domingo, 8 de dezembro de 2024

“ESPERANDO GODOT”

ou

(ABREM-SE

E FECHAM-SE

OS CÍRCULOS

DE UMA ESPERA.)

ou

(“QUEM SABE

FAZ A HORA,

NÃO ESPERA ACONTECER.” -

“PRA NÃO DIZER

QUE NÃO FALEI

DAS FLORES – CAMINHANDO” – GERALDO VANDRÉ.)

ou

(“SATISFEITA,

YOLANDA?”)



         Nada contra os irmãos lusitanos estarem, até hoje (?), a “esperar por D. Sebastião, quer venha ou não” (“Liberdade” – Fernando Pessoa), entretanto acho bem mais interessante esperar por alguém que não se sabe nem se existe. É bem mais excitante. Não importa; o bom mesmo é ficar “ESPERANDO GODOT”, peça que tem a minha idade – foi escrita em 1949 -, mas, até hoje, continua atraindo multidões aos Teatros em que é encenada pelo mundo. E eu não me canso de esperar pelo “gajo” (Ou seria uma “gaja”? Ou, para os que adoram inventar novidades inúteis, “gaje”?)


 

Desde quando fui picado/mordido pelo bichinho do TEATRO, ainda na minha adolescência, já assisti a muitas montagens, cada uma mais diferente que a outra, deste clássico de SAMUEL BECKETT, dramaturgo irlandês, falecido em 1989, universalmente considerado como um dos escritores mais influentes do século XX, tido como um dos últimos modernistas e um dos nomes de maior destaque do movimento que se convencionou chamar de “TEATRO do Absurdo”. Vencedor do “Prêmio Nobel de Literatura”, de 1969, suas obras, traduzidas em mais de 30 línguas, trazem, como forte marca, uma riqueza metafórica imensa, privilegiando uma visão pessimista acerca do fenômeno humano, o que torna suas peças de acesso cognitivo mais restrito para os menos inteligentes e perspicazes espectadores. Explicando melhor, para evitar mal-entendidos: qualquer pessoa de inteligência média é capaz de entender suas peças e se deliciar com elas, entretanto, há muitas metáforas “entrelinhadas” que passam despercebidas por muita gente ou são decodificadas de mais de uma forma, sendo que considero essas múltiplas perspectivas de leituras como algo muito positivo; a meu juízo, pelo menos.

 

 


 

 

SINOPSE:

Estragão (MARCELO DRUMMOND) e Vladimir (ALEXANDRE BORGES) são dois palhaços vagabundos, que se encontram no fim do mundo, na encruzilhada entre a paralisia e a tomada da ação.

Enquanto esperam Godot, embora não saibam quem ou o que é, a dupla se encontra com as personagens que passam pela estrada: Pozzo – O Domador (RICARDO BITTENCOURT), Felizardo – A Fera (RODERICK HIMEROS) e O Mensageiro (TONY REIS), que traz notícias inquietantes, as quais podem determinar a perpetuação da inércia ou a libertação total da paralisia, numa reviravolta absurda.

Mas afinal, até quando Esperar Godot?

 

 

 


 

Como já diz o “release” que recebi de LIÈGE MONTEIRO e LUIZ FERNANDO COUTINHO (Assessoria de imprensa), a peça é “uma grande parábola da sociedade moderna. É o testemunho do um fim de uma época, do declínio de uma sociedade, do esgotamento da possibilidade de ação humana na medida em que perdemos a noção da nossa existência, não fosse ela, essa obra teatral, uma tragicomédia, escrita no período pós-Segunda Guerra Mundial, que descreve o ser humano como alguém perdido em conflitos existenciais, que vive na expectativa de um encontro sempre adiado. Com quem? Com o quê? Com alguém ou algo que será capaz de tirá-lo da inércia e fazê-lo crescer, renascer das cinzas, qual uma Fênix, progredir, como um ser humano, em suas pretensões de evoluir, se é que elas existem. É a esperança de conseguir juntar cacos e reconstruir o que foi destruído pelo próprio Homem.

