesma forma como amamos MACUNAÍMA, o herói sem caráter, e ODORICO PARAGUAÇU, o pai dos pobres e oprimidos. Um belo motivo para comemorar 50 anos de carreira, seja nos palcos, no cinema ou na TV.
 














O mesmo poderia ser dito com relação a ROSI CAMPOS. Sua personagem, agora, continua, como pede o texto, revelando seu péssimo caráter, igual ou pior que o do marido, já que é a grande manipuladora e mentora do desmedido e condenável plano, logo na primeira cena, entretanto ela buscou caminhos para que a MÃE UBU fosse se desenvolvendo, em ritmo crescente, até o final da peça. Antes, a consagrada atriz, de recursos inimagináveis, seguia o tom imprimido por NANINI, e sua interpretação pareceu-me monocórdia. Agora, só me resta dizer: uma bela atuação de ROSI!

Os demais, que fazem parte do elenco, têm atuações bastante corretas, agora. Reconheci, em cada um dos cinco representantes dos ATORES DE LAURA, o seu inegável talento, quer nos personagens fixos ou nos vários em que se desdobram. Parabéns a ANA PAULA SECCO, LEANDRO CASTILHO, MÁRCIO FONSECA, PAULO HAMILTON e VERÔNICA REIS, todos no mesmo nível de atuação.
 
 
 



Resta mencionar o bom trabalho dos outros quatro atores: CADU LIBONATI, JOÃO TELLES, TIAGO HERZ e RENATO KRUEGER, com destaque para o excelente trabalho de THIAGO.
 
 




Desde a primeira vez, elogiei as intervenções cenográficas de BIA JUNQUEIRA, algumas parecendo verdadeiras instalações (As gigantescas tetas de uma vaca, para saciar a fome e a sede dos convivas, num banquete, é uma ideia genial, além de remeter à já tão conhecida expressão “mamar nas tetas do governo”.). A mesma admiração vai para os excêntricos e lúdicos figurinos, de ANTÔNIO GUEDES; a impecável iluminação, de AURÉLIO DE SIMONI; a música original e direção musical, de LEANDRO CASTILHO (Acho que poderia haver menos música na peça. Para mim, há uma overdose desse elemento, que me incomodou um pouco.); o excelente visagismo, de DIEGO NARDES; e a boa direção de movimento, de MÁRCIA RUBIN.

 

 

 
 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Alfred Jarry
Adaptação: Leandro Soares
Direção: Daniel Herz
Diretora Assistente: Clarissa Kahane
Pesquisa e Assistente de Direção: Evelyn Disitzer
 
Elenco: Marco Nanini, Rosi Campos (atriz convidada), Ana Paula Secco, Leandro Castilho, Márcio Fonseca, Paulo Hamílton e Verônica Reis (Atores de Laura),
Cadu Libonati, João Telles, Tiago Herz e Renato Krueger.
 
Cenografia: Bia Junqueira
Figurinos: Antônio Guedes
Iluminação: Aurélio De Simoni
Música Original e Direção Musical: Leandro Castilho
Direção De Movimento: Márcia Rubin
Visagismo: Diego Nardes
Design Gráfico: Gringo Cardia
Fotografia: Caberá
Vídeos: Eloísa Mendes
Desenho de Som: Rodrigo Oliveira
Assessoria de Imprensa: Factoria Comunicação
Realização: Pequena Central
 

 
 
 


 
SERVIÇO:
 
Temporada: Até 30 de abril de 2017.
Local: Teatro OI Casa Grande.
Endereço: Rua Afrânio de Mello Franco, 290 – Leblon (Shopping Leblon) – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2511-0800.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 20h.
Valor dos Ingressos: 5ªs e 6ªs feiras: R$100,00 (Plateia VIP e Camarote), R$80,00 (Plateia Setor 1), R$60,00 (Balcão Setor 2) e R$50,00 (Balcão Setor 3).
Sábados e Domingos: R$120,00 (Plateia VIP e Camarote), R$100,00 (Plateia Setor 1), R$80,00 (Balcão Setor 2) e R$50,00 (Balcão Setor 3).
Duração: 90 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Gênero: Comédia
 



 



            A peça é reconhecida por dois títulos, no Brasil: “REI UBU” e “UBU REI”. Gosto mais desta, uma vez que a primeira caberia, se o personagem já nascesse membro da realeza, sucessor natural de seu pai. “UBU REI” me parece mais apropriado à história, já que o personagem não fazia parte da linhagem real e passou à condição de REI, por um ato de usurpação de um reino, que, por direito, jamais lhe pertenceria.

Resumindo, “UBU REI”, na atual montagem, no Teatro OI Casa Grande, é uma farsa anárquica, transformada numa boa chanchada teatral, que eu recomendo. E, na segunda vez, aplaudi DE PÉ.
 
 
 


E, para não perder o bonde do tempo: FORA, UBU REI! (Não a peça, mas o personagem.)
 

MERDRA!!! (Como diria PAI UBU.)
 
 
 



 
(FOTOS: CABERÁ e DIVULGAÇÃO.)
 
 
 
 
 



 GALERIA PARTICULAR: FOTO DE MARISA SÁ.)

 

Eu e Daniel Herz.
 

 

 

 

 



 

 

 







 

 

 

 

 

 

 

 



 
 

2 comentários:

  1. Muito boa a critica, muito bom o espetáculo... parabéns a todos envolvidos e ao critico Gilberto Bartholo que voltou ao teatro pra assistir mais uma vez o mesmo espetáculo, sabendo que poderia sair satisfeito, nessa segunda oportunidade... BRAVO!!!

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  2. Ingressos comprados para esta 5a-feira. Ainda bem que li sua análise. Cheguei a ser desaconselhada de ir, para não ver os "mitos" cair de seu pedestal. Bom para mim, bom para o espetáculo, bom para a crítica teatral, bom para as plateias, que não podem desperdiçar o que há de bom e eterno nos palcos.

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