domingo, 11 de setembro de 2016


BOA NOITE, PROFESSOR
 

(PURO REALISMO NUMA SITUAÇÃO LIMITE.)

 
 

 

 

            TEATRO se faz, sobretudo, com paixão. E não deve ser pouca. MUITA PAIXÃO! E paixão é o que não falta, no espetáculo “BOA NOITE, PROFESSOR”, em cartaz no Teatro O TABLADO (Ver SERVIÇO.). PAIXÃO, escapando por todos os poros, por parte de todos os envolvidos no projeto.

            Este ano de 2016, quando O TABLADO comemora 65 anos de EXCELENTES SERVIÇOS PRESTADOS AO TEATRO BRASILEIRO, um espetáculo, para adultos, ficará marcado nos anais daquele celeiro de grandes nomes do nosso TEATRO. Trata-se de “BOA NOITE, PROFESSOR”, uma curiosa e interessante experiência, por meio de uma parceria entre pai e filha, ambos professores de lá. Falo de LIONEL FISCHER e JÚLIA STOCKLER, que escreveram e dirigem, juntos, o espetáculo.
 
 

 
Ricardo Kosovski e Nina Reis.
 
 
 
SINOPSE:
 
A peça narra a história de um respeitado professor, PAULO (RICARDO KOSOVSKI) e sua brilhante candidata a orientanda, VERÔNICA (NINA REIS), que se encontram, para falar do tema que os une, a psicopatia, sem se darem conta de quantas camadas podem estar submersas neste oceano, em que a pesquisa científica é apenas a ponta do iceberg.
 
Quais são os limites entre sanidade e loucura? Do que é feita esta zona limítrofe? Até onde pode ir um jogo de sedução?
 
Nesse encontro singular e potente, questões do passado vêm à tona, numa estória instigante e cheia de surpresas. Uma peça que fala sobre afetos, armadilhas, desejo e culpa, desnudando um relacionamento único e comum, como tantos que existem.
 
PAULO, cinquenta e poucos anos, é um psiquiatra brilhante e professor emérito. Mas será que ele seria apenas isso? VERÔNICA, vinte e poucos anos, cabelos presos de forma curiosa, óculos de grau. Ela é aluna de PAULO e pediu sua orientação para sua dissertação de mestrado, cujo tema é a possibilidade dos psicopatas sentirem alguma coisa por seus objetos de desejo, o que transcenderia a mera perversão. Mas será que ela está ali apenas por razões estritamente acadêmicas?
 
Com o desenrolar da trama, as aparências vão, pouco a pouco, cedendo espaço a uma realidade impregnada de brutalidade e poesia,  encantamento e ódio, e o espectador começa a perceber que aluna e professor talvez estejam empreendendo um inadiável ajuste de contas.
 
Mas o que teria acontecido? Talvez um crime, jamais elucidado. No entanto, a verdade precisa vir à tona e, por isso, alternando-se nos papéis de algoz e vítima, os personagens empreendem uma dilacerada jornada que se encerra com uma revelação aterradora.
 

 
 
 


Segundo o “release” do espetáculo, enviado pela assessoria de imprensa (DANIELLA CAVALCANTI) “a ideia do espetáculo surgiu a partir de uma outra peça de LIONEL FISCHER, de mesmo nome, bastante diversa, pois, além de possuir muitos personagens, o protagonista era um “serial killer”, um psicopata típico. “Agora, são apenas dois personagens, e o foco gira em torno da possibilidade de um psicopata nutrir algum tipo de sentimento por seu objeto de desejo. E, também, procuramos investigar a validade da clássica definição do conceito de psicopatia”,  conta LIONEL.

“É sobre esta plataforma que FISCHER e STOCKLER se debruçam, para tratar a psicopatia, este mal tão em voga atualmente, cujos desdobramentos ainda desafiam as teorias científicas mais arrojadas, no mundo todo.” (Ainda extraído do “release”).

Gosto de conhecer a sinopse de uma peça, antes de assistir a ela, mas procuro não ler nenhuma crítica ao espetáculo, por vários motivos. Com relação a este, infelizmente, não consegui saber de que tratava, mas, por curiosidade, li uma crítica, exibida num pequeno cartaz, afixado numa das paredes externas do teatro, o que não aconselho ninguém a fazer, uma vez que, nela, já está revelado, enfaticamente, o final da peça. Arrependi-me bastante de tê-lo feito.