 

 

         As marcas, muitas indeléveis, deixadas pelo horror da Guerra, como sempre acontece, destroem, quando não por fora, por dentro, os seres humanos, mergulhando-os num oceano de dúvidas e questionamentos: Como será o amanhã? Não é “responda quem puder”, e sim “quem ousar achar que sabe”. E esse “alguém” é um desconhecido; é Godot, como poderia ter outro nome qualquer. A entidade não chega nunca e o que se vê é tudo terminando e recomeçando do mesmo ponto numa “circulartidade das ações que se organizam no caos da existência humana, sem pretender a ordem”. E tudo se dá dentro de uma visão desencantada e desencantadora do mundo, com os personagens apresentados destroçados, “como a própria condição humana, que se apresenta desintegrada”. E seria possível se esperar mais daqueles dois pobres infelizes?

 

 

Atenção voltada para o palco, não fica difícil constatar que “ESPERANDO GODOT” é uma grande parábola - narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia - da sociedade moderna; da época de BECKETT e de agora também, o que torna a peça atemporal e universal. O autor só não pode ser considerado um “visionário”, porque já via acontecendo tudo aquilo ao seu redor, há mais de sete décadas, em relação a hoje. Ele não mais se ocupa, além de nos mostrar o fim de uma época, o fechamento de um círculo, da falência de uma sociedade e do não saber como dar novos passos para a frente. A inércia impera. E BECKETT não perde a oportunidade de nos mostrar, também, quão “presas fáceis” somos, para os sistemas totalitários. Querem trazer a discussão para os dias de hoje? Façam-no, da forma mais neutra, de preferência. Talvez fique mais fácil entender. E vErão que a obra É mais atual que nunca.

 


A crítica ferina de BECKETT se vale de um humor mordaz e, aparentemente, ingênuo, com o objetivo de tentar nos ridicularizar - o nosso dia a dia -, porém com um propósito definido: “mostrar o absurdo da nossa existência em um mundo completamente caótico”. Afinal de contas, foi para nos tornarmos “aquilo”, aquela dupla de “inúteis”, de “párias”, que se fez uma guerra? Valeu a pena imolar tantas vidas? Vale a pena viver por conta do sacrifício alheio, da perda de tantos semelhantes? E, agora, o que fazer? Ficar, eternamente, esperando por alguém que nunca dá o ar de sua graça?

 

 

Ainda que, tecnicamente, no original, seja dividida em dois atos (Já vi montagens em um único ato.), a ação de cada um deles é como se correspondesse ao período de um dia. Tudo se dá ao pé de um gigantesco tronco de árvore seco, como um signo fácil de ser decodificado: o “sem vida” de um pós-guerra, sendo que, no segundo ato, essa alegoria cênica recebe o acréscimo de um pouquinho de uma folhagem verde, também dentro de um simbolismo: a esperança de uma nova vida a brotar; mas só esperança. É o único elemento cênico, obra que aparece, na FICHA TÉCNICA, com a rubrica direção de arte e arquitetura cênica, a cargo de MARÍLIA GALLMEISTER e MARCELO X.


 


 

         E o que dizer desta montagem? Muito, em poucas palavras: É UM ESPETÁCULO PENSADO, CONCEBIDO E DIRIGIDO POR ZÉ CELSO. E bastaria. A partir daí, mesmo quem não conseguiu assistir à encenação, pode imaginar até onde o saudoso grande diretor pôde se fazer “coautor” do texto; ou seja, quantas ideias geniais o diretor agregou à escrita original, nada que não coubesse na dramaturgia ou que não faça parte da realidade que ora vivemos no Brasil.

 


JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA.



O , como não seria surpresa para ninguém, deu mais vida a algo que já era extremamente pulsante – Parece que o texto foi escrito no momento presente. -, acrescentou, ao “prosaico” muito de sua “loucura mansa e criativa”, desconstruiu, como um “fazedor de guerra”, o que existia, a ponto de transformar a obra, já consagrada, numa “montagem urgente, potente e atualíssima, com a incorporação de temas e personagens que contracenam com a vida no Brasil de hoje”. Quem, além de JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA, teria a coragem, a ousadia, de transformar um menino, um mensageiro, personagem da versão original, num adulto, um exu, um Zé Pelintra, que sobe ao palco, vindo da plateia, para o espanto e o impacto de todos os que já conhecem a obra?

