“HAMLET”
ou
(UMA EXCELENTE RELEITURA CONTEMPORÂNEA
DE UM CLÁSSICO.)
O que
fez com que um crítico de TEATRO, tão acostumado a assistir a
montagens daquela que é considerada, pelos estudiosos, a maior peça de Shakespeare,
ou, pelo menos, a melhor tragédia, “HAMLET”,
aceitasse um convite para assistir a mais uma releitura da obra, no Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB) – Rio de Janeiro? Já mais do que
conhecedor do trágico enredo, certamente, foram dois os motivos: o primeiro seria
conferir mais um trabalho de direção de BRUCE GOMLEVSKY, e o segundo, saber que o espetáculo seria encenado
pela “Cia.
Teatro Esplendor”, marcando o seu “début”, 15 anos de excelentes
serviços prestados ao TEATRO brasileiro.
Montar
“HAMLET” é, sem sombra de dúvida, um
grande desafio para qualquer encenador, principalmente quando se trata de criar
algo diferente de tudo quanto já se aplicou em centenas, ou, talvez, milhares
de montagens anteriores, mundo afora, em mais de quatro séculos. A peça, que,
no longo título original, pela primeira vez publicada na Inglaterra, é “A
Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca” (“The Tragedy of Hamlet, Prince of
Denmark”), é, também, a mais longa obra do bardo inglês e, ao que tudo
indica, a que lhe deve ter custado mais para ser escrita, além daquela mais
montada, desde sua primeira apresentação. Não se sabe, exatamente, de quando
data, porém pesquisas de estudiosos levam a crer que tal fato tenha se dado entre 1599 e 1601, passando a ser
conhecida, simplesmente, como “HAMLET”.
A peça traça um mapa do curso de vida na loucura
real e na loucura fingida — do sofrimento opressivo à raiva fervorosa
— e explora temas como traição, vingança, incesto,
corrupção
e moralidade.
Acredita-se que Shakespeare a tenha escrito baseado na lenda de Amleto e numa suposta peça do TEATRO isabelino, conhecida hoje
como "Ur-Hamlet".
SINOPSE (BEM SIMPLIFICADA):
Considerada uma
das maiores tragédias já escritas, “HAMLET”
narra a jornada do jovem príncipe da Dinamarca, Hamlet (BRUCE GOMLEVSKY),
que retorna ao castelo de Elsinore, após a morte do pai, que
tinha o mesmo nome.
Ao chegar,
descobre que sua mãe, Gertrudes (SIRLÉA ALEIXO), havia se
casado com seu tio Cláudio (GUSTAVO
DAMASCENO), que passou a ocupar o trono, usurpando-o.
O fantasma do
antigo rei aparece para Hamlet, apresentando-se como seu
espírito e lhe revela ter sido assassinado por Cláudio, dizendo-lhe que
este, irmão do rei, o
matara com um frasco de veneno, despejando o líquido em seu ouvido.
O fantasma pede que Hamlet vingue sua morte.
O príncipe concorda, com pena do espectro,
decidindo fingir-se de louco, para não levantar suspeitas, contudo duvida da
personalidade do fantasma.
A partir disso,
ele mergulha numa busca obsessiva por vingança, que o leva a questionamentos
sobre a existência, o destino e a própria loucura.
O desmascaramento de Cláudio é atingido
através de um recurso singular: o teatro no teatro (metalinguagem).
Demente em luto pela morte do pai, Polônio
(JAIME LEIBOVITCH), Ofélia
(GLAUCE GUIMA), antes cortejada pelo
príncipe Hamlet, caminha por Elsinore, cantando libertinagens,
enlouquecida.
Para desmascarar o
crime, Hamlet finge-se de insano, confronta seus aliados e inimigos, e
se vê envolvido em uma trama trágica que culmina em um duelo fatal e no colapso
de toda a corte.
A montagem leva a
questionar a vida e a morte, o poder e a justiça, numa adaptação intensa,
corajosa e dinâmica, física, que dialoga com os dilemas éticos da sociedade
contemporânea.
Para
os que desejam conhecer, nos mínimos detalhes, toda a trama dessa macabra
história, sugiro que busquem, na “enciclopédia livre”, Wikipédia,
uma sinopse super detalhada da obra. Ainda que essa fonte não possa ser
reconhecida como “totalmente fidedigna”, garanto-lhes que a referida sinopse é
muitíssimo rica e fiel ao original da peça.
