segunda-feira, 11 de novembro de 2024

“A PALAVRA

QUE RESTA”

ou

(SERÁ QUE,

DEPOIS DE “TUDO”,

 DE TANTO TEMPO,

ALGUMA PALAVRA AINDA RESTA;

 OU JÁ RESTOU?)

ou

(O PREÇO 

DA PAIXÃO

E DO AMOR

ENTRE “MACHOS”.)

 



         É extremamente prazeroso saber, antes de ter assistido a uma peça de TEATRO, que sua temporada foi prorrogada, “devido ao grande sucesso”, segundo a assessoria de imprensa. Isso não é coisa tão comum, no universo do TEATRO, principalmente no Rio de Janeiro. Uma grande alegria para mim, um ardoroso admirador do trabalho desenvolvido pela Cia. Atores de Laura, desde sua fundação, há mais de 30 anos. Na verdade, esta montagem veio para celebrar os 32 anos das trupe. Para mim, que, independente da minha vontade, não havia ainda conseguido assistir ao espetáculo, a vontade de conhecer a nova produção do grupo era imensa, e só consegui realizar esse desejo numa sexta-feira, dia 01/11/2024. E, como já esperava, deixei o Teatro Correios Léa Garcia, com a alma em festa, sentindo-me profundamente recompensado.




 

        Além das credenciais da Cia., as melhores possíveis, ainda outro fator despertava o meu desejo pelo espetáculo, que era o fato de o texto, a dramaturgia, ter sido extraída de um livro que vem alcançando grande e merecido sucesso entre os que amam a boa literatura. É o premiado livro homônimo, que, aliás, estou começando a ler, sem vontade de interromper a leitura, quando isso é necessário.  

 




 

SINOPSE:

O texto percorre os conflitos familiares do protagonista, Raimundo Gaudêncio de Freitas, e as relações que ele estabeleceu, depois de fugir de casa e cair na estrada, bem como as catarses e ressignificações impostas pelo destino.

As dores e os dilemas de um homem, que precisou ocultar a própria sexualidade, por décadas, para sobreviver, em meio a uma sociedade provinciana e heteronormativa, pontuam todo o espetáculo. 

Nascido no sertão nordestino, Raimundo trabalhou, desde cedo, na roça e não teve a oportunidade de ir à escola.

Durante a fase de descoberta do sexo, na juventude, apaixona-se pelo melhor amigo, Cícero.

Após terem sido flagrados juntos, durante um ato de amor carnal, são demonizados e separados pelas duas famílias.

Depois que são alijados e separados, na trama, Cícero desapareceu, deixando apenas uma carta a Raimundo, que era analfabeto.

Uma vez expulso de casa, pela mãe, Raimundo passa mais de 50 anos sem saber ler ou escrever.

Aos 71 anos, resolve ser alfabetizado, para poder saber o que, enfim, o seu amado do passado havia lhe escrito.

Vai daí, resta uma palavra. Ou não?

 




Apenas um fato curioso, antes dos comentários sobre o espetáculo, e uma informação: O fato: Durante uma boa parte da representação e, mesmo, no tempo de trajeto de volta até a minha casa, enquanto dirigia, não me saíam da cabeça trechos da letra de uma canção de Djavan, que me reportavam àquela história: “Esquinas” (“Só eu sei / As esquinas por que passei. / Só eu sei. / Sabe lá / O que é não ter / E ter que ter pra dar?! / Sabe lá?! / Só eu sei / Os desertos que atravessei. / Só eu sei. / Sabe lá / O que é morrer de sede em frente ao mar?! / Sabe lá?!). A Informação: Heteronormativo é um adjetivo que descreve algo que estabelece a heterossexualidade como norma. A heteronormatividade é uma imposição social que coloca a heterossexualidade ‘como a única orientação sexual correta e desejada’, e que marginaliza, ignora ou persegue outras orientações sexuais.” Creio que ambos, o fato e a informação, são deveras importantes, para se compreender a obra teatral em tela.

