“ALASKA”
OU
(GODOT CHEGOU
E NINGUÉM
PERCEBEU?)
OU
(SE ENTENDI
OU NÃO ENTENDI,
O IMPORTANTE
É QUE EMOÇÕES
EU VIVI.)
Teoricamente, um espetáculo de TEATRO, antes de agradar ou não a um espectador, como espetáculo, no todo, precisa ser “entendido”. É necessário que a pessoa que esteja na plateia consiga compreender a história, no mínimo, e procure caminhar, por si só, de acordo com suas decodificações, pelos vários meandros que vai encontrando, ao longo da narrativa, para ir destrinchando os conflitos existentes na trama, mesmo que cada um dos espectadores procure um atalho diferente, por tal e qual motivo. Cada um entendeu o que pôde ou quis; ou o que foi possível entender. E isso se aplica a qualquer gênero teatral. Num drama, muito mais ainda. Mas há exceção para tudo. E comigo, de vez em quando, isso também acontece. E é normal, viu?
Ocorre,
vez por outra, de determinados espetáculos me agradarem, sem que eu saiba, exatamente, por quê. Sinto que a peça foi bem montada, que é bonita, que tem
muitas qualidades, entretanto, por sua complexidade textual e por exigir muito
da atenção do espectador e de sua capacidade de embarcar na “viagem”
que ela propõe, saio do Teatro pensando em revê-la; em certas
oportunidades, volto para casa, sentindo-me um “burro” e “zurrando”
qualquer coisa, quando alguém fala comigo. Seria possível que,
em outro momento meu – e eu estava mal na noite de 31 de outubro
de 2024, poucos dias após ter voltado de uma viagem de um mês ao exterior e com
alguns problemas pessoais pendentes, sem falar nas duas horas e meia que levei,
dirigindo de casa ao Teatro Poeira -, eu estivesse
mais “disponível” para um embarque naquela “nave”, e eu e ela pudéssemos nos
aproximar, como se espera numa simbiose entre palco e plateia. E
foi isso o que aconteceu no dia em fui assistir ao espetáculo “ALASKA”,
em longa temporada no Teatro Poeira (VER SERVIÇO.). Acho
que não era o dia para termos marcado aquele “date”. Era, pelo menos,
o que eu pensava.
SINOPSE:
A peça se passa no estado do Alaska,
que também nomeia o drama, escrito pela dramaturga estadunidense CINDY
LOU JOHNSON.
Enquanto uma forte nevasca cai do lado de
fora, Henry (RODRIGO
PANDOLFO), uma figura solitária, é surpreendido por uma insistente batida
na porta de sua cabana.
Trata-se de uma visita desconhecida: Rosannah (LOUISE D’TUANI), uma jovem
vestida de noiva, que, após dirigir, ininterruptamente, por semanas, entra na
habitação, após esmurrá-la, e se instala no local.
Eles se veem presos no mesmo espaço-tempo,
longe de tudo e de todos, sem a menor possibilidade de desafiar a intempérie, sendo
obrigados a conviver com suas verdades, para, quem sabe, assim, alcançarem essa
possível cura.
É com base nessa enigmática SINOPSE acima,
aparentemente muito simples, e em nada mais, que tentarei escrever sobre a
peça, que revi no último dia 29 de novembro de 2024, como havia
prometido ao meu querido amigo RODRIGO
PANDOLFO, que, além de ser o personagem Henry, ainda tomou a si a imensa
responsabilidade de dirigir o espetáculo. Acho muito difícil a direção desse
texto, pelo que já cumprimento PANDOLFO.
CINDY LOU JOHNSON, dramaturga norte-americana, parece ter bebido, até ficar trôpega,
“borracha”, em fontes de gente
muito importante, como Jarry, Genet, Beckett, Arrabal
e Ionesco, por exemplo, alguns
dos grandes mestres do Teatro
do Absurdo, e, das obras da autora, “ALASKA (“Brilliant Traces”, no original) é a mais famosa. A título de
brincadeira, sem abandonar o mote, seria o caso de mandar, não sei como, um recadinho
a Samuel Beckett, que nos
deixou em 1989, dizendo-lhe
que ninguém precisa mais esperar Godot,
porque essa entidade já apareceu; e sob a forma de uma mulher, vestida de noiva.
