(SALDO POSITIVO – VALEU!)
Vez
por outra, vou a São Paulo, para assistir a alguns espetáculos, principalmente
aqueles que, por algum motivo, sei que não virão para o Rio de Janeiro. Já fiz isso algumas vezes e a mais recente
foi no último final de semana (17, 18 e 19 de janeiro): cinco espetáculos em três dias.
Como? Utilizando, obviamente,
sessões em horários alternativos ou matinês.
Proponho-me, então, a tecer alguns breves comentários sobre os cinco
espetáculos a que assisti:
Trata-se
de um interessante projeto do SESI-SP:
PROJETO EDUCACIONAL SESI-SP – TEATRO MUSICAL.
A
peça se chama A MADRINHA EMBRIAGADA (THE
DROWSY CHAPERONE), texto escrito por Bob
Martin e Don McKellar, músicas e
letras compostas por Lisa Lambert e Greg Morrison.
A
montagem brasileira foi traduzida e dirigida por MIGUEL FALABELLA, com cenografia
de BETO ROLNIK e RENATO THEOBALDO, figurinos (impecáveis) de FAUSE
HATEN, direção musical de CARLOS BAUZYS, coreografia de KÁTIA BARROS,
desenho de luz de DRIKA MATHEUS e desenho de som de GABRIEL
D’ANGELO.
Por
meio de uma linguagem metalinguística, pois se trata de uma peça dentro da
outra, o público assiste a duas narrativas paralelas: uma peça de teatro,
vivida pelo HOMEM DA POLTRONA, e uma
comédia musical, imaginada por ele e revivida no palco.
A
história começa nos dias atuais, com um fã de musicais, denominado o HOMEM DA POLTRONA, ouvindo o disco,
“long-play” (herança da mãe, que, por sua vez, o herdara da avó do HOMEM), de um espetáculo chamado A MADRINHA EMBRIAGADA, que teria
estreado, em 1928, no Teatro São Pedro. A
história vai ganhando vida no palco, com os atores revivendo a trama.
A história do
disco trata de uma musa do teatro, JANE
VALADÃO (SARA SARRES), que vai deixar os palcos, para se casar com o
empresário ROBERTO MARCOS (FREDERICO
REUTER). Como costume da época, uma
madrinha é contratada para cuidar da noiva, antes do casamento; nesse caso, JANE é sempre acompanhada por sua
madrinha embriagada (STELLA MIRANDA).
O dono do teatro, SR. IGLESIAS (SAULO VASCONCELOS), e outros personagens têm motivos
de sobra para que esse casamento não aconteça. Com a ajuda de uma corista sem talento, EVA (KIARA SASSO), IGLESIAS contrata um amante argentino, ALDOLPHO (CLETO BACCIC), para atrapalhar essa união. Espiões disfarçados de padeiros portugueses (RAFAEL
MACHADO e DANIEL MONTEIRO), uma aviadora, DÔRA (saída não se sabe de onde) (ANDREZZA MASSEI), DONA
FRANCISCA JAFFET (IVANNA DOMENYCO) e seu mordomo, o amigo do noivo (ELTON
TOWERSEY), reunidos na mansão da Avenida Paulista, são alguns dos
personagens que povoam a cabeça e a mente do criativo HOMEM DA POLTRONA, o narrador de toda essa epopeia.
É uma comédia
musical bastante interessante, em cuja produção se pode perceber muito empenho
e dedicação dos envolvidos, com destaque para os figurinos e o trabalho de
alguns dos atores, principalmente FREDERICO
REUTER e ELTON TOWERSEY, nos
excelentes números de sapateado.
Infelizmente, no dia que escolhi para ir ao Teatro do SESI, alguns titulares, por motivos
vários, foram substituídos pelos respectivos “subs’, como foi o caso de SAULO VASCONCELOS, SARA SARRES e KIARA SASSO,
tantas vezes protagonistas em outros musicais de grande sucesso, entretanto os atores
que os substituíram tiveram uma atuação muito satisfatória e o espetáculo não perdeu
sua boa qualidade.
Há de ser
ressaltada a grande atuação de IVAN
PARENTE, como o HOMEM DA POLTRONA. Trata-se de um grande ator, responsável por
boa parte do sucesso do espetáculo.
A peça, que
estreou no dia 20 de maio do ano passado, ficará em cartaz até o final deste
primeiro semestre, devendo, em seguida, excursionar. Tomara que chegue ao Rio de Janeiro, o que,
infelizmente, não parece muito provável.