 

 

         E por que essa escolha? Coisa de uma mente privilegiada e saudavelmente anárquica e inquieta. A título de ilustração, juntando, aos meus parcos conhecimentos sobre religiões de matrizes africanas, uma rápida pesquisa, Zé Pelintra é uma entidade de origem afro-brasileira, um dos “santos” da Lapa e um ícone da umbanda, um arquétipo do “malandro”, uma espécie de transcrição da cultura de origem africana, na qual sempre beberemos. “É considerado o espírito patrono dos bares, locais de jogo e sarjetas. É mestre curador das mazelas do corpo e da perdição das almas. É conhecido como o ‘advogado dos pobres’. É muito popular no Rio de Janeiro, onde tem um santuário, no bairro da Lapa. É citado em artes, como pinturas, obras literárias e poéticas e na música”. E no TEATRO, por ZÉ CELSO. E por que não? Por que não tirar partido de um Zé Pelintra / Madame Satã

 

 

 

         Outra ideia de ZÉ CELSO, que ele muito já explorou, em outros trabalhos, é a utilização de projeções. No caso, aqui, funciona de uma forma brilhante, a filmagem de todo o espetáculo, ao vivo, feita do próprio palco, por IGOR MAROTTI, também responsável pela direção de fotografia. Os ângulos encontrados pelo cinegrafista, os quais devem ter sido muito bem pensados e ensaiados, produzem imagens indescritíveis, com detalhes impressionantes das reações dos personagens, que não conseguem ser captadas a distância pelo espectador, projetadas num imenso telão, ao fundo do palco.   

 

 

         Para não me estender muito, ainda que seja importantíssimo, falarei um pouco sobre alguns profissionais, artistas de criação, que se enquadram na FICHA TÉCNICA, excetuando-se o trabalho de cenografia, a que já fiz referência, e das projeções, idem. Pela primeira vez, salvo engano, a não ser que com outra denominação, travei conhecimento com uma função que não ficou muito clara, para mim, na montagem, entretanto, se não trouxe nenhum prejuízo a ela, certamente, foi uma tarefa bem executada, a de “conselheira poeta”, atribuída a CATHERINE HIRSCH. Também aplaudo, triplamente, SONIA USHIYMA, pelo corretíssimo trabalho nas áreas de figurinos, maquiagem e visagismo. Dois tipos de direção também funcionam corretamente nesta encenação: a de cena (DÉBORA BALARINI) e a de imagem (CIÇA LUCCHESI). Ainda sobra espaço para mais um elogio: ao trabalho de FELIPE BOTELHO, pela trilha sonora e direção musical.

 


 

         E ficam para o final, como destaque maior, os comentários relativos ao elenco, sobre o qual o máximo de melhor que se disser ainda ficará abaixo dos enaltecimentos merecidos. MARCELO DRUMMOND, Estragão, e ALEXANDRE BORGES (Vladimir) nos dão uma aula magna, uma “masterclass”, do que seja o “fazer teatral”. Ignorando, totalmente, a presença de um cinegrafista em cena, por vezes, a palmos de distância deles, a dupla de grandes atores interpreta seus personagens com uma naturalidade ímpar e de uma forma como nunca vi serem representados. E olha que já tive a oportunidade de ver “medalhões” fazendo o mesmo trabalho.

 

 

São dois “sem-teto”, que “vivem” sob as marquises e viadutos de qualquer grande cidade moderna; são dois “imigrantes”, que engrossam as fileiras desses “sem-teto”; são, em suma, dois “excluídos”, invisíveis aos olhos de uma sociedade ávida de encontrar formas para também sobreviver. Ao mesmo tempo, a dupla passa, ao espectador, um tom poético, que bem pode estar contido, sim, na dor e no sofrimento. Dois personagens protagonistas que representam toda a Humanidade preterida e rejeitada. Um trabalho digno de premiações.