CINDY não cansa de lançar mistérios no ar, na esperança – acho que só a autora fica nela –
de que o público vá entender todas as suas provocações. Por exemplo, o que faz
uma mulher, vestida de noiva, dirigir, do Brasil ao Alaska,
abandonando os convidados na igreja e deixando o noivo à sua espera, no altar,
como se tivesse entrado num “surto”,
e, depois de o carro enguiçar e já começar a ficar soterrado pela neve, ir,
após caminhar muito, parar na casa de um profissional da área de petróleo, que
trabalha numa plataforma e vive, tranquilo, por vontade própria (?), como um
ermitão, a cerca de quilômetros de distância de casa? Já começa aí a procura
pela “verossimilhança perdida”,
se é que ela importa.
Ou aquela “Godot” não
estava ali, nunca esteve, e ainda se fazia esperar, por alguém que prima pela liberdade
e prazer de viver sozinho, mas que, no fundo, vive à espera/procura de alguma
companhia, mesmo sendo uma “bagunceira”,
como Rosannah, que deixa os
sapatos molhados jogados no chão, espalhados pela casa, mexendo com as memórias
“afetivas” de Henry? “O que me incomoda eu queimo”. “Como uma forma de expurgar
alguma coisa? Fica a pergunta no ar. Talvez a existência, um dia, de uma
terceira personagem, que não aparece em cena, uma filha dele, possa responder a
isso.
E se essas memórias também não existissem, porque não se pode recordar o
que nunca se viu ou se teve ou se viveu? Também é uma possibilidade, que nos
levaria a duvidar da sanidade mental do homem. Seria, também, mais uma camada que
a autora utiliza para se sobrepor a outras e para dificultar a vida de quem espera
uma história linear, algo “pão-pão-queijo-queijo”,
“sanduíche” que jamais
saboreará nesta peça.
Diz a SINOPSE, em seu
trecho final: “sendo obrigados a
conviver com suas verdades, para, quem sabe, assim, alcançarem essa possível
cura”. Quais seriam essas verdades? Diálogos parecem nos
revelar as ditas cujas, mas, até onde se pode ou se deve acreditar nelas? Problema
de quem redigiu esse trecho que encerra a referida SINOPSE da peça ou
fragilidade cognitiva de minha parte, que “verdades” são essas, se é que elas
existem? Eu, pelo menos, me virei do avesso, para chegar até elas e fiquei pelo
meio do caminho, talvez porque não são mesmo para virem à luz. Alcance, quem
puder, “essa possível cura”. A que “cura” se referem, partindo-se do pronome demonstrativo “essa”,
que deveria fazer menção a algo já mencionado? Que “cura”? Quem precisa dela?
Um precisa do outro, para se curar de quê? Das marcas do passado, dos erros
cometidos, dos arrependimentos, das oportunidades perdidas...
É um profundo desafio,
um exercício abissal, tentar entender o texto, se é que isso é tão importante
assim, diante da beleza plástica da montagem. Não é à toa que esta peça é
catalogada como um “drama psicológico”. Mais “drama” ou mais “psicológico”? Meio a meio.
Os personagens “embaralham o que é verdade ou ilusão desse encontro”,
acompanhados dos bailarinos ALEXANDRE MAÏA e TAYSON
PIO, “que trazem uma linguagem de universo fantástico, por meio de
intervenções de dança, traduzindo os conflitos mentais das protagonistas”.
A ideia de incorporar à cena o trabalho dos dois excelentes profissionais, que
também se viram na contrarregragem, é um dos grandes acertos da peça.