Torçamos para que o público carioca possa se deliciar com esse
agradabilíssimo musical!
Sábado,
dia 18 (17h) : CRAZY FOR YOU – Teatro do Complexo Othake Cultural
Nunca
se deve ir com tanta expectativa a um espetáculo teatral. É ótimo, quando ele corresponde a essa espera
ansiosa ou, melhor ainda, quando a supera.
Quando ocorre, porém, o contrário, é desagradável a frustração
que fica.
Posso dizer
que foi com um pouco dessa sensação que saí do belíssimo teatro do fantástico
prédio (arrojado projeto arquitetônico de Ruy Othake) do Complexo
Othake Cultural. Fiquei um pouco
decepcionado com o espetáculo que vi; não por ser de baixa qualidade, mas por
deixar bastante a desejar em alguns aspectos.
Eu
já conhecia o texto, que conta uma historinha bem “água-com-açúcar”, o que não
foi, entretanto, o motivo de eu não ter gostado tanto da peça.
CRAZY
FOR YOU é uma
adaptação de uma comédia musical dos anos 30, GIRL CRAZY,
com música assinada pelos irmãos GERSHWIN
(GEORGE e IRA), dois dos maiores nomes da Broadway e um dos motivos que me
atraíram ao espetáculo. Sou apaixonado
pela música da dupla.
O roteiro, ingênuo,
foi reescrito por KEN LUDWIG,
mantendo todo o sabor de época da obra, mas adicionando diversas outras canções
dos GERSHWIN, oriundas de filmes
estrelados por Fred Astaire e Ginger Rodgers, e alguns outros
clássicos, como Someone To Watch Over Me,
What Causes That e
o Concerto em FA, uma obra sinfônica.
No musical, JARBAS
HOMEM DE MELLO é BOBBY CHILD, um
herdeiro playboy de Nova York, que, apesar da insistência da mãe, não tem o
menor interesse pelos negócios da família e só quer saber de cantar e dançar. A contragosto, é enviado à pequena e pobre
cidade de Pedra Morta, no oeste
americano, para cobrar uma dívida e fechar o teatro local. Mas, ao chegar lá, apaixona-se perdidamente
pela durona POLLY, interpretada por CLÁUDIA RAIA, filha do proprietário do
estabelecimento. Vai daí... (o resto é
mais que previsível).
Com a coreografia
original da Broadway, criada pela americana Susan Stroman (ganhadora de um Tony
Award, por essa obra), o musical conta com um elenco de 26 atores,
bailarinos e sapateadores. O texto e as letras das canções receberam versão brasileira de MIGUEL FALABELLA (melhor o texto que as
letras das canções). A direção do
espetáculo é de JOSÉ POSSI NETO e a direção musical e vocal é de
responsabilidade de MARCONI ARAÚJO. Completam a ficha técnica: direção de coreografia: ANGELIQUE ILO; cenografia: DUDA ARRUK; figurino: FÁBIO NAMATAME; design de luz:
WAGNER FREIRE; visagismo: FELICIANO SAN
ROMAN e HENRIQUE MELLO; supervisão de sapateado: CHRIS MATALLKO.
No elenco numeroso, além de CLÁUDIA RAIA e JARBAS HOMEM
DE MELLO, respectivamente, POLLY
BAKER e BOBBY CHILD, os
protagonistas, atuam MARCOS TUMURA, LIANE MAYA, JONATHAS JOBA, HELLEN DE
CASTRO, RODRIGO NEGRINI, RAQUEL QUARTERONE, MATEUS RIBEIRO, PAULO
BENEVIDES, ROGÉRIO GUEDES e mais
uma dúzia de atores/bailarinos/sapateadores.
CRAZY FOR YOU conta com uma grande orquestra,
composta por 14 músicos, regida, em cena, pela maestrina BEATRIZ DE LUCA.
Saí do teatro com a certeza de que o grande nome
do espetáculo é JARBAS HOMEM DE MELLO,
bom ator, ótimo cantor e dançarino, além de um excelente sapateador. JARBAS
é a grande estrela do espetáculo.
Aplaudido, muito merecidamente, em cena aberta, por mais de uma vez,
leva a plateia ao delírio, no momento dos aplausos finais.
Já tive a oportunidade de ver CLÁUDIA RAIA em melhores atuações, em outros musicais. Neste, fica um pouco a desejar,
principalmente quando canta. Ela o faz muito
tecnicamente; apenas isso, com vários escorregões e debilidade na sustentação
de algumas notas. Não fala, aqui, nenhum
técnico na área, e sim uma pessoa que conhece um pouco de música e tem um
ouvido “quase absoluto”, se é que isto existe.