 


 

DANIEL HERZ sempre nos surpreende, a cada proposta de direção e, desta vez, houve por bem fazer com que os personagens fossem vividos por todos os atores e atrizes do afinado elenco, sem obedecer aos sexos de cada um. Os seis atores em cena se revezam em todos os papéis. Isso faz parte da adaptação do texto, também feita por ele. Esse detalhe transmite à encenação um toque muito especial, até porque pode estar querendo propor que muitos, ou todos, possamos ser, em alguns momentos e decisões, como os personagens, passar por aquelas situações, desde o protagonista até todos os que fazem parte do seu universo. Por outro lado, embora, a meu juízo, não venha a ser o caso, é preciso que o espectador menos atento ou assíduo ao Teatro não se deixe dispersar, para poder entender quem está falando e por quê. DANIEL foi muito delicado em seu trabalho, muito respeitoso e sem o menor desejo de agredir. Todas as cenas sensuais são revestidas de insinuações e até os beijos não levam atores e atrizes a grudar os lábios. Não é puritanismo do diretor. É uma bela e criativa concepção de espetáculo.



 

Seguindo a estrutura do livro, dividido em pequenos capítulos, a direção de DANIEL HERZ, em cima de sua própria adaptação da obra literária, é extremamente dinâmica, com cenas curtas e ágeis, sempre apresentando uma nova surpresa, a cada aparição dos atores envolvidos na cena seguinte. É, praticamente, impossível deixar-se levar pela falta de atenção; e de interesse também.


 



Como é de hábito, nas encenações do festejado diretor, pode haver personagens protagonistas, entretanto todos os atores da Cia. o são, tamanho é o nivelamento, por cima, dos seus dirigidos, da mesma forma como, quando convidam atores de fora, não abrem mão da qualidade do trabalho do(s) convidado(s), os quais têm que saltar na mesma altura em que foi colocada a vara. Por vezes, por um motivo ou outro, especial, algum ator ou atriz da trupe fica de fora de uma montagem e outros, que não pertencem ao grupo são convidados. Aqui, da Cia. Atores de Laura, os sempre talentosos (por ordem alfabética): ANA PAULA SECCO, CHARLES FRICKS, LEANDRO CASTILHO, PAULO HAMILTON e VERÔNICA REIS. Todos magníficos em todas as cenas, em todos os personagens. A única convidada é a atriz trans VALÉRIA BARCELLOS, a qual, como já era de se esperar, chegou para agregar qualidade ao trabalho.

 



Para quem é assíduo dos Teatros e conhece bem a trajetória dos artistas da Cia. Atores de Laura, torna-se desnecessário repetir sua “bios” – basta “dar um Google” -, todos de comprovadíssimo talento e notoriedade, entretanto, para os cariocas, pelo menos, creio ser interessante que se fique sabendo um pouco da carreira artística de VALÉRIA BARCELOS. Apenas uma “biozinha”: O público de TV teve a oportunidade de conferir seu trabalho recente na novela “Terra e Paixão”, como a personagem Luana Shine, que gerenciava um bar, com interesse a se tornar sua proprietária. Mas é importante acrescentar que VALÉRIA também é cantora, escritora e artista plástica, além de transitar por aí como DJ e “performer”. Vi-a, esporadicamente, na novela, e nada me chamou a atenção em seu trabalho, confesso, com a maior sinceridade, entretanto, é no palco – é minha tese – que atores e atrizes mostram que “têm garrafa vazia pra vender”. VALÉRIA, depois de “A PALAVRA QUE RESTA”, me provou ser uma eficiente “vendedora de garrafas”.



 

 Tanto o escritor do romance, o cearense STÊNIO GARDEL, quanto o seu adaptador para o TEATRO, DANIEL HERZ, entremeiam aquele “tsunami” de dores, sofrimentos e humilhações com pinceladas de um humor “nervoso”, mas que serve de válvula de escape, para agasalhar um pouco a alma do espectador, no caso específico do TEATRO, amenizando o sofrimento das dores dos personagens, que ele, o espectador, vai acompanhando e delas participando. Pessoas choram, na plateia.



