“ESPERANDO GODOT”
ou
(ABREM-SE
E FECHAM-SE
OS CÍRCULOS
DE UMA ESPERA.)
ou
(“QUEM SABE
FAZ A HORA,
NÃO ESPERA ACONTECER.” -
“PRA NÃO DIZER
QUE NÃO FALEI
DAS FLORES – CAMINHANDO” – GERALDO VANDRÉ.)
ou
(“SATISFEITA,
YOLANDA?”)
Nada contra os irmãos lusitanos estarem, até hoje (?), a “esperar
por D. Sebastião, quer venha ou não” (“Liberdade” – Fernando Pessoa),
entretanto acho bem mais interessante esperar por alguém que não se sabe nem se
existe. É bem mais excitante. Não importa; o bom mesmo é ficar “ESPERANDO GODOT”, peça que tem a minha
idade – foi escrita em 1949 -, mas, até hoje, continua atraindo
multidões aos Teatros em que é encenada pelo mundo. E eu não me canso de
esperar pelo “gajo” (Ou seria uma “gaja”? Ou, para os que adoram
inventar novidades inúteis, “gaje”?)
Desde quando fui picado/mordido pelo bichinho do TEATRO, ainda na minha
adolescência, já assisti a muitas montagens, cada uma mais diferente que a
outra, deste clássico de SAMUEL BECKETT,
dramaturgo irlandês, falecido em 1989, universalmente considerado como um dos
escritores mais influentes do século XX, tido como um dos
últimos modernistas e um dos nomes de
maior destaque do movimento que se convencionou chamar de “TEATRO do Absurdo”.
Vencedor do “Prêmio Nobel de Literatura”, de 1969, suas obras,
traduzidas em mais de 30 línguas, trazem, como forte marca, uma riqueza metafórica imensa, privilegiando
uma visão pessimista acerca do fenômeno humano, o que torna suas peças de
acesso cognitivo mais restrito para os menos inteligentes e perspicazes espectadores.
Explicando melhor, para evitar mal-entendidos:
qualquer pessoa de inteligência média é capaz de entender suas peças e se
deliciar com elas, entretanto, há muitas metáforas “entrelinhadas” que passam
despercebidas por muita gente ou são decodificadas de mais de uma forma, sendo
que considero essas múltiplas perspectivas de leituras como algo muito
positivo; a meu juízo, pelo menos.
SINOPSE:
Estragão (MARCELO DRUMMOND) e Vladimir
(ALEXANDRE BORGES) são dois palhaços
vagabundos, que se encontram no fim do mundo, na encruzilhada entre
a paralisia e a tomada da ação.
Enquanto esperam Godot, embora não saibam
quem ou o que é, a dupla se encontra com as personagens que passam pela
estrada: Pozzo – O Domador (RICARDO
BITTENCOURT), Felizardo – A Fera (RODERICK
HIMEROS) e O Mensageiro (TONY REIS),
que traz notícias inquietantes, as quais podem determinar a perpetuação da
inércia ou a libertação total da paralisia, numa reviravolta absurda.
Mas afinal, até quando Esperar
Godot?
Como já diz o “release” que recebi de LIÈGE MONTEIRO e LUIZ FERNANDO COUTINHO (Assessoria de imprensa), a peça é “uma
grande parábola da sociedade moderna. É o testemunho do um fim de uma época, do
declínio de uma sociedade, do esgotamento da possibilidade de ação humana na
medida em que perdemos a noção da nossa existência, não fosse ela, essa
obra teatral, uma tragicomédia,
escrita no período pós-Segunda Guerra
Mundial, que descreve o ser humano como alguém perdido em conflitos
existenciais, que vive na expectativa de um encontro sempre adiado. Com
quem? Com o quê? Com alguém ou algo que será
capaz de tirá-lo da inércia e fazê-lo crescer, renascer das cinzas, qual uma Fênix,
progredir, como um ser humano, em suas pretensões de evoluir, se é que elas
existem. É a esperança de conseguir juntar cacos e reconstruir o que foi
destruído pelo próprio Homem.
