2ª
MARATONA TEATRAL
EM
SÃO PAULO - 2016
(PARTE III)
POR
QUE NEM TODOS OS DIAS SÃO DIAS DE SOL?
(“NEM SEMPRE O SOL BRILHA.
TAMBÉM HÁ DIAS EM QUE A CHUVA
CAI”.
E TAMBÉM É BOM!!!)
É
preciso gostar muito de TEATRO, até
mesmo infantil, sem nenhum demérito (muito pelo contrário) e admirar bastante o
trabalho de uma companhia, que emplaca 20 anos de enormes sucessos, para
enfrentar um deslocamento distante, de um hotel, numa cidade, que não é sua, até
um teatro, às 12 horas de um sábado, num dia frio e chuvoso. Mas valeu a pena. E como valeu!
A
peça é “POR QUE NEM TODOS OS DIAS SÃO
DIAS DE SOL?”. A companhia é a ARTESANAL
CIA. DE TEATRO. A cidade em questão é São
Paulo. O Teatro é o do SESC Pompeia. O resultado desse “sacrifício”
foi regiamente recompensado, diante do belíssimo espetáculo – e nem poderia
esperar outra coisa – que estava sendo apresentado lá, até o último dia 12 de
junho (2016). A peça continuará em cartaz, viajando pelo Brasil, e chegará, em
data a ser divulgada, ao Rio de Janeiro.
A ARTESANAL é uma companhia diferenciada,
que prima pelo bom gosto, por um trabalho profundo de pesquisa e que, acima de
tudo, respeita a criança e não mede esforços para levar, ao público infantil,
espetáculos de altíssima qualidade, superando muitas produções do chamado
“teatro para adultos”. Aliás, o TEATRO
produzido pela ARTESANAL é para
crianças e para adultos; é para quem tem bom gosto, sensibilidade apurada e
sabe valorizar um belo espetáculo teatral, independentemente da idade
cronológica do espectador. Assim tem sido em toda a sua trajetória, que lhe
rendeu muitos prêmios, merecidamente conquistados, diga-se de pasagem.
Desta vez,
para o espetáculo motivo desta análise, a ARTESANAL
CIA. DE TEATRO realizou, durante dois meses, um trabalho de pesquisa, com
cerca de 30 crianças, que foram estimuladas a formular suas opiniões sobre
diversos temas propostos pelo grupo: "O que é o amor? O que é a liberdade? O
que é a vida? O que é o medo? O que é ser adulto? Como as crianças vão parar
dentro da barriga das mulheres?”, além de tantos outros.
Pode-se
imaginar a gama de respostas interessantes e desafiadoras que brotaram das
boquinhas e das cabecinhas dos pequenos, muitas das quais só possíveis dentro
da “filosofia” pura e direta das crianças: "O amor é gostar de alguém e ficar
juntos. Liberdade é não estar preso. A vida é quando respiramos e fazemos as
coisas. O medo é algo que sentimos quando está escuro. Ser adulto é não poder
brincar. As crianças são colocadas dentro da barriga das mulheres por seus
papais”.
A partir do
material em mãos, o grupo acrescentou, a ele, suas próprias experiências e
vivências de sua infância, para dar forma à excelente dramaturgia, de GUSTAVO
BICALHO, que se vê na peça, cujo texto
é dividido em quatro pequenas narrativas,
contos fabulosos, que tratam, cada um dentro de uma linguagem e técnica
diferentes, de questões colocadas pelas próprias crianças.
O universo,
apresentado nas quatro histórias, é um mundo de fábulas: histórias revisitadas
pelas lembranças e ressignificadas pelo fazer teatral. São narrativas simples,
singelas e poéticas, contadas, quase sempre, através do olhar infantil.
SINOPSE:
PRIMEIRA HISTÓRIA: “A VELHA DO SACO” - Um menino tem medo de uma
velha, que se senta, todos os dias, no banco de uma praça. Isso, porque seus
pais lhe diziam que não se aproximasse dela, pois era uma bruxa, que roubava a
memória das crianças e a guardava dentro dos sacos que vestia. Porém, sua
curiosidade faz com que ele se aproxime dela e descubra que as lembranças são
histórias que contamos para as outras pessoas. A menos que eu não tenha
prestado tanta atenção, não me recordo de nomes para os personagens, talvez
pelo fato de a questão fazer parte do imaginário popular e existir em qualquer
canto do universo. Entra, aqui, a questão do preconceito, ou “pré-conceito”,
fruto da ignorância de muita gente. Cabe ao menino desfazê-lo. Neste conto, é
utilizada a técnica chamada “bonecos siameses”,
em que os atores e os bonecos parecem uma coisa só. Estes são presos aos corpos
daqueles, pela frente, e, por eles, são manipulados . Os bonecos, de tamanho
natural, praticamente, são “vestidos” no corpo dos atores. É de causar grande
impressão o excesso de expressividade exposta.