Perco-me
na contagem de a quantas leituras e releituras da peça já assisti, lembrando-me
de que algumas me marcaram sobremaneira, como foi o caso de uma, da “Armazém
Cia. de Teatro” (2019), dirigida por Paulo de Moraes, e outra,
sob a esplêndida direção de Gabriel Villela (2024), sendo que a
atual, motivo da presente crítica, iguala-se, em qualidade, às duas citadas.
Cada uma delas traz a “visão” de um grande encenador e BRUCE GOMLEVSKY, que também protagoniza, escancaradamente bem, o espetáculo, foi brilhante na decisão de levar à cena uma montagem bastante
contemporânea e ousada, criativa e original, não se afastando, todavia, das
raízes da peça, do seu original.
A
história é a mesma de sempre, contada literal e cronologicamente, porém as
soluções encontradas pelo diretor são geniais, embora, se
vistas por críticos “xiitas”, pudessem provocar a não aceitação da encenação (Não
preciso dizer a quem me refiro. Todos os que conhecem e admiram o bom TEATRO já
sabem que me reporto àquela senhora que, apesar de sua comprovada competência,
era muito conservadora, conhecida, muito respeitosamente, como “a viúva de
Shakespeare”.).
Na
sua “genial
e doce loucura”, BRUCE
resolveu mudar o sexo de três personagens masculinos, vividos por três atrizes.
O sobrinho do rei da Noruega (Fórtimbras, vivido pela
atriz trans ALITTA DE LEÓN), país
que estava em contenda com a Dinamarca, o qual acabou por
conquistar o solo inimigo, passou a ser uma “sobrinha”, que se
apresenta como uma brava “soldada”, à feitura de uma guerrilheira,
como a personagem da saudosa Dina Sfat, no filme “Macunaíma”
(1969), de Joaquim Pedro de Andrade, portando uma arma moderna. Dois
falsos amigos do príncipe, Guildestern (MARIA CLARA MIGLIORA) e Rosencrantz (TAMIE PANET), além de também terem se transformados em mulheres,
aparecem como dois personagens humanoides, tais quais dois robôs, saídos de um
jogo de videogame. Ideia magnífica!
Outras
introduções merecedoras dos meus mais profundos elogios são a utilização de telefones
celulares e “laptop”, substituindo papéis e possíveis pergaminhos, personagens
fazendo “selfies”, sem falar na utilização de revólveres, uma arma de fogo
que só viria a ser patenteada em 1836, e outras “máquinas de matar” do
mundo moderno.
Dois
detalhes igualmente bem contemporâneos estão presentes na cena em que Hamlet
é torturado, com choques elétricos e afogamento, que, infelizmente nos reportam
aos porões da ditadura militar no Brasil - 1964 / 1985 -, “página
infeliz da nossa História”.
Uma
das mais incríveis soluções de BRUCE
se concentra na cena, das mais importantes na trama, em que, para testar as
reações do tio assassino, Hamlet pede a uma trupe de atores
saltimbancos que representasse uma peça, procurando reconstituir a maneira como
o pai havia sido morto pelo irmão usurpador. Em vez que representar,
teatralmente, aquele momento, o diretor houve por bem, mostrar tudo em um “filmete”,
em preto e branco, mudo, como um filme expressionista alemão, do início do século
XX, cena que provoca um grande impacto na plateia.
Um acréscimo que caiu como uma luva, dentro da proposta da direção, é uma "rodinha" em que o diretor da peça encomendada, o próprio BRUCE, passa orientações aos atores que a representarão. Mais um vibrante e interessantíssimo exemplo de metalinguagem.
Uma outra cena que não pode
passar em branco é quando é feita a revelação do assassinato. No original, há
uma aparição de um fantasma, mas, na visão de BRUCE, o que ocorre é Horácio (RICARDO LOPES) incorporando,
com voz e gestos, o espírito do rei falecido. Outra jogada de mestre.