As
marcas, muitas indeléveis, deixadas pelo horror da Guerra, como sempre
acontece, destroem, quando não por fora, por dentro, os seres humanos, mergulhando-os
num oceano de dúvidas e questionamentos: Como será o amanhã? Não é “responda
quem puder”, e sim “quem ousar achar que sabe”. E esse “alguém”
é um desconhecido; é Godot, como poderia ter outro nome
qualquer. A entidade não chega nunca e o que se vê é tudo terminando e recomeçando
do mesmo ponto numa “circulartidade das ações que se organizam no caos da existência
humana, sem pretender a ordem”. E tudo se dá dentro de uma visão
desencantada e desencantadora do mundo, com os personagens apresentados
destroçados, “como a própria condição humana, que se apresenta desintegrada”.
E seria possível se esperar mais daqueles dois pobres infelizes?
Atenção
voltada para o palco, não fica difícil constatar que “ESPERANDO GODOT” é uma grande parábola - narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta,
por meio de comparação ou analogia - da sociedade moderna; da época de BECKETT e de agora também, o que torna a peça atemporal e universal. O
autor só não pode ser considerado um “visionário”, porque já via
acontecendo tudo aquilo ao seu redor, há mais de sete décadas, em relação a
hoje. Ele não mais se ocupa, além de nos mostrar o fim de uma época, o
fechamento de um círculo, da falência de uma sociedade e do não saber como dar
novos passos para a frente. A inércia impera. E BECKETT não perde a oportunidade de nos mostrar, também, quão “presas
fáceis” somos, para os sistemas totalitários. Querem trazer a discussão
para os dias de hoje? Façam-no, da forma mais neutra, de preferência. Talvez
fique mais fácil entender. E vErão que a obra É mais atual que nunca.
A crítica
ferina de BECKETT se vale de um
humor mordaz e, aparentemente, ingênuo, com o objetivo de tentar nos
ridicularizar - o nosso dia a dia -, porém com um propósito definido: “mostrar
o absurdo da nossa existência em um mundo completamente caótico”.
Afinal de contas, foi para nos tornarmos “aquilo”, aquela dupla de “inúteis”,
de “párias”,
que se fez uma guerra? Valeu a pena imolar tantas vidas? Vale a pena viver por
conta do sacrifício alheio, da perda de tantos semelhantes? E, agora, o que fazer?
Ficar, eternamente, esperando por alguém que nunca dá o ar de sua graça?
Ainda que, tecnicamente, no original, seja
dividida em dois atos (Já vi montagens em um único ato.), a ação de cada um
deles é como se correspondesse ao período de um dia. Tudo se dá ao pé de um
gigantesco tronco de árvore seco, como um signo fácil de ser decodificado: o “sem
vida” de um pós-guerra, sendo que, no segundo ato, essa alegoria cênica
recebe o acréscimo de um pouquinho de uma folhagem verde, também dentro de um
simbolismo: a esperança de uma nova vida a brotar; mas só esperança. É o
único elemento cênico, obra que aparece, na FICHA TÉCNICA, com a
rubrica direção de arte e arquitetura cênica, a cargo de MARÍLIA GALLMEISTER e MARCELO X.
E o que dizer desta
montagem? Muito, em poucas palavras: É UM ESPETÁCULO PENSADO, CONCEBIDO E DIRIGIDO
POR ZÉ CELSO. E bastaria. A partir daí, mesmo quem não conseguiu assistir
à encenação, pode imaginar até onde o saudoso grande diretor pôde se fazer “coautor”
do texto; ou seja, quantas ideias geniais o diretor agregou à escrita original,
nada que não coubesse na dramaturgia ou que não faça parte da realidade que ora
vivemos no Brasil.
O ZÉ, como não seria surpresa para
ninguém, deu mais vida a algo que já era extremamente pulsante –
Parece que o texto foi escrito no momento presente. -, acrescentou, ao “prosaico”
muito de sua “loucura mansa e criativa”, desconstruiu, como um “fazedor
de guerra”, o que existia, a ponto de transformar a obra, já consagrada, numa “montagem
urgente, potente e atualíssima, com a incorporação de temas e personagens que
contracenam com a vida no Brasil de hoje”. Quem, além de JOSÉ
CELSO MARTINEZ CORRÊA, teria a coragem, a ousadia, de transformar um
menino, um mensageiro, personagem da versão original, num adulto, um exu,
um Zé
Pelintra, que sobe ao palco, vindo da plateia, para o espanto e o
impacto de todos os que já conhecem a obra?