Se tudo o que escrevi sobre a fluência - ou falta dela - de uma história, que não está viva e fácil ao nosso alcance, não deixem de assistir ao espetáculo por todos os outros elementos que ele reúne, como a ótima cenografia, de MIGUEL PINTO GUIMARÃES, tão simples quanto expressiva e criativa; os comedidos e ajustados figurinos, assinados por JAY BOGGO; uma luz indescritível, desenhada por WAGNER ANTÔNIO, de uma beleza ímpar, que constrói imagens indeléveis, na nossa mente, trabalhando, esplendorosamente, com as sombras; da direção de movimento, variada e criativa, de LAVINIA BIZOTTO; e da trilha sonora, agradável e precisa, criada por Azullllllll (É assim mesmo que ele se assina.)
Todas essas referências já valem o valor do ingresso,
entretanto ainda há, no espaço cênico, duas presença de jovens atores que não
estão a caminho do acerto; eles já são, acertadamente, dois magníficos atores
de TEATRO.
Faço questão de frisar o “de TEATRO”, visto que, sobre RODRIGO PANDOLFO, faltam-me adjetivos
novos para qualificar, sem ser repetitivo, tudo o que eu já vi esse ator fazer
num palco e o que ele é capaz de atingir, na difícil ARTE de representar: Eclético,
dinâmico, camaleônico, verdadeiro... Com relação a LOUISE D’TUANINi, foi, para mim, seu batismo sobre as tábuas.
Salvo engano, não conhecia seu trabalho de atriz de TEATRO e fiquei extremamente feliz e satisfeito com o que vi, o
que, a meu juízo, a credencia a novos desafios, como deve ter sido o do de
interpretar Rosannah.
FICHA TÉCNICA:
Autor: Cindy Lou Johnson
Tradução: Luiza Vilela
Direção: Rodrigo
Pandolfo
Elenco: Louise D'Tuani e
Rodrigo Pandolfo
Bailarines / Performers:
Alexandre Maïa e Tayson Pio
Cenografia: Miguel Pinto
Guimarães
Figurino: Jay Boggo
“Designer” de Luz: Wagner
Antonio
Direção de Movimento:
Lavinia Bizzotto
Trilha Sonora:
Azullllllll
Assistência de Direção:
Rael Barja e Jean Machado
Assistência e Operação
de Luz: Walace Furtado
Operação de Som: Gabriel
Fomm
Assessoria de
Comunicação: Fuga Produções e Comunicação - Ricardo Oliveira
Identidade Visual: Pat
Cividanes
Fotografia: Pat Cividanes e Chico Lima
Redes sociais/Mídias
Digitais - Rafael Gandra
Cenotécnico: André
Salles Cenografia e LC Cenografia
Camareiro/Contrarregra:
James Simão
Produção Executiva:
Bárbara Montes Claros
Diretor de Produção:
Celso Lemos
Administração: D’ Tuani
Produções Artísticas e Realejo Produções Artificiais
SERVIÇO:
Temporada: de 03 de
outubro a 15 de dezembro de 2024.
Local: Teatro Poeira.
Endereço: Rua São João
Batista, nº 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2537-8053.
Dias e Horários: De 5ª
feira a sábado, às 20h; domingo, às 19h.
Valor dos Ingresso: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada).
Funcionamento da
Bilheteria: De 3ª feira a sábado, das 15h às 21h; domingo, das 15h às 19h. (Sem
taxa de conveniência).
Vendas pela plataforma
Sympla (Com taxa de conveniência.)
Capacidade: 171 lugares.
Duração: 80 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Gênero: Drama.
Para muita gente, talvez a maioria dos que vêm enchendo cada
uma das sessões do Teatro Poeira, pela força do “boca a boca”, já que se
trata de mais um excelente espetáculo sem patrocínio, mantendo-se de pé pela arma da propaganda interpessoal, esta peça seja uma experiência totalmente nova,
que vale muito a pena se vivenciada.
FOTOS: PAT CIVIDANES
E
CHICO LIMA.
GALERIA PARTICULAR
(Fotos: João Bartholo.)
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E
SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA
QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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