Parece-me que faltou um pouco mais de aplicação, de “alma”, nas
interpretações. Cantar GERSHWIN não é para qualquer
aventureiro. Na parte de interpretação e
de dança, sai-se bem, principalmente nesta.
O número, de cerca de dez minutos, que encerra o
primeiro ato (EU TENHO RITMO!) é
magnífico e inesquecível. Um primor de
coreografia e de execução, por parte de todo o elenco.
Em março, o espetáculo transfere-se para o Teatro Procópio Ferreira. Fará, ainda, grande temporada em São
Paulo ; depois, viajará pelo interior do estado, até
chegar (Quem sabe?) ao Rio de Janeiro.
E
é só.
Sábado,
dia 18 (21h) : LA MAMMA
– Teatro Nair Bello
Se
CRAZY FOR YOU deixou a desejar, LA MAMMA
superou, em muito, a minha expectativa.
O
espetáculo reestreou no Teatro Nair
Bello e deverá vir para o Rio, em data ainda não estabelecida. Os cariocas vão adorar.
É
uma deliciosa comédia, de ANDRÉ ROUSSIN,
baseada na obra O BELO ANTÔNIO, de VITALIANO BRANCATI, com tradução de LETÍCIA KAMINSKI e CARLOS
ARTUR THIRÉ, que também dirige a peça.
É
um espetáculo para a família. Havia
vários adolescentes, acompanhados dos pais, na sessão em que estive presente, e
parecendo gostar muito, o que é digno de comemoração. Prova disso foi a ovação ao elenco, no final
da peça. O público aplaudiu muito,
durante muito tempo, inclusive eu.
Os
quatro atores, à exceção de ROSI CAMPOS
(uma diva), se revezam em mais de um papel.
LEONARDO MIGGIORIN, por
exemplo, interpreta os dois irmãos: ANTÔNIO
e ALDO, ambos de forma irretocável. CARLO
BRIANI (cariocas, guardem bem este nome), excelente ator, conhecido por um
famoso comercial de panetone, se desdobra em três personagens (o TIO GILDO, o PADRE e o TABELIÃO) -
difícil dizer em qual dos três o ator se supera. DÉBORA
GOMEZ, uma jovem atriz, também, até então, desconhecida para mim, é
BÁRBARA e ROSINA.
Na
ficha técnica, destacam-se os nomes de CLÍVIA
COHEN (cenário e figurino), ALAINE SANTINI (iluminação),
CHARLES DALLA (trilha sonora) e DICKO
LORENZO (visagismo). A peça ainda conta com o auxílio luxuoso de LEANDRO LUNA, na produção.
Tecer
elogios ao trabalho de ROSI CAMPOS é
se fazer repetitivo. Ainda que suas
atuações, na TV e no cinema, sejam sempre ótimas, é no TEATRO que seu talento se multiplica. É boa atriz dramática e melhor ainda quando
se propõe a fazer rir, tarefa bem mais difícil.
A atriz está excelente no papel da protagonista.
LEONARDO MIGGIORIN é um ótimo ator e,
mais uma vez, comprova isso neste espetáculo, ao fazer dois personagens tão
diferentes. Já conhecia sua veia para o
humor, mas não posso esquecer seu brilhante trabalho, ao protagonizar, há bem
pouco tempo, EQUUS. Comovente e digno de premiação! Confesso que não esperava gargalhar tanto com
ele. LEONARDO rouba a cena, em algumas vezes, o que não é fácil para
quem divide o palco com ROSI.
CARLO BRIANI, cujo trabalho em TEATRO, infelizmente, ainda não
conhecia, é responsável por alguns dos melhores momentos do espetáculo. Que belo ator! Que ótimo “timing” para a comédia!
DÉBORA GOMEZ não destoa dos colegas e
se sai muito bem na pele das duas personagens que interpreta, uma empregada e a
filha do tabelião, embora sejam papéis de menor relevância na trama.
Muito
boa e segura a direção de CARLOS ARTUR
THIRÉ, que não se prende aos já tão conhecidos clichês aplicados na direção de comédias. Ele é um dos responsáveis pelo projeto, ao lado de LEONARDO MIGGIORIN.
Se
for a São Paulo, reserve uma noite para LA MAMMA. Depois , é só completar o
programa numa boa cantina italiana daquela capital.