Por outro lado, apesar de ser um espetáculo que pode ser classificado como “teatro psicológico” e, como tal, recheado de elementos de suspense, este não me parece ter sido o grande trunfo dos autores do texto. Penso que eles se preocuparam com algo além, e que não fica, propositalmente, claro, para os leigos no assunto – psicopatia -, uma vez que, à medida que a trama vai se desenvolvendo, o espectador atento já vai percebendo, com certa facilidade, qual é a real intenção daquela visita, o que buscava VERÔNICA, indo ao encontro do professor, e quem seria o verdadeiro PAULO.
 
 
 

Há um mistério no ar e uma verdade, ou confissão, buscada por VERÔNICA, que não mede esforços para atingir seu objetivo, arriscando-se, sozinha, no apartamento de alguém que ela pouco conhecia e que buscava conhecer mais, mesmo que tal conhecimento lhe pudesse causar um irreversível prejuízo, do ponto de vista físico e interior. Trata-se de uma situação limite entre aqueles dois, cujos desdobramentos seriam uma incógnita.

A aluna vai ao apartamento do professor, de frente para o mar, e, até se provar o contrário, seu objetivo seria "tirar algumas dúvidas" e convidá-lo a ser seu orientador de tese, do que ele tenta fugir, uma vez que está em vias de se aposentar. Ou não seria esse o real motivo da recusa?

No meios de livros, papéis e fotos, que VERÔNICA carrega, há, também, um diário, escrito por sua mãe, cujas páginas finais encerram a motivação daquela visita/busca.

O público começa, então, e se orientar pelas atitudes e falas de VERÔNICA e a montar um quebra-cabeça, a caminho do desfecho (ou não) da trama, a partir do momento em que ela começa a mostrar a PAULO fotos de sua falecida mãe, ex-aluna dele, assassinada, à noite, numa praia deserta, e a ler trechos daquele diário, o que o leva a uma situação de total desconforto e agitação.  

            Ela inicia um ritual de sedução, em relação a ele, o qual faz uma força imensa, para não ceder à tentação. O que estaria desejando com aquilo? Há um forte embate entre os dois, inevitável, quando se cruzam opressor e oprimido. E a psicopatia está ali corporificada? Na figura de PAULO apenas? Ou está presente nos dois? Quem é o mais doente?
 
 

 


VERÔNICA invade uma privacidade, remexe, literalmente, nas fotos guardadas pelo professor (ambos se interessavam por fotografia) e nos “escaninhos” da memória de PAULO, para poder resgatar uma verdade; mais ainda, ratificar o que já lhe parecia certo.     

            O tema da peça é bastante forte e pode ser considerada uma grande e feliz ousadia de LIONEL e JÚLIA o seu desenvolvimento. Trabalhar num texto que trata de psicopatia, como tema, depois de tantos bons textos já escritos, girando em torno dele, não é tarefa para principiantes. Primeiro, é preciso um mergulho no assunto, para evitar deslizes e falsas verdades. Parece-me que ambos mergulharam bem fundo e mostraram, aos leigos, como eu, a postura de um psicopata, que não consegue enxergar o outro como um igual, menos ainda se condói pela dor alheia, culminando com o não reconhecimento da culpa por algum ato merecedor da aplicação de uma pena, pelas leis dos homens. Ele é incapaz de reconhecer seu erro, porque a possibilidade de errar não existe para ele. Por mais condenável que seja um ato seu, ele sempre o verá como natural, numa atitude ingênua, até de favorecimento à sua vítima. Quando encurralado, porém, é capaz de reagir, até de forma mais violenta que a praticada anteriormente, em algum momento de surto.

            Os grandes pontos de destaque da peça vão para alguns detalhes.

Em primeiro lugar, para o ótimo texto, bastante enxuto e objetivo, a ponto de, em apenas 50 minutos, desenvolver, a fundo, a proposta da peça, ainda que o tema seja bastante árduo.