E por que essa escolha? Coisa
de uma mente privilegiada e saudavelmente anárquica e inquieta. A título de
ilustração, juntando, aos meus parcos conhecimentos sobre religiões de matrizes
africanas, uma rápida pesquisa, Zé Pelintra é
uma entidade de origem afro-brasileira, um dos “santos” da Lapa
e um ícone da umbanda, um arquétipo do “malandro”, uma espécie
de transcrição da cultura de origem africana, na qual sempre beberemos. “É
considerado o espírito patrono dos bares, locais de jogo e sarjetas. É
mestre curador das mazelas do corpo e da perdição das almas. É conhecido como o
‘advogado dos pobres’. É muito popular no Rio de Janeiro, onde tem um santuário,
no bairro da Lapa. É citado em artes, como pinturas, obras literárias e
poéticas e na música”. E no TEATRO, por ZÉ CELSO. E por
que não? Por que não tirar partido de um Zé Pelintra / Madame Satã?
Outra ideia de ZÉ
CELSO, que ele muito já explorou, em outros trabalhos, é a utilização
de projeções.
No caso, aqui, funciona de uma forma brilhante, a filmagem de todo o espetáculo,
ao vivo, feita do próprio palco, por IGOR
MAROTTI, também responsável pela direção de fotografia. Os ângulos
encontrados pelo cinegrafista, os quais devem ter sido muito bem pensados e
ensaiados, produzem imagens indescritíveis, com detalhes impressionantes das
reações dos personagens, que não conseguem ser captadas a distância pelo
espectador, projetadas num imenso telão, ao fundo do palco.
Para não me estender
muito, ainda que seja importantíssimo, falarei um pouco sobre alguns profissionais,
artistas
de criação, que se enquadram na FICHA TÉCNICA, excetuando-se o
trabalho de cenografia, a que já fiz referência, e das projeções, idem. Pela
primeira vez, salvo engano, a não ser que com outra denominação, travei
conhecimento com uma função que não ficou muito clara, para mim, na montagem, entretanto,
se não trouxe nenhum prejuízo a ela, certamente, foi uma tarefa bem executada,
a de “conselheira
poeta”, atribuída a CATHERINE
HIRSCH. Também aplaudo, triplamente, SONIA
USHIYMA, pelo corretíssimo trabalho nas áreas de figurinos, maquiagem
e visagismo.
Dois tipos de direção também funcionam corretamente nesta encenação: a de
cena (DÉBORA BALARINI) e a de
imagem (CIÇA LUCCHESI).
Ainda sobra espaço para mais um elogio: ao trabalho de FELIPE BOTELHO, pela trilha sonora e direção musical.
E ficam para o final, como
destaque maior, os comentários relativos ao elenco, sobre o qual o
máximo de melhor que se disser ainda ficará abaixo dos enaltecimentos merecidos.
MARCELO DRUMMOND, Estragão,
e ALEXANDRE BORGES (Vladimir)
nos dão uma aula magna, uma “masterclass”, do que seja o “fazer
teatral”. Ignorando, totalmente, a presença de um cinegrafista em cena,
por vezes, a palmos de distância deles, a dupla de grandes atores interpreta seus
personagens com uma naturalidade ímpar e de uma forma como nunca vi serem
representados. E olha que já tive a oportunidade de ver “medalhões” fazendo o
mesmo trabalho.
São dois “sem-teto”, que “vivem”
sob as marquises e viadutos de qualquer grande cidade moderna; são dois “imigrantes”,
que engrossam as fileiras desses “sem-teto”; são, em suma, dois “excluídos”,
invisíveis aos olhos de uma sociedade ávida de encontrar formas para também
sobreviver. Ao mesmo tempo, a dupla passa, ao espectador, um tom poético, que
bem pode estar contido, sim, na dor e no sofrimento. Dois personagens protagonistas
que representam toda a Humanidade preterida e rejeitada. Um
trabalho digno de premiações.