Domingo,
dia 18 (14h) : O REI LEÃO – Teatro Renault
Não. Não estamos na Broadway. Estamos no Brasil (São Paulo), embora o
horário seja o da meca dos musicais.
Para
poder atingir o meu objetivo, de assistir ao maior número de espetáculos
possível, num curto final de semana, tive de fingir que estava na Broadway e
aceitei ver O REI LEÃO na primeira
sessão de domingo.
Infelizmente,
não tive a oportunidade de ver, ainda, o musical em Nova York , porque,
quando tentei, a lotação estava esgotada por mais de três meses. Em Madri, também dei azar: o espetáculo
estrearia um dia após o meu retorno ao Brasil, no ano passado.
Mas não perdi, ainda, a esperança de ver a versão original.
E
o que dizer desta montagem brasileira? Que é excelente!!!
(PAUSA: Na porta do teatro, um imbecil
dizia para o “amigo” a quem levara de carro: “Bem feito! Não teve dinheiro
pra ver na Broadway; agora, tem que se contentar com essa versão tupiniquim!”).
Como Deus é
por mim, contive a vontade de dizer ao idiota o que pensava a seu respeito e a
conter o impulso selvagem de enfiar-lhe um belo “sopapo” (saudade do
vocabulário da minha avó) nas “fuças” (vovó, de novo) daquele idólatra do
Justin Bieber (a camiseta que usava o atestava).
Gostei
imensamente do musical, (meu gênero preferido), ainda que a história não seja
muito do meu agrado e interesse. A trama
é toda muito previsível e nem me encantam tanto as canções, compostas por Sir Elton John, nem as adicionais, à
exceção de umas três ou quatro.
É
certo que este tipo de espetáculo, quando vem para o Brasil, regra geral, é
feito com cenários, figurinos e coreografias, principalmente, originais. É uma exigência dos detentores dos direitos
da peça. E essa parte é fantástica. Tudo muito lindo! Tudo muito mágico! Mas de que adiantariam esses elementos, se
não houvesse o talento do artista brasileiro?
É muito difícil atuar e manusear, simultaneamente, bonecos (enormes) em
cena, o que já vimos, em terras, graças a Deus, “tupiniquins”, em AVENIDA
Q , inesquecível espetáculo de CHARLES MÖLLER e CLÁUDIO
BOTELHO, no qual a tarefa de interpretar personagens e manusear bonecos era
magistralmente executada por ANDRÉ DIAS,
FREDERICO SILVEIRA, SABRINA KORGUT e GUSTAVO KLEIN. Em
O REI LEÃO , porém, é
visível a complexidade da manipulação de bonecos, os quais se movimentam por
controles que dependem da tecnologia e a da destreza de seus manipuladores.
Entristeço-me por viver num país, que, infelizmente, nos dá mais motivos de
vergonha do que de regozijo. Mas COMO ME ORGULHO DO ARTISTA BRASILEIRO! Mesmo com tantas dificuldades, seu talento
supera qualquer uma delas e o resultado final é excelente. Já vi isso acontecer em dezenas de produções
desse tipo. Não é exatamente o caso de O REI LEÃO, por se tratar de uma
superprodução, milionária, mas que poderia não dar certo, se não houvesse a excelente
“mão-de-obra” brasileira. Os atores são
ótimos, os músicos idem e não são diferentes os técnicos.
O
espetáculo é um sonho, um deleite para os olhos e para a alma, como o foi O MÁGICO DE OZ, este com mais, digamos,
“brasilidade” do que O REI LEÃO.
Fiquei
encantado com o espetáculo e me emocionei bastante com algumas passagens, com
especial destaque para a cena inicial, a apresentação de Simba a seus súditos, quando boa parte do elenco, travestidos de
animais africanos, sobe ao palco, entrando pela plateia, como num cortejo de adoração
a seu rei. É uma cena muito linda e de
grande impacto. O REI LEÃO da Broadway me aguarda, mas este nacional já deu, e
muito, para aguçar o meu “apetite”.
Muito
interessante, também, e digna de destaque foi a solução encontrada para a cena em que Simba
fica no meio do estouro de uma boiada de gnus, o que vai gerar a morte de seu
pai (Mufasa), que tentava salvá-lo, tudo arquitetado pelo
cruel Tio Scar. As projeções, as sombras e a
posição dos atores no palco criam a ilusão de uma cena cinematográfica, com um
belíssimo resultado plástico.
