quarta-feira, 15 de março de 2023

 “PRAZER, HAMLET”

ou

(A VIDA IMITA 

A ARTE.)

ou

(UM DESAFIO CUMPRIDO

COM A MAIOR DIGNIDADE.)


 

 




O que é bom jamais se esgota ou cansa. Uma obra como a tragédia “Hamlet”, do gênio William Shakespeare, escrita em 1599 e 1601, com um incalculável número de montagens e releituras, ao logo de mais de quatro séculos, no mundo inteiro, ganha mais uma, totalmente inovadora, desafiadora e “subversiva”, saída da profícua mente de CIRO BARCELOS, sob a forma de um monólogo brilhantemente interpretado por RODRIGO SIMAS, em cartaz no Teatro Glaucio Gill, no Rio de Janeiro (VER SERVIÇO.). Na vedade, a peça não é "Hamlet"; é sobre "Hamlet".



 

SINOPSE:

A peça se passa no período final dos ensaios, quando, prestes a estrear seu primeiro monólogo, um ator se deixa levar pelo medo.

Isso o leva a um embate com seus questionamentos e fantasmas internos, vendo-se obsediado por Hamlixo, que o incita, numa escavação pelos labirintos da hipocrisia social e do coração do Príncipe Hamlet, levando-o a uma questão jamais abordada nas inúmeras montagens teatrais da obra: Quem o príncipe amou, afinal? 

 



Em geral, inicio meus comentários críticos pelo texto, sem o qual, se não for de boa qualidade, um espetáculo tende a não se sustentar (Em 99,999...% dos casos.). Podem alguns achar que já está muito “batida” a clássica tragédia do príncipe dinamarquês, dominado pelo desejo de vingar a morte de seu pai, o rei, também batizado de Hamlet, friamente assassinado pelo próprio irmão, Cláudio, que lhe usurpa o trono, contando com o conluio da rainha Gertrudes (SERÁ?!), esposa do rei assassinado, com quem o assassino se casa, pouco tempo após o assassinato, e mãe do atormentado jovem Hamlet.




Assim como qualquer tema, nenhum texto dramático, na minha visão, é “batido”, quando dele se faz uma nova leitura, acrescentada de uma generosa dose de criatividade. Foi assim que se comportou CIRO BARCELOS, quando resolveu levar a cabo esse lindo projeto, cercando-se de alguns dos mais gabaritados nomes de artistas de criação do TEATRO BRASILEIRO. Seu texto é bastante original e procura passar, ao público leigo, os bastidores de uma produção teatral, focando num ator que aceita o desafio de representar o primeiro solo de sua carreira, um gesto bastante ousado, numa montagem arrebatadora, capaz de não permitir que nenhum espectador se desligue de um cordão umbilical invisível, ligado ao ator RODRIGO SIMAS, no seu espaço cênico.





Diferente do estilo clássico, pomposo e filigranado, presente no texto shakespeariano, próprio de sua época, CIRO conseguiu codificar suas excelentes ideias numa escrita formal, porém contemporânea, bastante ao alcance do grande público, preocupado com uma pronta comunicação entre ator/personagem, em cena, com o público, em suas poltronas. O texto dá margem a uma montagem bastante dinâmica, em que a direção, também assinada por BARCELOS explora, muito bem e à farta, a extensão dos movimentos que RODRIGO SIMAS, também um atleta, consegue alcançar. Deixarei os comentários acerca de sua atuação para o final, não como uma única “cereja do bolo”, mas, sim, como se estivéssemos diante de um enorme pote com essas frutas em calda.






A ideia desta montagem, de CIRO BARCELOS, surgiu há bastante tempo, desde quando, ainda bem jovem, na flor de seus 19 anos, e já apaixonado pelo bardo inglês, CIRO, morando em Paris, acompanhou, muito de perto, a concepção do balé “Hamlet”, dançado por uma lenda do balé clássico, de todos os tempos: Rodolf Nureyev. Da coxia, o dramaturgo e diretor se deixava envolver, cada vez mais, por aquela obra e imaginou, um dia, fazer qualquer coisa relacionada a ela.





