segunda-feira, 17 de abril de 2017


TRAGA-ME

A CABEÇA

DE

LIMA BARRETO

 

(FICÇÃO DOCUMENTAL

OU

DOCUMENTO FICCIONAL

DE EXCELENTE QUALIDADE.)



 
 


            De uma cabeça privilegiada, saiu uma ideia, que entrou em outra cabeça, igualmente fértil, a qual lhe deu forma. E, do abstrato, fez-se o concreto, num palco de TEATRO. E que “concreto”!

            A ideia, uma ficção, veio do consagrado ator, autor, diretor, produtor, iluminador, um “faz-tudo”, em TEATRO, HÍLTON COBRA, que teve, em LUIZ MARFUZ, o arquiteto de um belo texto, concretizado, em cena, pelo próprio COBRA.

            Fui à Sala Multiuso, do SESC Copacabana, no dia da estreia deste espetáculo, há três dias, com uma expectativa “x” e saí de lá totalmente encantado com o monólogo, carregando muitos “x”, além da minha expectativa.

            A ideia é excelente; o texto, brilhante, assim como a atuação do ator, muito bem dirigido por FERNANDA JÚLIA.

            A temática, infelizmente, ainda é bastante atual, pois trata de racismo, discriminação racial; aqui, ela é fortemente ampliada, pela teoria da eugenia, uma falsa ciência, surgida à época em que viveu o grande escritor brasileiro, orgulho da nossa literatura, LIMA BARRETO (1881-1922), negro, “pisoteado, sem o devido reconhecimento de sua inovadora obra literária, em vida” (HILTON COBRA).

            “A eugenia (ou eugenismo), é um termo criado, em 1883, por Francis Galton (1822-1911), significando ‘bem nascido’. Galton definiu eugenia como ‘o estudo dos agentes, sob o controle social, que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações, seja física ou mentalmente’. 

O tema é bastante controverso, particularmente após o surgimento da eugenia nazista, que veio a ser parte fundamental da estúpida ideologia de ‘pureza racial’, a qual culminou no Holocausto, promovido pelo sanguinário criminoso Adolf Hitler.

Mesmo com a, cada vez maior, utilização de técnicas de melhoramento genético, usadas, atualmente, em plantas e animais, ainda existem questionamentos éticos quanto a seu uso com seres humanos, chegando até o ponto de alguns cientistas declararem que é, de fato, impossível mudar a natureza humana.

Desde seu surgimento, no final do século XVIII, até os dias atuais, muitos historiadores, filósofos e sociólogos declaram que existem diversos problemas éticos sérios na eugenia, como a discriminação de pessoas por categorias (...).” (Wikpédia, com adaptações.)

Muito mais do que isso, trata-se de algo ignóbil, vil, desprovido de qualquer noção de respeito à dignidade do ser humano.

Os fatos encenados não são verídicos, mas bem poderiam ter sido. Só o fato de se imaginá-los como uma verdade já nos indigna, da mesma forma como o teor das frases projetadas, durante o espetáculo, retiradas de publicações de eugenistas, os quais tiveram a insensatez, para dizer o mínimo, de considerar a raça negra como inferior.


 
 

 
 
 
 
SINOPSE:
 
Partindo de um texto fictício, logo após a morte de LIMA BARRETO, os eugenistas exigem a exumação do seu cadáver, para uma autópsia, a fim de esclarecer “como um cérebro inferior poderia ter produzido tantas obras literárias - romances, crônicas, contos, ensaios e outros alfarrábios - se o privilégio da arte nobre e da boa escrita é das raças superiores?”
 
 
 
 
 
 
 
 
 
É a partir desse argumento que se desenvolve o espetáculo, com LIMA se defendendo de tal infâmia e, ao mesmo tempo, num tom de deboche, destilando, de forma bem sarcástica, seu veneno contra os opressores, dizendo-lhes o óbvio: a cor da pele é apenas um detalhe racial, genético, que diferencia um ser humano do outro, apenas em termos de raça, igualando-os, porém, na condição de seres humanos.
A partir desse embate com os eugenistas, a peça mostra as várias facetas da personalidade e da genialidade de LIMA BARRETO: sua vida, a família, a loucura, o alcoolismo, sua convivência com a pobreza, sua obra não reconhecida, o racismo, suas lembranças e tristezas...
 
 


 
 


Com este belo espetáculo, HÍLTON COBRA celebra os 135 anos do nascimento de Lima Barreto, os 15 anos da Cia dos Comuns, fundada por ele, e os 40 anos de carreira artística. O espetáculo pode ser, portanto, resumido como uma bela e merecida celebração.

