MORANGO
&
CHOCOLATE –
QUERIDO DIEGO
(UMA RESPOSTA
POÉTICA
À INTOLERÂNCIA E À HOMOFOBIA.
ou
PASSA O TEMPO E
NADA PASSA.
ou
UMA ODE À
AMIZADE.)
Sete
ou oito espetáculos, numa “fila de espera”, aguardando sua vez de merecer as
minhas humildes considerações, e, na 5ª feira, 23 de junho, cumprindo meu
cronograma de idas diárias ao teatro,
assisti a um espetáculo, que, infelizmente, encerrou sua temporada no domingo, dia 26 de
junho (2016). E surge o grande dilema: como não escrever, o mínimo
que seja, embora o espetáculo merecesse um máximo de linhas, sobre uma produção
que o que tem de simples e modesta tem de grandiosa na sua essência, na sua
concretização?
Estou falando de “MORANGO & CHOCOLATE” – QUERIDO DIEGO”, que, numa temporada
relâmpago, de apenas três semanas, consegue, sem nenhum nome “global” no
elenco, atrair um grande público ao Teatro
Dulcina, pessoas que, ao final da peça, aplaudem, de pé, o trabalho dos
atores, em meio a um outro grito de “BRAVO!”.
Um deles, naquela sessão, o primeiro, foi puxado por mim.
Vítor Peres e Márcio
Nascimento.
Como
já disse, várias vezes, e repeti, ao diretor
da peça, ANTÔNIO CARLOS BERNARDES, que
viveu seis meses Cuba, em 1987, e tornou-se amigo do autor do texto, SENEL PAZ, - BERNARDES, que é um
guerreiro e que, de forma muito corajosa, traduziu
o texto original, dirigiu e produziu o espetáculo, com recursos
próprios, sem contar com qualquer patrocínio -, é extremamente gratificante
fazer um deslocamento difícil, de mais de trinta quilômetros, de casa a um
teatro, contando com uma expectativa, e sair de lá, imensamente feliz, com
aquela expectativa anterior multiplicada muitas vezes. Foi assim que me senti
ontem.
Encantei-me com o espetáculo, por sua beleza, poesia, a mensagem que o
texto passa, a competente interpretação dos atores e a brilhante direção. Como disse, nos subtítulos, a peça é “UMA
RESPOSTA POÉTICA À INTOLERÂNCIA E À HOMOFOBIA”, o que a faz ser
atualíssima, já que, infelizmente, os dois temas frequentam, diariamente, a
mídia, no Brasil inteiro, no mundo inteiro, sem que se veja nenhum progresso no
sentido de um combate a tão nefastas práticas. “PASSA O TEMPO E NADA PASSA”. Passa
o tempo e nada de novo, de positivo, acontece, para garantir o livre
pensamento, o respeito às diferenças, principalmente as que estão ligadas a
etnias, religiões ou práticas sexuais (recuso-me a utilizar o termo
“preferências”). “UMA ODE À AMIZADE”, porque é o sentimento que se vê nascer,
desenvolver-se e atingir um ápice, na relação entre dois seres humanos tão
diferentes, em suas convicções e comportamentos, mas que aprendem a se amar,
como iguais. A amizade é um dom, que DAVID
e DIEGO souberam cultivar e nos
emocionam muito com ela. Chorei, com o
abraço final dos dois. (Sugiro que ouçam “Tá Combinado”, canção de Caetano
Veloso, na voz de Maria Betânia,
excluindo, da letra, apenas a palavra “sexo”.)
Vítor Peres e André Brilhante.
A trama.
“MORANGO & CHOCOLATE –
QUERIDO DIEGO” é uma adaptação inédita, em palcos brasileiros, do premiado
filme cubano “Fresa Y Chocolate”,
co-produção cubano-mexicano-espanhola, dirigido, em 1990, por Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío, a partir do conto “El Lobo, El Bosque Y El Hombre”
escrito por SENEL PAZ. Adorei o
filme, quando assisti a ele, e fui dos primeiros a adquirir o DVD, quando posto
à venda no Brasil. Foi o primeiro filme
de temática “gay” e da liberdade de direitos, realizado em Cuba, e
primeiro a concorrer ao Oscar, na categoria “Melhor Filme Estrangeiro”.
O filme ganhou vários prêmios em festivais, no mundo inteiro, e arrebanhou
milhões de pessoas aos cinemas.
SINOPSE:
A história se passa em
Havana, na Cuba de Fidel Castro.
DAVID (VÍTOR PERES), um interiorano, que acredita no comunismo e na
Revolução Cubana, vai estudar na capital, graças ao governo.
Na mais conhecida
sorveteria de Havana, Copélia, ele é abordado por DIEGO (MÁRCIO NASCIMENTO), artista homossexual e dissidente do
regime castrista, que luta contra a discriminação e pelos direitos sociais.
DIEGO pede sorvete de morango e DAVID, um de chocolate.
Aparecem os conflitos de
personalidade e de direitos, mas eles acabam descobrindo a verdadeira amizade,
livre de interesses e preconceitos.
É um espetáculo que aborda
questões universalmente conhecidas e que estão sempre em discussão.
Embora a ação se passe na
Cuba dos anos 70, a
história abordada é atual e universal.
Os direitos individuais, o
direito da diversidade sexual e a questão política continuam sendo temas de
grande importância.