Destaco
as versões das canções, de GILBERTO GIL; a tradução do
“script”, de RACHEL RIPANI; a direção musical e a regência, de VÂNIA PAJARES
e a atuação de NTSEPA PITJENG (Rafiki), OSWALDO
MIL (Scar), CÉSAR MELLO (Mufasa),
CLÁUDIO GALVAN (Zazu), Tiago Barbosa (Simba, adulto), CAUÃ MARTINS (Simba, filhote) e o ator
que interpretou, na sessão em que estive presente, Timão (creio que FELIPPE MORAES).
Seja
de origem genuinamente brasileira, seja importado da Broadway ou de outras
praças, o certo é que o Brasil já ocupa a terceira colocação na produção de TEATRO MUSICAL, ficando atrás,
obviamente, dos Estados Unidos e da Inglaterra.
Nunca apensei
que, um dia, eu sentiria tanto prazer e emoção diante desses números.
VIVA O TEATRO MUSICAL!
VIVA O ARTISTA BRASILEIRO!
Domingo, dia 20 (18h) : TRIBOS – Tuca
Para
encerrar a “maratona teatral”, nada melhor do que um espetáculo sério, ainda
que uma comédia, porém de texto denso, com boas pitadas de humor, o qual, longe
de apenas fazer rir, provoca boas reflexões acerca da questão da inclusão
social. Mais até do que isso, da
inclusão das pessoas dentro da própria família.
TRIBOS está em cartaz no sempre
simpático TUCA, teatro da PUC de São Paulo, templo da arte e da cultura, que
guarda lembranças de momentos inesquecíveis da resistência à ditadura militar,
que, infelizmente, levou o país a um retrocesso, em todos os sentidos, principalmente
o cultural, difícil de ser superado até os dias de hoje.
A história, dividida em nove cenas, cada uma com uma
indicação projetada ao fundo do cenário, fala sobre BILLY (BRUNO FAGUNDES), um rapaz que nasceu surdo e que é filho de CHRISTOPHER (ANTÔNIO FAGUNDES) e BETH (ELIETE CIGAARINI) e irmão de DANIEL (GUILHERME MAGON) e RUTH (MAÍRA DVOREK).
Criado em um
ambiente politicamente incorreto de uma “família diferente” e tendo que se
adaptar às maneiras não convencionais dessa família, o rapaz sofre uma grande
transformação em seu comportamento, ao conhecer SYLVIA (ARIETA CORREIA), uma moça que, por um fator genético,
está prestes a ficar surda também, como seus pais. BILLY passa a entender, realmente, a
partir daí, o que significa pertencer a algum lugar, a alguma “tribo”.
Ele nasceu e
vive numa família disfuncional, em que os conflitos e a má conduta ocorrem
contínua e regularmente, fazendo, até mesmo, com que seus membros se acomodem
com tais ações.
O pai é um
crítico acadêmico, extremamente sarcástico e que peca por excesso de
“sinceridade” no que diz e faz; a mãe, aspirante a escritora, vive,
ostensivamente, desafiando as ideias do marido; a irmã, de comportamento meio mundano, canta ópera em "pubs",
talvez por lhe faltar talento para pisar outros palcos; o irmão, superprotetor,
escreve uma tese, que não termina nunca, sobre linguagem e significado.
A narrativa
fecha-se nas relações desses membros com BILLY,
o primogênito surdo e o eixo dramático em torno do qual circulam as
insatisfações e as cobranças narcisistas dos outros personagens.
Não bastasse
todo esse clima, eis que surge um elemento externo a essa “família”, na figura
de uma namorada, que está, pouco a pouco, perdendo a audição e que adentra o
clã, perturbando, paradoxalmente, esse instável núcleo doméstico, simplesmente
por achar que o namorado deve passar a se comunicar por meio de sinais,
contrariando a posição de todos da casa.
A autora do
texto, NINA RAINE, usa a figura de
um deficiente auditivo para questionar os diversos tipos de limitação do ser
humano e, de uma maneira perversamente divertida, politicamente incorreta e
inteligente, revive as muitas questões familiares e reforça as dificuldades de
convivência - como em toda tribo. A surdez
do rapaz nada mais é do que uma metáfora da falta de muita coisa, para se viver
em sociedade.
A peça aborda a
surdez universal e divide o tema em duas categorias: a dos surdos que são
fisicamente incapazes de receber estímulos sonoros e a daqueles que não
conseguem “calar-se” por tempo suficiente, para entender uma realidade
diferente da sua própria. Sobre isso, duas
frases emblemáticas são ditas por BILLY,
no decorrer do espetáculo: "Somos
só mais um na multidão" e "O
mundo é surdo".