Daquela época para cá, a admiração por Shakespeare e seu “Hamlet” só fez crescer e CIRO, depois de ter conhecido tantas releituras da tragédia, em várias mídias, achou por bem criar a sua própria obra, com uma abordagem bem pessoal; não, simplesmente, encenar a tragédia, como ela se apresenta, teatralmente, porém escrever algo em que ela estivesse presente e servisse de base para o desenrolar de um enredo. Foi assim que surgiu “PRAZER, HAMLET”.



Um pouco antes da devastadora pandemia de COVID-19, a qual, graças a Deus, agora, só conseguimos enxergar bem distante, em oficinas de dança e TEATRO que CIRO ministrava em São Paulo, ele começou a escrever pequenos textos, ligados à tragédia, cenas curtas, para serem estudados e representados pelos alunos, em forma de exercícios, o que acabou se transformando no embrião da peça em tela. A partir de então, a ideia de “PRAZER, HAMLET”, na estrutura como chega, hoje, ao público foi tomando forma e corpo.




Na hora de encontrar um ator para protagonizar o espetáculo, seu pensamento se concentrou em RODRIGO SIMAS, cujo trabalho CIRO conhecia pela TV, tendo gostado muito de sua atuação, como eu também, na novela “Novo Mundo”. Mas a vontade de trabalharem juntos já vinha desde 2012, quando se cruzaram nos bastidores de um programa de TV. Também porque Bruno Gissoni, com quem o autor e diretor já trabalhara em “Dzi Croquettes em Bandália”, irmão de RODRIGO, lhe dissera que este estava pensando em voltar a fazer TEATRO, num trabalho bem mais consistente dos que já fizera, anteriormente, no palco. “Juntou a fome com a vontade de comer.”.




Isso posto, CIRO se lançou num mergulho profundo, para escrever o texto completo da peça, muito voltado, principalmente, para a chamada “versão nórdica da obra”, a história do Príncipe Amleth, personagem viking que inspirou o “Hamlet”, de Shakespeare.




Foi feito, então, o convite a RODRIGO SIMAS, que estava em férias, fora do país, o qual o aceitou de pronto, muito entusiasmado com o convite e com a ideia do projeto. O ator, interrompendo seu período de descanso, rumou para São Paulo, quando começaram os primeiros ensaios da peça, durante os quais o texto foi sendo modificado, ganhando novas texturas e contornos, a partir da emoção e do trabalho de pesquisa de ambos, autor/diretor e ator.




Foi, segundo CIRO, uma imersão total, em “full time”, com ensaios diários, que duravam, às vezes, muito mais que dez horas, durante os quais RODRIGO não media esforços, para atingir a perfeição. É comovente ouvir o relato do diretor sobre isso, feito a mim, após o término da sessão de estreia para convidados, ainda no Teatro Glaucio Gill, e durante uma conversa telefônica entre nós, de quase uma hora, tantas vezes interrompida pelas falhas tecnológicas das companhias de telefonia; eu, no meu escritório, em casa; CIRO, a bordo de um ônibus, em direção a São Paulo.




Vale a pena dizer que todo o desgastante processo, tanto do ponto de vista físico quanto psicológico, emocional, se deu num prazo de cerca de um mês apenas. Durante esses ensaios e voltas ao texto, para acréscimos e supressões, surgiu a genial ideia do personagem Hamlixo, uma espécie de “alter ego” do personagem/ator ou um fantasma debochado e amoral que o atormenta, com críticas e desafios, uma espécie do fantasma que apoquentava o jovem príncipe, no original de Shakespeare.