Mas a principal razão
deste espetáculo é que o texto fala
da amizade sincera e incondicional entre duas pessoas.
Diego.
Vejo como oportuno transcrever as palavras do diretor, a respeito da ideia de montagem da peça: “Histórias
de amizade sempre me fascinaram. Principalmente, quando o tema extrapola para
outras ações dramáticas. O texto de SENEL PAZ tem uma dramaturgia muito bem
construída, abordando questões universais, como política, liberdade (em todos
os sentidos), preconceito e, principalmente, amizade. São temas universais, tão
discutidos na atualidade. É um texto emocionante. Conheci SENEL PAZ, em Cuba,
quando fui participar da inauguração da Escuela Internacional de Cine y TV de
San Antonio de Los Baños. Embora soubesse que aquele companheiro de quarto
escrevesse (eu dividia as instalações com mais um cubano), era difícil
acreditar que SENEL PAZ, poucos anos depois, seria um autor conhecido
internacionalmente.”
Ao contrário do que eu
imaginava, não foi o filme que deu origem à peça. A trajetória foi esta: um
conto deu origem a uma versão da peça, que deu origem ao filme. Este, depois,
voltou a ser uma peça teatral, com o texto modificado, com base no filme, ao
qual foram acrescidos outros personagens. A versão que está sendo encenada é a
mais recente de todas, a última, de 2012, reescrita pelo próprio SENEL.
Por total falta de
tempo, não farei uma análise tão profunda do espetáculo, como ele bem merecia,
entretanto não me furto a dizer que o que vi, ontem, em cena, foi mais uma
prova de que é possível se fazer um excelente espetáculo a um custo baixo,
contando com o trabalho, o talento e a criatividade das pessoas envolvidas no
projeto.
O texto é belíssimo e alterna diálogos com “bifes” (monólogos
longos), narrativos, explicativos, quase didáticos, direcionados à plateia,
quase que como solilóquios. É sério, por se tratar de um drama, mas não nega
espaço a algumas tiradas que provocam bom humor, quase cem por cento por meio de
frases ditas pelo personagem “gay”, DIEGO.
A direção
é corretíssima, valorizando o texto
e a atuação dos atores, sem nenhuma
pretensão a grandes ousadias. É, digamos, “acadêmica”, no melhor sentido da palavra.
Márcio
Nascimento e Vítor Peres.
O desempenho do trio de atores, MÁRCIO NASCIMENTO (DIEGO), VÍTOR
PERES (DAVID) e ANDRÉ BRILHANTE
(MIGUEL) é muito bom, com destaque para MÁRCIO, que descobriu o tom perfeito para a interpretação do
intelectual “gay”, sem cair, em
nenhum momento, no ridículo da caricatura, nem mesmo quando “dubla” Maria Callas, num trecho da “A Flauta Mágica”, de Mozart.
Achei lindo o cenário,
de CARLOS ALBERTO NUNES, que traduz,
com perfeição, o ambiente de humildade e pobreza do universo “kitsch” (brega,
cafona), já nosso conhecido em outras produções (filmes e peças), que mostram
esse tipo de habitação cubana. Os detalhes do cenário são fascinantes; todos os objetos que ocupam um
móvel/estante, ao fundo, são de chamar a atenção do público, assim como o sofá,
totalmente “démodé”, e uma mesinha de centro. À frente, quase na ribalta, num
dos cantos do palco, apenas uma mesa e duas cadeiras, representando a
sorveteria, local em que os dois amigos se conhecem.
É muito boa a escolha dos figurinos, também assinados por CARLOS ALBERTO NUNES, seguindo os padrões da época e a simplicidade
e pobreza franciscana dos personagens, com um pouco de destaque para os de DIEGO, por ser mais exibicionista,
vaidoso e de “melhores posses”.
Nenhum comentário especial para a iluminação, de DJLMA SALGUEIRO, o qual, sem culpa alguma, não tem, a oportunidade
de mostrar grandes mudanças de luz,
em função das exigências do texto.
Como não poderia deixar de ser, a trilha sonora, de MARCELO ALONSO NEVES, é um dos pontos altos da encenação, usando e
abusando da deliciosa música cubana, além de outras pequenas inserções.
Cabe, por
último, uma alusão ao excelente programa
da peça, que traz um encarte, com informações interessantíssimas, as quais
ajudam muito, aos menos familiarizados com a história da terra de Fidel, a entender a peça.
O
começo de uma amizade.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Senel Paz
Tradução, Direção e
Produção: Antônio Carlos Bernardes
Elenco: Márcio Nascimento, Vítor Peres e André
Brilhante
Cenografia e Figurinos: Carlos Alberto Nunes
Trilha Sonora: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Djalma Amaral
Fotos: Paulo Rodrigues
Programação Visual: Bia Salgueiro
Pesquisa de Textos do Programa: Antônio Carlos Bernardes
Divulgação: Márcia Vilella (Target)
“MORANGO & CHOCOLATE – QUERIDO DIEGO” é daqueles espetáculos
que nos provocam a vontade de rever duas, três vezes... E como eu gostaria
disso!!! É uma pena que não conseguirei fazê-lo, a não ser que a peça volte, em
outra temporada, pelo que torço muito.
O retrato da AMIZADE.
(FOTOS: PAULO RODRIGUES.)
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