 

Se, hoje, em pleno século XXI, 2024, o Brasil deve, ou deveria, se envergonhar de ser o país que mais assassina indivíduos LGBTQIAP+ no mundo - e a punição para isso deveria ser muito severa -, não é preciso um exercício tão robusto, para que se consiga imaginar o que representavam, há um pouco mais de meio século, as dores e os dilemas de um homem que precisou ocultar a própria sexualidade por décadas, para sobreviver, em meio a uma sociedade provinciana e heteronormativa”. E num lugar onde reinava a cegueira da obscuridão, a escuridão da ignorância, e reinava a teoria de que “todo cabra homem nasceu ‘macho’ e como tal tem que agir”.  



 

Um detalhe muito “sui generis”, que notei no espetáculo e, depois, li no “release”, como observação de DANIEL HERZ, é que, em geral, no momento de, por algum motivo, ter que “sair do armário”, o(a) filho(a) direciona tal “confissão” à mãe, que “sempre é mais tolerante e acolhedora”, para esta preparar o espírito e o caminho, até que a revelação chegue ao pai, de quem se espera uma rejeição maior, e até uma reação agressiva. Aqui, o que aconteceu? Após terem sido flagrados juntos, pelo pai de Raimundo, este “servindo de mulher para Cícero”, os dois rapazes são “demonizados e separados pelas duas famílias”. “Raimundo é chicoteado pelo pai, e a mãe faz ainda pior: coloca-o para fora de casa, contrariando o senso comum de que as mães são mais acolhedoras.”. “Ah! A força da religião de um ‘Deus’ que só aceita uma forma de amor!” (Contém ironia.) 



 

         Esse momento pode ser considerado um falso clímax ou anticlímax, na história, uma vez que, a partir dessa expulsão, o protagonista var percorrer estradas, conhecer pessoas e construir sua vida de verdade, calcada na assunção de sua verdadeira personalidade, porém sempre com uma carta a lhe dominar os sentidos, uma carta que precisava ser decodificada, e cujo teor, o melhor possível, era esperado pelo destinatário: a carta de Cícero para Raimundo. Fiz questão de transcrever, do já citado “release”, para mais aguçar o interesse do leitor por assistir à peça: O potente romance de estreia de GARDEL percorre os conflitos familiares do protagonista, Raimundo Gaudêncio de Freitas, e as relações que ele estabeleceu depois de fugir de casa e cair na estrada, bem como as catarses e ressignificações impostas pelo destino.”.



 

         O cenário quase não se faz presente, com poucas peças, porém bastantte representativo, na peça; e não faz falta mesmo. Em compensação, os figurinos, criados por WANDERLEY GOMES, que, na FICHA TÉCNICA também assume a cenografia, são uma excelente ideia, pautada na concepção do diretor, de que “Somos todos Raimundo.”, aquela ideia de todos os atores representarem todos os personagens. Para isso, o figurinista criou um belo macacão customizado, para todos, com o acréscimo de alguns acessórios, para alguns personagens, principalmente para Susany, a grande “fada madrinha”, na vida de Raimundo, uma personagem vivida, em momentos diferentes, por VALÉRIA BARCELLOS, VERÔNICA REIS e ANNA PAULA SECCO.



 

Como não gosto de ficar sem entender as coisas, voltando aos fantásticos figurinos, que me agradaram tanto, procurei saber, com o figurinista, qual o significado de alguns detalhes da já citada customização. Havia algumas letras, diferentes, pregadas a todos os macacões, que, segundo WANDERLEY GOMES, não representam nada mais do que as letras que Raimundo ia aprendendo, no seu processo de alfabetização. (E eu, aqui, pensando em coisas mais profundas. Mania de crítico.), quando a simplicidade, naquelas peças de roupa, falava tão mais alto. E como o personagem acabou por aprender a profissão de costureiro, os demais detalhes, como remendos e botões, estão ligados ao seu domínio do ofício de costurar. Repito: um excelente trabalho de figurino!



Mas o espetáculo não ganharia o brilho como nos é apresentado sem a prodigiosa iluminação de um mestre: AURÉLIO DE SIMONI.