Por ter trabalhado, durante um bom tempo, com Pina Baush, a consagrada dançarina e coreógrafa alemã, CIRO se considera um “coreógrafo diretor”, o que equivale a dizer que sua porção diretor de TEATRO é pautada na sua vitoriosa experiência e carreira de dançarino e coreógrafo, que ele propõe aos atores com os quais trabalha, e não é diferente neste “PRAZER, HAMLET”. Sua proposta de processo, no TEATRO, passa pelo gestual, primeiro. Isso justifica o fato de todo o processo de concepção de “PRAZER, HAMLET” ter iniciado pela exploração do potencial corporal do ator solista. RODRIGO foi, extenuantemente, exigido e correspondeu aos desafios, com muita determinação, revelada, a mim, pelo diretor e, facilmente, perceptível em cena. Segundo CIRO, “um processo exaustivo, mas prazeroso”, sensação com a qual me parece comungar RODRIGO SIMAS. Ele o demonstra em cena.




Ao mesmo tempo que queria muito fazer este trabalho e, no fundo, soubesse que, a despeito de bastante sacrifício e necessidade de entrega total, conseguiria levá-lo a êxito, o ator, talvez por conta da solidão, em cena, vez por outra, durante os ensaios, esmorecia e o demonstrava com pranto, chegando a pensar que não seria capaz de atingir seu objetivo. Ao final do espetáculo, na sessão a que assisti, CIRO BARCELOS confidenciou ao público (Está registrado em vídeo feito por mim.) que, quinze dias antes da estreia, em São Paulo, RODRIGO chegou a solicitar uma reunião com toda a equipe envolvida no projeto e perguntou quanto já havia sido gasto até então, estando ele disposto a ressarcir a produção dos custos, do próprio bolso, e desistir da estreia, no que foi, felizmente, desincentivado por todos. Felizmente, conseguiram-no persuadir de que era uma questão de acreditar, experimentar, ariscar... De certa forma, essa insegurança do ator foi muito benéfica, uma vez que deu margem a que fosse registrada, no texto, aplicada ao personagem. Era a vida imitando a arte. Ou seria o contrário? Ou as duas coisas?




O espetáculo reúne muitos méritos e alguns deles estão concentrados no visual da montagem, nos elementos plásticos, sob as rubricas cenografia, figurinos e iluminação. Aquela, assinada por CIRO BARCELOS e CLAUDIO TOVAR (Ambos se entendem até pelo olhar, em função de tantos anos de convivência, camaradagem e trabalho juntos.), é um elemento que chama a atenção do espectador, por seu aspecto insurgente e perturbador. Esta, assinada por CAETANO VILELA, auxilia na criação de uma atmosfera de sombras e dúvidas, exigida pelo espetáculo. E o figurino, fruto do talento de CLAUDIO TOVAR, é algo que fica indelével na memória do público. TOVAR pôs em prática sua incalculável extensão de criatividade, trabalhando com tecidos de várias cores e texturas, utilizando, como, aliás, é uma de suas digitais, material reciclável, para criar trajes e adereços belíssimos e de profundo significado.







Dois outros profissionais, na FICHA TÉCNICA, merecem também um destaque. São eles ANDRÉ PERINI, responsável por uma trilha sonora magnífica, que enriquece cada cena e parece dialogar com o ator/personagem, e GLAUCIA VERENA, que orientou RODRIGO no trabalho de voz, um elemento importantíssimo em qualquer montagem teatral e, em especial, nesta. O ator utiliza vozes diferentes quando interpreta o personagem central, o Hamlixo e ele mesmo.