SEGUNDA HISTÓRIA: “PÁSAROS” - Uma menina, que gosta de pássaros, tenta
ajudar seu vizinho a resgatar uma pipa, que ele estava empinando e que ficou
presa, nos galhos de uma mangueira, em seu quintal, transformando-o em um
pássaro. Aqui, o espectador vai conhecer BETO
e NINA, e um outro tipo de medo. Não
da bruxa, mas de altura. NINA diz a BETO que se prontificaria a subir na
alta árvore, para buscar o brinquedo do amigo, porém tem medo de altura. E o
menino não tem o menor pudor de confessar a ela que também sofria do mesmo mal,
uma atitude corajosa dele, contrariando as injustificáveis “teorias machistas”
de que “homem não chora, homem não tem medo...”. A técnica empregada, nesta
encenação, é a das “máscaras”, uma
das mais simples e utilizadas em TEATRO
INFANTIL, principalmente.
TERCEIRA HISTÓRIA: “O RELÓGIO E A RÉGUA” - Um homem, personagem
anônimo, conversa com objetos em seu escritório, após seu filho, também de nome
não revelado, ter-lhe dito que prefere continuar criança para sempre, pois acha
que é muito chato ser adulto. Será que o menino está com medo de crescer?
Estaríamos diante de uma nova versão de Peter
Pan? Depois de ouvir isso, o pai vai trabalhar e, no seu escritório, depara-se
com uma surpresa: os objetos começam a conversar com ele. Uma luminária puxa
prosa, o relógio entra no papo e a régua também decide tagarelar. No que será
que vai dar essa brincadeira, dentro do escritório do pai, de um ser adulto?
Quer dizer, então, que gente grande também brinca no trabalho? O cerne deste
conto é mostrar que todos podem brincar e deixar sua imaginação viajar pelo
espaço. Nesta cena, é empregada a “técnica
do teatro de objetos” ou “animação
de objetos”. Os atores “dão vida” a seres inanimados, manipulando-os.
QUARTA HISTÓRIA: “O JARDIM DAS BORBOLETAS AGITADAS” - Uma menina
engole uma semente de laranja, achando que, dessa forma, um bebê irá crescer
dentro de sua barriga. Mas, ao perceber que nada acontece, começa a pensar que
uma árvore está crescendo dentro dela. Os adultos costumam explicar, às
crianças, a maneira como elas são geradas com a famosa história da “sementinha
que o papai coloca dentro da mamãe”. Quando a mãe, personagem desta história,
também sem nome definido, diz isso à filha, a menina foi correndo, engolir uma
semente de laranja, como já foi dito (ela entende a palavra “semente” do ponto de vista
denotativo), para ver se crescia um bebê em sua barriguinha. Em seguida,
arrependeu-se, pois teve medo de que uma árvore, uma laranjeira, pudesse
crescer dentro dela. Aqui, é empregada a mais sofisticada e difícil, no meu
entendimento, das quatro técnicas experimentadas em cena, a do “video-mapping”, sem tradução precisa
para o nosso idioma (aproximadamente, “videografismo”),
que consiste em projeções de imagens animadas, no palco, em torno dos atores e
com as quais eles interagem. Essas projeções são feitas nas telas de bastidores
de bordados, que os atores vão deslocando pelo palco.
Bonecos de papel, presos a palitos.
Muitos, e
variados, motivos são responsáveis por eu recomendar este espetáculo, de uma
beleza ímpar e de uma poesia incomensurável. A começar pelo texto, com diálogos bem escritos, não
subestimando a inteligência infantil. Não há espaço para a mediocridade
linguística, para a pobreza vocabular, para as construções infantiloides, mas
também não se explora uma erudição, que, certamente, entediaria as crianças e
não as levaria a entender e acompanhar as histórias. O texto é lúdico, é leve, é bonito, é poético; é “jogo”, brincadeira
séria. Há frases muito inteligentes e, no mínimo, instigantes como “Gente
é uma planta que dá muito trabalho”.
A direção, a quatro mãos, de GUSTAVO BICALHO e HENRIQUE GONÇALVES é muito competente, como em todos os espetáculos
que dirigem, sabendo explorar tanto o material humano como os recursos técnicos
que dominam, como, por exemplo, na cena em que há uma projeção de pingos de
chuvas nos guarda-chuvas abertos, por força de muito estudo e dedicação. Dão
ao espetáculo uma leveza exigida pelas histórias, sendo, por isso mesmo,
merecedores da minha admiração. Muito oportuna achei a reprodução, ao final da
peça, de depoimentos de crianças sobre os dias de sol. A espontaneidade
infantil é sempre motivo de surpresa, beleza e alegria para os adultos.