Não
se consegue detectar nenhum defeito nesta montagem. A cenografia
(NELLO MARRESE) é econômica e
satisfaz, completamente, às necessidades de todas as cenas. Os figurinos
(MARIA CALLOU) são extremamente criativos e elegantes. A iluminação,
de ELISA TANDETA, nome sempre
presente nas peças dirigidas por BRUCE,
é de uma expressividade a toda prova. Também me encantou a caracterização, a cargo
de MONA MAGALHÃES. A direção,
de BRUCE GOMLEVSKY, é impecável; só
não diria que é surpreendente, porque, dele, sempre espero o melhor e uma superação,
em relação aos seus trabalhos anteriores. E nunca me engano.
O elenco,
coeso e totalmente comprometido com sua função na peça, atua de forma
irretocável, coerente e perfeitíssima, observação que faço dos principais personagens
aos que são de menor importância na narrativa cênica. Além dos nomes já
citados, e seus respectivos personagens, ainda merecem aplausos DANIEL BOUZAS, como Laertes e, ainda, AQUARELA
NEVES e GUILHERME PINEL.
O espetáculo, cujo texto
traz uma excelente tradução inédita de GERALDO CARNEIRO, é, indubitavelmente,
mais um sucesso da “Cia. Teatro Esplendor”, que registra, entre tantos outros,
premiadíssimos, “Festa de Família”, “O Funeral”, “O Homem Travesseiro”, “A
Volta ao Lar”, “Um Tartufo”, “Uma Revolução dos Bichos”,
“Outra
Revolução dos Bichos” e “Pedrinhas Miudinhas”.
A encenação leva a plateia a assistir
ao desenrolar da peça de pé – uma pequena parte inicial – e ocupando,
sentada, diferentes lugares, dispostos em três partes da audiência. Geralmente esquecida,
nas críticas, louvo a direção de produção, de GABRIEL GARCIA.
FICHA TÉCNICA:
Texto: William Shakespeare
Tradução: Geraldo Carneiro
Direção: Bruce Gomlevsky
Assistência de Direção: Julia Limp
Elenco: Bruce Gomlevsky, Gustavo Damasceno, Ricardo Lopes, Glauce Guima,
Sirléa Aleixo, Jaime Leibovitch, Daniel Bouzas, Maria Clara Migliora, Tamie
Panet, Alitta de Léon, Aquarela Neves e Guilherme Pinel
Cenário: Nello Marrese
Figurino: Maria Callou
Iluminação: Elisa Tandeta
Caracterização: Mona Magalhães
Trilha Sonora Original: Sacha Amback
Operação de Som: Manuella Prestes
Duelo de Espadas: Marcus Bittencourt
Fotos: Dalton Valério
Foto Cartaz: Guilherme Scarpa
Filmagem e Edição: Bruno Primo
Programação Visual: Amarildo Moraes
Assessoria de Imprensa: Dobbs Scarpa
Assistência de Produção: Lucas Gustavo
Direção de Produção: Gabriel Garcia
SERVIÇO:
Temporada: De 15 de agosto a 08 de setembro de 2025.
Local: Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB – RJ) – Teatro
III.
Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66 – Centro (Candelária) - Rio de Janeiro –
RJ.
Dias e Horários: De quarta-feira a segunda-feira, às 19h; domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada).
Vendas: Bilheteria do CCBB ou pelo site www.ccbb.com.br
Duração: 140 minutos, aproximadamente.
Capacidade: 30 lugares.
Classificação Etária: 18 anos.
Gênero: Tragédia.
Esta nova montagem do clássico de Shakespeare propõe uma abordagem
intensa, emocional e física — construída ao longo de mais de 11 meses de
laboratório nos ensaios —, ao mesmo tempo que preserva a força da
poesia shakespeariana. A encenação evidencia os conflitos morais e psicológicos
do protagonista e o embate entre aparência e verdade, razão e instinto, poder e
corrupção. A adaptação também busca um diálogo direto com o mundo
contemporâneo, jogando luz sobre os dilemas éticos que atravessam a sociedade.
Trata-se de uma das quatro peças que correspondem a uma ocupação da “Cia.
Teatro Esplendor, no CCBB-RJ, para festejar seus 15
anos de existência, reafirmando o compromisso do grupo com a
experimentação estética, o aprofundamento dramatúrgico e a reinvenção de
grandes obras do repertório nacional e mundial. Aconselho a que não percam este
evento, que vai, aqui, RECOMENDADO POR MIM.
FOTOS: DALTON VALÉRIO
É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo,
visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre
mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há
de melhor no TEATRO BRASILEIRO!
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