A propósito, bem que ALEXANDRE BORGES poderia continuar a
ganhar dinheiro, para sobreviver com dignidade, via outras mídias, o que,
normalmente, é negado pelo TEATRO,
mas poderia se deixar levar pelo enorme prazer de continuar, com mais
frequência, sobre as tábuas, grande ator que o público de TEATRO merece ver. Há 30
anos, ele representou, pelo mesmo Teatro Oficina, hoje, Teatro Oficina Uzyna Uzona, o personagem Rei Cláudio,
numa montagem de “Hamlet”, “espetáculo que reinaugurou o Teatro
Oficina, com o atual projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi e Edson Elito”.
Enquadrado
como um personagem coadjuvante
(O coadjuvante
nunca é o ator.), merece os aplausos destinados a um
protagonista RICARDO BITTENCOURT, que interpreta Pozzo, o dono das terras locais, representante do poder, da
oligarquia. O personagem, nesta adaptação/encenação,
mereceu um destaque especial, da parte de ZÉ CELSO, e BITTENCOURT
não desperdiçou a oportunidade de atrair luzes ao seu personagem. Ele é o
patrão, cruel e autoritário, do pobre Lucky,
representado, com total correção, por RODERICK
HIMEROS. Ironicamente, o nome do servo explorado, traduzido para o
português, equivale a “Sortudo”.
Se aquilo é “sorte”, longe de
mim o “azar”. O personagem,
originalmente, carrega uma maleta, da qual jamais se afasta; aqui, dando um
toque de modernidade e usando o objeto como um gatilho para o humor, ZÉ
CELSO não pensou duas vezes em trocar a maleta por uma daquelas geringonças,
uma mochila térmica, que os entregadores de comidas usam atualmente. A “cara” do ZÉ: em vez de “iFood”, “E FODA-SE!”.
Ainda, para
fechar o elenco, em duas rápidas, mas boas intervenções, TONY REIS, na
pele do Mensageiro (Exu Zé Pelintra), aquele que chega
para dar notícias de Godot.
FICHA
TÉCNICA:
Dramaturgia:
Samuel Beckett
Conselheira
Poeta: Catherine Hirsch
Direção:
Zé Celso (Licenciado por Marcelo Drummond)
Elenco:
Estragão – Marcelo Drummond; Vladimir – Alexandre Borges; Pozzo – Ricardo
Bittencourt; Lucky – Roderick Himeros; e Mensageiro – Tony Reis
Direção
de Arte e Arquitetura Cênica: Marília Gallmeister e Marcelo X
Direção
de imagem: Ciça Lucchesi
Direção
de Fotografia e Câmera ao Vivo: Igor Marotti
Direção
de Cena: Débora Balarini
Trilha
Sonora e Direção Musical: Felipe Botelho
Desenho
de Luz: Luana Della Crist
Operação
de Luz: Victoria Pedrosa
Assistência
e Operação de Luz: Pedro Felizes e Filipe Fonseca
Operação
de Som: Camila Fonseca
Assistente
de Som: Clevinho Ferreira
Figurino,
Maquiagem e Visagismo: Sonia Ushiyama
Assistente
Visagismo: Kael Studart
Camareira:
Cida Mello
Administração
e Produção: Anderson Puchetti
Assessoria de Imprensa: Liège Monteiro e Luiz Fernando Coutinho
Fotos:
Amanda Mendes, Guilherme Gnniper, Jennifer Glass, Lenise Pinheiro e Mário
Canelas
Produção:
Ana Sette e Tati Rommel
Realização: Teatro Oficina Uzyna Uzona
Obviamente, já que, infelizmente,
quando esta crítica estiver sendo publicada a temporada carioca já terá,
infelizmente, terminado, não faz sentido apresentar o SERVIÇO da peça.
E, afinal de contas, Godot virá ou não? Em sua segunda
aparição, o Mensageiro chega,
para informar que Godot não virá naquele dia, mas sim no dia seguinte. Ou, quem
sabe, não ficaria para o outro? Ou para o próximo? Como prova de que os dois personagens
representam, ou simbolizam, seres à margem da sociedade, ambos terminam imóveis,
após a revelação do informante.
Como ilustração, julgo pertinente dizer
que o título da peça passou a ser, popularmente, utilizado para descrever uma
situação em que “estão esperando que algo aconteça, mas, provavelmente, nunca
acontecerá”.
FOTOS: AMANDA MENDES,
GUILHERME
GNNIPER,
JENNIFER
GLASS,
LENISE
PINHEIRO
e
MÁRIO CANELAS
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E
SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA
QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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