 

Raimundo, para fugir à dor, e não aceitar a sua realidade, sua própria e verdadeira identidade, cria, para si, uma dor maior, quando tenta ser o “homem” que seu pai queria que fosse, mas, no fundo, ele tem dificuldade de reconhecer o seu desejo, esconde a homossexualidade, tenta gostar de mulher; finge, trabalha com caminhoneiros, procura se proteger em meio a uma sociedade heteronormativa. Mas não era assim o “que a banda tocava”: xaxado não é baião; frevo não é forró. E Susany foi importantíssima, na vida de Raimundo, para lhe ensinar como se dançam os “diferentes ritmos da vida”.



 

      Descobri, no “release” da peça, uma bela e oportuna lembrança de CHARLES FRICKS, um dos grandes atores do elenco, acerca da ideia da direção, do revezamento dos atores/personagens, sobre o que já falei um pouco, mas que é muito válida: “...essa dinâmica cênica proposta pelo diretor humaniza a todos. Podemos ser tanto o que oprime como o que é oprimido. Podemos ser a mão que afaga, como também a que chicoteia, ‘em nome de Deus’. É importante contar histórias como essa: as pessoas precisam saber que não estão sozinhas no mundo.”. “Ah! Falar em nome de um determinado “Deus”, que prega o amor, mas só aceita uma forma dele, entre um homem e uma mulher!”. Cai o pano! (Contém ironia!)



 

 

“Infelizmente, ainda vivemos em meio a uma sociedade homofóbica e racista.”. São palavras de DANIEL HERZ com as quais, mais infelizmente ainda, todos somos obrigados a concordar. O diretor confessa que o que mais o encantou, na obra de STÊNIO GARDEL, é que “ela fala de pessoas à margem da sociedade, da ideia de que a diferença produz o medo que, por sua vez, acaba levando ao ódio”.

 

 



 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto Original: Stênio Gardel 

Adaptação e Direção: Daniel Herz 

 

Elenco: Ana Paula Secco, Charles Fricks, Leandro Castilho, Paulo Hamilton, Valéria Barcellos e Verônica Reis 

 

Cenário e figurinos: Wanderley Gomes 

Iluminação: Aurélio de Simoni 

Trilha Sonora: Leandro Castilho

Programação Visual: Luciano Cian

Direção de Produção: CultConsult Produções e Escudero Produções

Produção Executiva: Clarah Borges 

Fotos: Carolina Spork

Realização: Cia. Atores de Laura 

Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação e Dobbs Scarpa 

 

 





 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 10 de outubro até 30 de novembro de 2024.

Local: Teatro Correios Léa Garcia.


Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, nº 20, Centro - Rio de Janeiro.  

Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h.

Valor do Ingresso:

Plateia Principal: R$ 80 (inteira) / R$ 40 (meia-entrada).
Plateia Promocional: R$ 30 (inteira) / R$ 15 (meia-entrada).

Contato: barataimprensa@gmail.com
Fabio Dobbs: (21) 99442-0753.
Guilherme Scarpa: (21) 99653-1772

Assessoria de Comunicação Dobbs Scarpa +5521996531772

 

 




Ao partir, para, certamente, “evitar o pior” (Será que foi?) Cícero não deixou pistas, a não ser aquela carta, que Raimundo não sabe ler — ao menos até agora -, mas que foi o combustível para que o protagonista encontrasse forças para viver.



 

Talvez o que mais atraia um leitor/espectador, nesta obra, seja “um enredo poderoso sobre a dor da exclusão — a exclusão da miséria, do analfabetismo, da solidão, do preconceito. E se completa com a força da linguagem que molda a história, palavra a palavra, na tradição dos grandes narradores brasileiros.”, segundo Socorro Acioli, autora de renome, que assina a contracapa do livro e de quem STÊNIO GARDEL foi aluno.



 

Além de RECOMENDAR MUITO A PEÇA, acrescento que ela tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da “Lei de Incentivo à Cultura”, a “Lei Rouanet”, do Ministério da Cultura e Governo Federal.


 

FOTOS: CAROLINA SPORK

 

 

 

GALERIA PARTICULAR

Fotos: Vinícius de Oliveira.):



Com Gustavo Gasparani (convidado), Ana Paula Secco e Verônica Reis.




Com Paulo Hamilton. 

 


Com Paulo Hamilton e Charles Fricks.

 


Com Ana Paula Secco.

 


Com Leandro Castilho.



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A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!

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