VOU DEIXAR O AMOR PRA OUTRA
VIDA
(E NESTA...)
Mais
outra resenha sobre um espetáculo de TEATRO,
que não é feito num teatro. É TEATRO,
porém é como se não o fosse. Esta é a
proposta da Cia Coletivo Capricórnio: dar a impressão de que não há um texto e fazer
com que tudo se aproxime, ao máximo, de uma realidade extrema. Isso é uma prova de que uma atividade teatral
pode prescindir do espaço tradicional de um palco, coxias, camarins, tudo
separado de uma plateia, com poltronas, numeradas ou não, e outros
detalhes. TEATRO se faz até na rua (VIVA
AMIR HADAD e seu GRUPO TÁ NA RUA! – nos bons momentos).
Na semana
passada (28/10/2014), estreou sua terceira temporada, no Rio de Janeiro, o
espetáculo VOU DEIXAR O AMOR PRA OUTRA
VIDA, de RODRIGO MONTEIRO, com direção de JORGE FARJALLA, cuja ação se passa na sala de um apartamento, no caso
o de um dos atores do espetáculo, MATHEUS
SILVESTRE, em Copacabana.
Não
bastasse o inusitado de um espetáculo teatral ser apresentado dentro de uma
residência, acrescente-se a esse diferencial outro tão interessante quanto: um
jantar é servido, ao longo da encenação (capeletti aos quatro queijos, com
molho – afrodisíaco - de rosas, merengue
de morango de sobremesa, com direito a café, tudo regado a muito vinho, água e
refrigerantes). O chefe é o próprio diretor
da peça.
Um brinde
ao amor?
Matheus Silvestre, Diogo Pasquim, Ivan Vellame, Carol
Loback e Diego Araújo.
Pode-se dizer dela que é
uma peça interativa, porém não participativa, em que a arte se integra à vida
do dono do apartamento, sem separação entre atores e espectadores. Os quatro artistas circulam, normalmente,
pelo espaço e pelos convidados, como se houvesse duas realidades simultâneas, a
dos espectadores e a dos personagens. E é
muito possível cada espectador também se sentir personagem (falo por mim),
contudo ninguém da “plateia” é obrigado a participar das cenas, muito menos não
se passa por situações de constrangimento e humilhação, como, infelizmente,
ocorre em muitos espetáculos desse gênero (interativo). Ao contrário, os atores se dirigem a um ou outro
espectador, sem exigir sua participação, deixando-o bem à vontade para
interagir ou não. Um dos atores chegou a
me pedir para se sentar no braço de poltrona que eu ocupava e ali ficou por
alguns minutos, falando diretamente para mim, cara a cara.
Na
verdade, a peça já começa na calçada, em frente à portaria do prédio, onde as
pessoas são recebidas por uma “hostess” (o tom sofisticado foi dado por mim),
que confirma cada nome na lista e faz o convite para que subam até o
apartamento. São os próprios atores que
recebem o público, em trajes de “andar em casa” (robe, bermuda e sem camisa,
descalços...) e vão se arrumando, vestindo os figurinos da peça, ali mesmo, à
frente de todos, enquanto batem papo com os “convidados”. As pessoas vão se acomodando, ficando à
vontade, bebendo com os atores, conhecendo-se, uns aos outros, criando uma atmosfera
propícia ao desenrolar da ação.
SINOPSE (fornecida pela Produção),
com adaptações:
Quatro amigos se encontram para jantar,
em um apartamento em Copacabana, como nos velhos tempos.
O público é
convidado a jantar com esses quatro amigos, dispostos a se libertarem da tarefa
de amar e, talvez assim, amar mais, mais livremente e melhor. Amar não é uma obrigação e exige predisposição
e consciência dos riscos que se corre e do preço que se paga para vivê-lo.
Criado pela CIA COLETIVO CAPRICÓRNIO, com texto de RODRIGO MONTEIRO e direção
de JORGE FARJALLA, o espetáculo é
teatro, mas se esforça em parecer que não é. O feito dá um efeito de “hiper-realidade”. Fumar será permitido, atender o celular e
trocar mensagens não será proibido; beber e comer serão um convite.
Viva (ou não viva?) o amor!
Amor erótico.
Como se pode
observar, a sinopse da peça é muito simples, mas não simplista, uma vez que os
quatro amigos discutem, dividindo com o pequeno público, as mazelas do amor, muito
menos o seu lado bom, positivo, e muito mais o que provoca o sofrimento, quando
se vive uma relação amorosa. “Falamos
de relacionamentos. Quando alguém leva um pé na bunda, normalmente se reúne com
os amigos para beber.”, é o que diz JORGE FARJALLA. E eu
acrescento: e para conversar, chorar as dores, fazer acusações, tentar
isentar-se das culpas, procurar o famoso “ombro amigo”.
Um outro ângulo do amor.