 

A propósito, bem que ALEXANDRE BORGES poderia continuar a ganhar dinheiro, para sobreviver com dignidade, via outras mídias, o que, normalmente, é negado pelo TEATRO, mas poderia se deixar levar pelo enorme prazer de continuar, com mais frequência, sobre as tábuas, grande ator que o público de TEATRO merece ver. Há 30 anos, ele representou, pelo mesmo Teatro Oficina, hoje, Teatro Oficina Uzyna Uzona, o personagem Rei Cláudio, numa montagem de “Hamlet”, “espetáculo que reinaugurou o Teatro Oficina, com o atual projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi e Edson Elito”.

 

 

 

         Enquadrado como um personagem coadjuvante (O coadjuvante nunca é o ator.), merece os aplausos destinados a um protagonista RICARDO BITTENCOURT, que interpreta Pozzo, o dono das terras locais, representante do poder, da oligarquia. O personagem, nesta adaptação/encenação, mereceu um destaque especial, da parte de ZÉ CELSO, e BITTENCOURT não desperdiçou a oportunidade de atrair luzes ao seu personagem. Ele é o patrão, cruel e autoritário, do pobre Lucky, representado, com total correção, por RODERICK HIMEROS. Ironicamente, o nome do servo explorado, traduzido para o português, equivale a “Sortudo”. Se aquilo é “sorte”, longe de mim o “azar”. O personagem, originalmente, carrega uma maleta, da qual jamais se afasta; aqui, dando um toque de modernidade e usando o objeto como um gatilho para o humor, ZÉ CELSO não pensou duas vezes em trocar a maleta por uma daquelas geringonças, uma mochila térmica, que os entregadores de comidas usam atualmente. A “cara” do : em vez de “iFood”, “E FODA-SE!”.




 

Ainda, para fechar o elenco, em duas rápidas, mas boas intervenções, TONY REIS, na pele do Mensageiro (Exu Zé Pelintra), aquele que chega para dar notícias de Godot.

 




 

FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia: Samuel Beckett

Conselheira Poeta: Catherine Hirsch

Direção: Zé Celso (Licenciado por Marcelo Drummond)

 

Elenco: Estragão – Marcelo Drummond; Vladimir – Alexandre Borges; Pozzo – Ricardo Bittencourt; Lucky – Roderick Himeros; e Mensageiro – Tony Reis

 

Direção de Arte e Arquitetura Cênica: Marília Gallmeister e Marcelo X

Direção de imagem: Ciça Lucchesi

Direção de Fotografia e Câmera ao Vivo: Igor Marotti

Direção de Cena: Débora Balarini

Trilha Sonora e Direção Musical: Felipe Botelho

Desenho de Luz: Luana Della Crist

Operação de Luz: Victoria Pedrosa

Assistência e Operação de Luz: Pedro Felizes e Filipe Fonseca

Operação de Som: Camila Fonseca

Assistente de Som: Clevinho Ferreira

Figurino, Maquiagem e Visagismo: Sonia Ushiyama

Assistente Visagismo: Kael Studart

Camareira: Cida Mello

Administração e Produção: Anderson Puchetti

Assessoria de Imprensa: Liège Monteiro e Luiz Fernando Coutinho

Fotos: Amanda Mendes, Guilherme Gnniper, Jennifer Glass, Lenise Pinheiro e Mário Canelas

Produção: Ana Sette e Tati Rommel

Realização: Teatro Oficina Uzyna Uzona

 

 


 


 

         Obviamente, já que, infelizmente, quando esta crítica estiver sendo publicada a temporada carioca já terá, infelizmente, terminado, não faz sentido apresentar o SERVIÇO da peça.


 

         E, afinal de contas, Godot virá ou não? Em sua segunda aparição, o Mensageiro chega, para informar que Godot não virá naquele dia, mas sim no dia seguinte. Ou, quem sabe, não ficaria para o outro? Ou para o próximo? Como prova de que os dois personagens representam, ou simbolizam, seres à margem da sociedade, ambos terminam imóveis, após a revelação do informante.


 

Como ilustração, julgo pertinente dizer que o título da peça passou a ser, popularmente, utilizado para descrever uma situação em que “estão esperando que algo aconteça, mas, provavelmente, nunca acontecerá”.


 



 

 

FOTOS: AMANDA MENDES,

GUILHERME GNNIPER,

JENNIFER GLASS,

LENISE PINHEIRO

e

MÁRIO CANELAS

 

 

 

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