Acrescentem-se as brilhantes interpretações de RICARDO KOSOVSKI e NINA REIS, esta, indiscutivelmente, em seu melhor trabalho, como atriz. Quando falei em “paixão”, no início destes escritos, o meu referencial maior, com relação a “BOA NOITE, PROFESSOR”, me veio pelo trabalho de interpretação da dupla. Poucas vezes, vi tanta verdade em cena, expressa, inclusive, magistralmente, numa cena de agressão física, mútua, que chega a “incomodar” o espectador, o qual fica a dois ou três passos dos atores, já que o espetáculo é feito no palco do teatro, transformado numa pequena arena, comportando cerca de cinquenta espectadores. Há uma total intimidade entre atores e público. Confesso que, na hora da brutal cena, oscilei entre sair correndo daquele lugar ou tentar apartar a briga, pesando mais, na minha balança, a primeira opção. Mas, felizmente, me mantive firme, na minha cadeira. Parecia real, mas era TEATRO.



 


Por oportuno, vale dizer que o excelente trabalho dos atores, deixando de lado a competência profissional de ambos e a “paixão” que aplicam a seu ofício, chega ao ponto de ser considerado, por mim, magnífico, graças à ótima direção de pai e filha, LIONEL e JÚLIA, os quais souberam sugar toda a energia dos atores, física e interior. 

JOSÉ DIAS foi econômico nos elementos do cenário, nem por isso causando algum prejuízo à montagem. Pelo contrário, considerando-se as circunstâncias que envolvem a encenação, ou seja, a correta opção de ser utilizado o palco de O TABLADO, como um teatro de arena, fez uso de poucos recursos cênicos, os necessários para o desenvolvimento da trama: uma poltrona, uma mesinha de centro/bar, garrafas de bebidas e copos; num dos cantos, uma pilha desordenada de caixas de papelão, que pode ser decodificada como “qualquer coisa” (um armário, talvez), criando um tom meio caótico para aquele ambiente.

O figurino, de ANA CAROLINA LOPES, não tem nada a ser destacado, a não ser que são discretos e bem próximos à identidade dos dois personagens.

O mestre da iluminação, AURÉLIO DE SIMONI, também fez um trabalho discreto, sem grandes variações, utilizando, se não me equivoco, todos os pontos de luz acesos, durante toda a ação, variando, apenas, e muito raramente, na gradação da luz.

Um excelente elemento, nesta montagem, que ajuda bastante, na criação do suspense, por exemplo, é a trilha sonora, a cargo do premiado TATO TABORDA, com destaque para uns sons “estranhos”, que pensamos ser o barulho do mar, mas que, posteriormente, fiquei sabendo, por LIONEL FISCHER, que eram ruídos gravados no interior de uma baleia. Fantástico efeito, além de curioso!

            Encerro minhas considerações sobre “BOA NOITE, PROFESSOR”, recomendando o espetáculo e aplaudindo a iniciativa da formação da dupla FISCHER & STOCKLER, na esperança de que este primeiro texto seja o primeiro de muitos outros, certamente tão bons quanto o aqui analisado. 

 
 
 




 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto e Direção: Lionel Fischer e Júlia Stockler
 
Elenco: Ricardo Kosovski e Nina Reis
 
Cenário: José Dias
Figurino: Ana Carolina Lopes
Trilha Sonora: Tato Taborda
Iluminação: Aurélio de Simoni
Direção de Movimento: Renato Linhares
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos Divulgação: Guga Melgar
Produção Executiva: João Sant’Anna
Direção de Produção: Fernando do Val
Realização: Teatro O TABLADO
 




 
Ensaio. Ao fundo, Lionel Fischer.



 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 06 de agosto a 25 de setembro
Local: Teatro O Tablado (Avenida Lineu de Paula Machado, 795 – Lagoa – Rio de Janeiro)
Telefone: (21) 2294-7847
Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 21h; domingo, às 20h
Valor do Ingressos: R$30,00
Capacidade: 50 espectadores
Gênero: Drama
Duração: 50 minutos
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 6ª feira a domingo, duas horas antes do início do espetáculo
Vendas antecipadas: www.ingresso.com
Classificação Etária: Recomendada para pessoas a partir de 14 anos
 

 

(FOTOS GUGA MELGAR)
 
 
 
 
 













 



 



 




 







 



 



 



 















 
 

 

 












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