Sobre a corretíssima atuação de RODRIGO SIMAS, tenho a dizer que, cada vez que vejo, sobre as tábuas, alguém, advindo da TV, que me encanta com seu trabalho de representar, mais reforço minha teoria de que, quando se deseja saber se uma pessoa nasceu para ser um digno representante do ofício de viver outras “personas”, é necessário conferir seu trabalho num Teatro. Nada, absolutamente, contra quem apenas atua em cinema e televisão, entretanto, a meu juízo, é no TEATRO que é possível alguém pôr em prática todo o seu potencial artístico, uma vez que não conta com nenhuma “muleta” tecnológica e “não pode errar”, sem que isso não seja percebido. No TEATRO, a emoção é única, o momento é único. O TEATRO “suga” as energias, físicas e emocionais, de quem representa.



Havia visto RODRIGO, nos palcos, apenas duas vezes, antes (Ele não atuou muito em peças teatrais.), em trabalhos que não me chamaram a atenção: em “Capitães da Areia” (e não “de Areia”, como muitos falam.) e “Alice e Gabriel”. Não tinha, portanto, conhecimento da extensão de seu talento, o qual, após a sessão de “PRAZER, HAMLET” me deixou totalmente impactado. RODRIGO SIMAS PROVOU QUE É DO RAMO. E COMO É! 




Extremamente bem dirigido por CIRO BARCELOS, o ator se desnuda em cena – inclusive literalmente -, em seu primeiro monólogo, seu maior desafio, até hoje, nos palcos. O personagem é um ator que está prestes a estrear seu primeiro monólogo, “Hamlet”. Sou muito fã da metalinguagem no TEATRO. Geralmente, os resultados são muito bons, como aqui.  A trama poderia ser a do próprio SIMAS, que, pela primeira vez, também está sozinho num palco, enfrentando seus medos, dúvidas e insegurança. "'PRAZER, HAMLET' explora os medos, os questionamentos e os fantasmas internos desse ator, que se vê obsediado por uma voz interior (Hamlixo)".






Este trabalho, certamente, é um divisor de águas na carreira do ator, que vivia em busca de uma segurança, na carreira, precisava da aprovação do público e de seus pares. Para isso, ele e o diretor trabalharam em confiança mútua. RODRIGO trabalhou com liberdade, na criação do personagem e atinge uma interpretação visceral, de superação. Em cena, seu trabalho vai se agigantando a olhos vistos, saindo de dentro para fora. O risco de um fracasso existia, todavia o talento e a garra de um grande jovem ator falaram mais alto.

 

 




 FICHA TÉCNICA: 

Texto: Ciro Barcelos

Direção: Ciro Barcelos

 

Atuação: Rodrigo Simas

 

Cenário: Claudio Tovar e Ciro Barcelos

Figurino e Adereços: Claudio Tovar

Direção Musical: André Perine

Desenho de Luz: Caetano Vilela

Preparação Vocal: Glaucia Verena

Fotografia: Ronaldo Gutierrez

Assessoria de Imprensa: Dobbs Scarpa Assessoria de Comunicação

Produção e Realização: Foco3 Produções Artísticas

 


 




 SERVIÇO:

Temporada: De 04 de março a 02 de abril de 2023.

Local: Teatro Glaucio Gill.

Endereço: Praça Cardeal Arcoverde, s/nº - Copacabana – Rio de Janeiro.

Telefone da bilheteria: (21) 2332-7904.

Dias e Horários: Sábados e domingos, às 20h.

Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada).

Vendas internet: https://funarj.eleventickets.com/

Duração: 75 minutos.

Classificação Etária: 16 anos.

Gênero: Drama. 

 




        Acho que, como eu, não há quem deixe o Teatro Glaucio Gill sem se sentir feliz e com vontade de rever o espetáculo, pelo conjunto da obra. Já agendei minha segunda vez. Seria necessário dizer que RECOMENDO O MONÓLOGO COM O MAIOR EMPENHO?! 

          "O resto é silêncio"!









Ciro Barcelos - o diretor.


ADORO ESSA PLAQUINHA!!!

(E eu, como sempre, na primeira fila.)

 




FOTOS: RONALDO GUTIERREZ

 

 

VAMOS AO TEATRO,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO

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