Assim,
aspectos como (in)fidelidade,
traição, respeito mútuo, (in)tolerância
são tratados de forma rasgada, com todas as letras e tons, sem qualquer
escrúpulo, sem nenhum pudor e sem a menor preocupação em poupar alguém, quando
cada um dos quatro, na verdade, só deseja se esquivar das saraivadas e poupar o
próprio peito, tentar sofrer menos. Tudo
isso decorre sem nenhuma sequência cronológica, entretanto toda a dramaturgia é
lógica e reúne, costurados, pequenos diálogos, muito ágeis, simples e naturais,
por meio dos quais os assuntos são discutidos.
Começa com uma discussão entre os três personagens masculinos,
envolvidos num relacionamento não a três, mas entre os três; ou seja, alguém
trai alguém; alguém é traído por alguém; todos se traem, na verdade.
Reflexões.
A peça é
dividida em duas partes. Na primeira, a
personagem feminina atua como uma espécie de narradora da trama, a ligar os
diálogos e as sequências de cenas. Na
segunda, ela também se envolve, ou se vê envolvida, nos relacionamentos.
Na primeira
parte, à exceção de CAROL,
personagem de CAROL LOBACK, os nomes
dos três personagens masculinos não são revelados. São identificados, apenas, como FILÓSOFO (MATHEUS SILVESTRE), ECONOMISTA
(IVAN VELLAME / DIOGO PASQUIM – os
dois se revezam no papel) e DIPLOMATA (DIEGO ARAÚJO).
Na segunda
parte, CAROL LOBACK é a JORNALISTA; DIEGO ARAÚJO é o PROFESSOR;
MATHEUS SILVESTRE é o CANTOR; e IVAN VELLAME e DIOGO PASQUIM
se revezam como o GUITARRISTA.
Posso ajudar?
Essa
anonimidade e a proximidade física do espectador com o ator permitem que cada pessoa
vá se vendo - ou não - em cada um – ou em mais de um - dos
personagens. Por mais de uma vez,
flagrei-me sacudindo, levemente, a cabeça, meneando-a, para cima e para baixo,
concordando com algumas das reflexões que eram desfiladas sobre o amor e suas
implicações. “Isso aconteceu comigo”, eu pensava. É muito fácil se projetar nos personagens,
interpretados de forma tão natural e espontânea pelos quatro atores, completamente
nivelados no trabalho. Nivelados
positivamente. Gostei, por igual, da
atuação de todos.
Dirigir
um espetáculo desse tipo exige que o diretor se liberte dos seus “poderes” e
permita que os atores exercitem uma liberdade de criação, para que o desejado nível
de naturalidade, do “não parecer TEATRO”
aconteça de verdade, denotativa e conotativamente falando. Assim trabalhou, e bem, FARJALLA. Percebe-se que há
marcações, indicações de como se dizer algo, de como reagir diante de algo, mas
o que passa é que seu bom trabalho liberou os atores para algumas improvisações
e “cacos” bem pertinentes, inerentes à proposta. Bom trabalho.
O
texto de, RODRIGO MONTEIRO, não
apresenta nada de surpreendente. E nem
precisava apresentar. É enxuto, na
medida certa, diz apenas o que tem de ser dito, sem gorduras, sem
volteios. Vai direto, com o indicador,
na ferida. E o resultado é muito bom.
Por que eu tinha de ficar
fora disso?
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Rodrigo Monteiro
Direção
e Encenação: Jorge Farjalla
Elenco:
Carolina Loback, Diego Araújo, Ivan Vellame (Diogo Pasquim, às vezes, substitui
Ivan) e Matheus Silvestre.
Cia
Coletivo Capricórnio
Produção: Talitha Caetano e Diogo Pasquim.
(Os
demais detalhes da FICHA TÉCNICA, como cenário, figurino, iluminação... não
foram fornecidos.)
SERVIÇO:
Local:
Apartamento em Copacabana (O endereço é revelado, pela Produção, após a compra
do ingresso.)
Temporada:
Até 17 de dezembro
Dias:
3ªs e 4ªs feiras
Horário:
20h
Gênero: comédia romântica
Preço: R$ 40,00 (valor único que já inclui
ingresso e jantar)
Duração: 1h
Classificação: 18 anos
Recomendo o espetáculo, na
certeza de que o especatdaor sairá daquele apartamento, refletindo e repensando
seus conceitos sobre o amor e como, e até onde, se deve correr atrás dele e
tentar preservá-lo. No mínimo, sairá
pensando se não é melhor adiá-lo par uma outra vida. Foi assim que bateu em mim. Para quem acha que tudo acaba com a morte,
certamente, se estiver sozinho, no momento, terminada a peça, sairá pelo bairro
de Copacabana, desesperadamente, à procura de alguém que possa chamar de seu.
No mais, vamos a TEATRO ou a um apartamento, para ver
TEATRO!
(FOTOS: PHILIPP LAVRA)
Amei a peça, o apartamento e sua resenha☆
ResponderExcluir