Existe surdez maior que o preconceito, que o orgulho, que a ignorância, o egoísmo, a falta de amor? Assim como a surdez, a cegueira ou qualquer outro tipo de deficiência, física ou mental, poderiam estar presentes no texto, como pilares de sustentação par o que sua autora quer dizer.
Existe surdez maior que o preconceito, que o orgulho, que a ignorância, o egoísmo, a falta de amor? Assim como a surdez, a cegueira ou qualquer outro tipo de deficiência, física ou mental, poderiam estar presentes no texto, como pilares de sustentação par o que sua autora quer dizer.
O texto,
garimpado por pai e filho (os FAGUNDES)
é de rara qualidade e prende a atenção do espectador, do princípio ao fim do
espetáculo.
A
interpretação do sexteto de atores é muito boa e, embora, no elenco,
sobressaia, para a mídia e o grande público, o nome de ANTÔNIO FAGUNDES, como sempre, muito bom no seu ofício, em cena, não
se pode dizer que seu trabalho se sobressaia ao dos demais, uma vez que o grande
diretor ULYSSES CRUZ parece ter
percebido que, embora o eixo da peça seja o personagem BILLY, todos os demais se igualam em importância. É aí que entra a grande experiência do
diretor, para fazer com que todos brilhem, aproveitando, corretamente, as
oportunidades oferecidas pela direção.
Pode-se ratificar tal impressão nas cenas em que todos os personagens
falam ao mesmo tempo, sem que ninguém ouça o próximo ou, até mesmo, ouça a si
próprio.
Boa a
cenografia de LU BUENO, servindo bem
às exigências do texto, o mesmo podendo ser dito sobre a iluminação de DOMINGOS QUINTILIANO, um elemento muito
importante na encenação, pois seu projeto foi bem concebido, para estabelecer a
divisão das nove cenas e valorizar determinadas situações em cena. O espetáculo
conta, ainda, com figurinos do internacionalmente famoso estilista ALEXANDRE HERCHCOVITCH, conhecido por
seu estilo, digamos, "ousado", misturando, aqui, o sóbrio com, por exemplo, um
par de “crocks”, calçado feito de um tipo de plástico ou emborrachado, que chama a atenção por
seu "design" muito pouco convencional, ainda mais na cor laranja, usado pelo personagem de ANTÔNIO FAGUNDES.
Parece-me
que aquele tipo de espetáculo ficaria bem melhor num teatro menor, não com as
dimensões do TUCA. Senti um pouco de
dificuldade para ouvir e entender alguns trechos da peça (não sou surdo; ao
contrário, minha última audiometria me rendeu elogios do otorrino), não por
culpa da dicção ou da projeção da voz dos atores, mas, creio, pela opção (não
sei de quem) de não serem utilizados microfones, expediente que vem sendo muito
explorado ultimamente. Num teatro menor,
acredito que a peça ganharia muito em termos de comunicação com a plateia.
Não
se trata de fazer comparações (não caberia aqui fazê-las), mas, como há, neste TRIBOS um elemento comum ao mais
recente trabalho de ANTÔNIO FAGAUNDES,
um Ator, com “A” maiúsculo, que é o fato de trabalhar ao lado do jovem e
talentoso filho, BRUNO, é quase
impossível escapar à tentação de comparar TRIBOS
a VERMELHO. Insisto: não se trata de uma comparação, no
sentido denotativo do termo, por serem trabalhos totalmente diversos, mas o
fato é que não consegui me emocionar nem vibrar tanto, como ocorreu em VERMELHO, que considero um dos melhores
espetáculos a que assisti até hoje.
Por outro lado,
não posso deixar de registrar a minha satisfação por ter assistido a um outro grande
espetáculo, que recomendo e que pretendo rever, quando os cariocas formos brindados
com a visita dos membros dessa tribo.
Para
finalizar, louvo a preocupação e a iniciativa de ANTÔNIO e BRUNO FAGUNDES,
idealizadores do projeto, no sentido de oferecer, a deficientes auditivos e
visuais, mecanismos, inclusive tecnológicos, para que possam assistir ao espetáculo. Soma-se a isso, também, a ideia de, sempre, ao final e
cada sessão, o elenco se colocar à disposição do público para uma ligeira
conversa sobre o espetáculo, ideia esta que deveria ser seguida por todos os
que trabalham com o TEATRO.
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