De acordo com o “release” da peça, enviado por MÁRCIA VILELLA (TARGET ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO), “LIMA BARRETO definia sua obra como ‘militante’. Sua produção literária está, quase inteiramente, voltada para a investigação das desigualdades sociais, da hipocrisia. É justamente essa vocação (‘arte militante’) que aproxima COBRA de LIMA BARRETO”, com o que concordo plenamente. Ali, sob os refletores e expondo-se aos olhos e ouvidos críticos de seus espectadores, COBRA se mostra um grande militante da causa negra. Mais que isso, da causa antieugenística; mais ainda, da tolerância, em todas as suas manifestações.

“Hoje, discutir racismo, através de um autor, como LIMA, no TEATRO, é dar uma contribuição extraordinária para esse tema. Também é um carinho que queremos fazer com LIMA BARRETO – um autor tão pisoteado, tão injustiçado, que pensou tão bem esse Brasil, abriu, na literatura brasileira, ‘a sua pátria estética’ (os pisoteados, ou loucos, os privados de liberdade – esses são os personagens de LIMA BARRETO).”, explica COBRA.

O trabalho é apresentado, oficialmente, como um “projeto artístico-investigativo-formativo”, para o que não é necessária qualquer explicação. Basta assistir a ele. Ainda propõe uma imersão na contribuição da obra do provocativo escritor e, certamente, faz com que cada espectador deixe aquela Sala mexido e pronto a mergulhar num mar de reflexões.

O texto é genial, mesclando ineditismo com frases de eugenistas e do próprio LIMA BARRETO. Tudo o que é dito se encadeia muito bem e se apresenta de uma forma meio didática, porém não enfadonha; muito ao contrário, é dinâmico, valorizado pela magnífica e irrepreensível atuação de HÍLTON COBRA, um ator de grandes possibilidades técnicas, que, parecendo imantado, atrai os espectadores, desde sua entrada triunfal em cena, e mantém essa atração até o apagar do último refletor. Dono de um carisma, de um talento e de uma gigantesca presença de palco, HÍLTON nos brinda com uma atuação inesquecível, um convite a voltar àquele espaço, para aplaudi-lo mais e mais...
 
 
 



FERNANDA JÚLIA, do NATA (Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas), assina uma direção brilhante. É ela quem diz, no já citado “release”: “O diálogo crítico e politizado sobre negritude é um disparador potente do fazer cênico do NATA. Esses elementos foram fundamentais, para que eu percebesse quais caminhos trilhar, na construção do espetáculo. Sou uma provocadora e problematizadora, por natureza, e acho que a encenação deve seguir este caminho – provocar a reflexão e problematizar o que está posto. São dois caminhos que sigo e que fundamentam minhas escolhas poéticas e estéticas. Sou uma encenadora negra e afirmativa, desejo sempre colocar, em cena, a beleza, a grandiosidade e as vitórias do meu povo.” Quem for assistir ao espetáculo há de encontrar tudo isso no trabalho de FERNANDA.

Outros elementos contribuem para o sucesso da encenação, como o cenário, simples, mas muito interessante, a serviço do espetáculo, de MÁRCIO MEIRELES; a acertada luz, do grande mestre JORGINHO DE CARVALHO; o simples, despojado e belo figurino, de BIZA VIANNA; a direção de movimento, assinada por ZEBRINHA, e a excelente direção musical, a cargo de JARBAS BITTENCOURT.





 
 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Luiz Marfuz
Direção: Fernanda Júlia
 
Ator: Hílton Cobra 
 
Cenário: Márcio Meireles
Desenho de Luz: Jorginho de Carvalho
Figurino: Biza Vianna
Direção de Movimentos: Zebrinha 
Direção Musical: Jarbas Bittencourt
Direção de Vídeo: David Aynan
Direção de Produção: Tânia Rocha
Produção Executiva: Afonnso Drumond
Design Gráfico: Bob Siqueira e Ga
Fotografia: João Meirelles e Valmyr Ferreira
Participações especiais (voz em “off”): Lázaro Ramos, Frank Menezes, Harildo Deda,  Hebe Alves,  Rui Mantur e Stephane Bourgade
Assessoria de Imprensa: Márcia Vilella (Target Assessoria
 
 

 

 
 
 
 

 
 
SERVIÇO:
 
Temporada de 14 de abril a 07 de maio de 2017.
Local: SESC Copacabana (Sala Multiuso).
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone: (21)2547-0156.
Dias e Horários: Às 6ªs feiras e sábados, às 19h, e, aos domingos, às 18h.
Valor dos Ingressos: R$25,00; R$12,00 (estudantes e idosos); R$6,00 (associados Sesc).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: 2ª feira, das 8h às 17h; de 3ª feira a 6ª feira, das 8h às 21h; sábados, das 13h às 21h; domingos, das 13h às 20h.
Classificação Etária: 14 anos.
Duração: 60 minutos.
 
 

 
 
 

 


            Recomendo, com empenho, este espetáculo e espero poder encontrar uma oportunidade de revê-lo, tal foi meu encantamento por ele.

 


(FOTOS: JOÃO MEIRELLES
e
VALMYR FERREIRA.)
 
 
 

 

 
 

 

 



 

 

 
 

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