O mínimo que
se pode dizer do elenco é que é
formado por atores de inquestionável competência e de uma indiscutível
versatilidade, uma vez que, além do ato de representar, usam máscaras
e manipulam bonecos e objetos com precisão, e executam, com maestria, diferentes
técnicas associadas à representação. Não faço destaque a nenhum dos quatro em
cena, BRUNO OLIVEIRA, DÉBORA SALÉM, EDEÍLTON MEDEIROS e LÍVIA GUEDES, por notar um total
equilíbrio na atuação do quarteto, bastante positivo, é óbvio.
O fato de o
espetáculo poder ser considerado um “quatro em um”, já que são contadas quatro
pequenas histórias, bem diferentes umas das outras, também marca ponto na
excelência do espetáculo, pois isso concede maior agilidade às cenas e à própria
peça, dinamizando a montagem e afastando-a do perigo da monotonia, ainda
mais quando o público-alvo é a criança. O término de uma narrativa gera,
imediatamente, um interesse pela próxima.
A plasticidade é um dos pontos altos de
todos os trabalhos da ARTESANAL CIA. DE
TEATRO. Sempre há um grande destaque para o visual das peças: cenários, figurinos e iluminação,
os quais, em conjunto, são um prazer indescritível para os olhos e uma grande
alegria para a alma.
No
cenário, não predominam peças de
grandes proporções, além de uma árvore, uma mesa, cadeiras e bancos, entretanto
a grande quantidade de material de cena, o qual fica exposto nas duas laterais
do palco, gerando curiosidade, são detalhes que agregam muitos valores
positivos às cenas. Tudo isso leva a competente assinatura de KARLLA DE LUCA, assim como os já citados objetos de cena. Os bonecos, uma obra de arte, são
confeccionados por BRUNO DANTE, e as
máscaras levam a marca de FLÁVIA LOPES e MARISE NOGUEIRA.
Os
figurinos, muito criativos e
confeccionados com requinte, são criação de FERNANDA SABINO e HENRIQUE
GONÇALVES, que também são responsáveis pelos adereços.
Quanto ao desenho de luz, este elemento é de
fundamental importância no espetáculo, por ser capaz de ajudar, e muito, na
construção da beleza as cenas, quer nas que necessitam de mais luz, coloridas,
quer naquelas em que é preciso construir um ambiente mais fechado, sombrio.
Esse belo trabalho leva a assinatura de POLIANA
PINHEIRO e RODRIGO BELAY, dois
jovens, na idade e na função, e que demonstram total domínio do saber iluminar.
É difícil estabelecer qual a história mais interessante, assim como assegurar
que a luz funciona melhor, nesta ou
naquela.
Para não me
estender muito na análise da peça, acrescento que todos os demais profissionais
envolvidos na montagem estão de parabéns por suas importantes contribuições
para a grandeza do espetáculo.
FICHA
TÉCNICA:
Dramaturgia e Texto: Gustavo Bicalho
Elenco: Bruno Oliveira, Débora Salém, Edeílton Medeiros e Lívia Guedes
Direção Artística: Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves
Bonecos: Bruno Dante
Direção de Movimento dos Bonecos e Preparação Técnica: Márcio Nascimento
Máscaras e Preparação Técnica: Flávia Lopes e Marise Nogueira
Direção de Movimento e Preparação Corporal: Paulo Mazzoni
Cenário e Objetos de Cena: Karlla de Luca
Figurinos e Adereços: Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves
Pesquisa Musical: Gustavo Bicalho
Bonecos: Bruno Dante
Direção de Movimento dos Bonecos e Preparação Técnica: Márcio Nascimento
Máscaras e Preparação Técnica: Flávia Lopes e Marise Nogueira
Direção de Movimento e Preparação Corporal: Paulo Mazzoni
Cenário e Objetos de Cena: Karlla de Luca
Figurinos e Adereços: Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves
Pesquisa Musical: Gustavo Bicalho
Desenho de Luz: Poliana Pinheiro e Rodrigo Belay
Desenho de som: Luciano Siqueira
Desenho de som: Luciano Siqueira
Video-Mapping: Dado Marietti
Animação: Rafael Cazes e Renata Nassur
Ilustrações e Projeto Gráfico do Programa: Gabriela Gil
Fotografias: Jackeline Nigri
Direção de Produção: Henrique Gonçalves
Realização: Artesanal Cia. de Teatro
Realização: Artesanal Cia. de Teatro
DETALHES
DO BELÍSSIMO TRABALHO DE
PROGRAMAÇÃO
VISUAL DO PROGRAMA DA PEÇA:
Torçamos
para que o público carioca possa ter, muito em breve, a oportunidade de experimentar
o grande prazer que senti ao ver esta peça!!!
(FOTOS JACKELINE NIGRI.)
(GALERIA
PARTICULAR – VÁRIOS FOTÓGRAFOS.)
À frente de parte do cenário da peça.
Aguardando o início do espetáculo.
Com o elenco e parte da equipe de produção do espetáculo.
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