“PRAZER, HAMLET”
ou
(A VIDA IMITA
A ARTE.)
ou
(UM DESAFIO CUMPRIDO
COM A MAIOR DIGNIDADE.)
O que
é bom jamais se esgota ou cansa. Uma obra como a tragédia “Hamlet”,
do gênio William Shakespeare, escrita em 1599 e 1601, com um
incalculável número de montagens e releituras, ao logo de mais de quatro
séculos, no mundo inteiro, ganha mais uma, totalmente inovadora, desafiadora e “subversiva”,
saída da profícua mente de CIRO BARCELOS, sob a forma de um monólogo
brilhantemente interpretado por RODRIGO SIMAS, em cartaz no Teatro
Glaucio Gill, no Rio de Janeiro (VER SERVIÇO.). Na vedade, a peça não é "Hamlet"; é sobre "Hamlet".
SINOPSE:
A peça se passa no período final
dos ensaios, quando, prestes a estrear seu primeiro monólogo, um ator se deixa
levar pelo medo.
Isso o leva a um embate com seus questionamentos e fantasmas internos, vendo-se obsediado por Hamlixo, que o incita, numa escavação pelos labirintos da hipocrisia social e do coração do Príncipe Hamlet, levando-o a uma questão jamais abordada nas inúmeras montagens teatrais da obra: Quem o príncipe amou, afinal?
Em
geral, inicio meus comentários críticos pelo texto, sem o qual, se não for de
boa qualidade, um espetáculo tende a não se sustentar (Em 99,999...% dos
casos.). Podem alguns achar que já está muito “batida” a
clássica tragédia do príncipe dinamarquês, dominado pelo desejo de vingar a
morte de seu pai, o rei, também batizado de Hamlet, friamente
assassinado pelo próprio irmão, Cláudio, que lhe usurpa o trono,
contando com o conluio da rainha Gertrudes (SERÁ?!), esposa do
rei assassinado, com quem o assassino se casa, pouco tempo após o assassinato, e mãe
do atormentado jovem Hamlet.
Assim
como qualquer tema, nenhum texto dramático, na minha visão, é “batido”,
quando dele se faz uma nova leitura, acrescentada de uma generosa dose de
criatividade. Foi assim que se comportou CIRO BARCELOS, quando resolveu
levar a cabo esse lindo projeto, cercando-se de alguns dos mais gabaritados
nomes de artistas de criação do TEATRO BRASILEIRO. Seu texto é bastante
original e procura passar, ao público leigo, os bastidores de uma produção
teatral, focando num ator que aceita o desafio de representar o primeiro solo
de sua carreira, um gesto bastante ousado, numa montagem arrebatadora, capaz de
não permitir que nenhum espectador se desligue de um cordão umbilical
invisível, ligado ao ator RODRIGO SIMAS, no seu espaço cênico.
Diferente
do estilo clássico, pomposo e filigranado, presente no texto shakespeariano,
próprio de sua época, CIRO conseguiu codificar suas excelentes ideias numa
escrita formal, porém contemporânea, bastante ao alcance do grande público,
preocupado com uma pronta comunicação entre ator/personagem, em cena, com o
público, em suas poltronas. O texto dá margem a uma montagem bastante dinâmica,
em que a direção, também assinada por BARCELOS explora, muito bem e à
farta, a extensão dos movimentos que RODRIGO SIMAS, também um atleta,
consegue alcançar. Deixarei os comentários acerca de sua atuação para o final,
não como uma única “cereja do bolo”, mas, sim, como se
estivéssemos diante de um enorme pote com essas frutas em calda.
A
ideia desta montagem, de CIRO BARCELOS, surgiu há bastante tempo, desde
quando, ainda bem jovem, na flor de seus 19 anos, e já apaixonado pelo bardo
inglês, CIRO, morando em Paris, acompanhou, muito de perto, a concepção
do balé “Hamlet”, dançado por uma lenda do balé clássico, de
todos os tempos: Rodolf Nureyev. Da coxia, o dramaturgo e diretor
se deixava envolver, cada vez mais, por aquela obra e imaginou, um dia, fazer
qualquer coisa relacionada a ela.
Daquela
época para cá, a admiração por Shakespeare e seu “Hamlet” só
fez crescer e CIRO, depois de ter conhecido tantas releituras da
tragédia, em várias mídias, achou por bem criar a sua própria obra, com uma
abordagem bem pessoal; não, simplesmente, encenar a tragédia, como ela se apresenta,
teatralmente, porém escrever algo em que ela estivesse presente e servisse de
base para o desenrolar de um enredo. Foi assim que surgiu “PRAZER, HAMLET”.
Um
pouco antes da devastadora pandemia de COVID-19, a qual, graças a Deus, agora,
só conseguimos enxergar bem distante, em oficinas de dança e TEATRO que CIRO
ministrava em São Paulo, ele começou a escrever pequenos textos, ligados à
tragédia, cenas curtas, para serem estudados e representados pelos alunos, em
forma de exercícios, o que acabou se transformando no embrião da peça em tela.
A partir de então, a ideia de “PRAZER, HAMLET”, na estrutura como chega, hoje, ao público foi tomando forma e corpo.
Na
hora de encontrar um ator para protagonizar o espetáculo, seu pensamento se
concentrou em RODRIGO SIMAS, cujo trabalho CIRO conhecia pela TV,
tendo gostado muito de sua atuação, como eu também, na novela “Novo
Mundo”. Mas a vontade de trabalharem juntos já vinha desde 2012,
quando se cruzaram nos bastidores de um programa de TV. Também porque Bruno
Gissoni, com quem o autor e diretor já trabalhara em “Dzi
Croquettes em Bandália”, irmão de RODRIGO, lhe dissera que este
estava pensando em voltar a fazer TEATRO, num trabalho bem mais
consistente dos que já fizera, anteriormente, no palco. “Juntou a fome
com a vontade de comer.”.
Isso
posto, CIRO se lançou num mergulho profundo, para escrever o texto
completo da peça, muito voltado, principalmente, para a chamada “versão
nórdica da obra”, a história do Príncipe Amleth, personagem viking que inspirou
o “Hamlet”, de Shakespeare.
Foi feito, então, o convite a RODRIGO
SIMAS, que estava em férias, fora do país, o qual o aceitou de pronto,
muito entusiasmado com o convite e com a ideia do projeto. O ator,
interrompendo seu período de descanso, rumou para São Paulo, quando começaram
os primeiros ensaios da peça, durante os quais o texto foi sendo modificado, ganhando
novas texturas e contornos, a partir da emoção e do trabalho de pesquisa de
ambos, autor/diretor e ator.
Foi, segundo CIRO, uma
imersão total, em “full time”, com ensaios diários, que duravam,
às vezes, muito mais que dez horas, durante os quais RODRIGO não media
esforços, para atingir a perfeição. É comovente ouvir o relato do diretor sobre
isso, feito a mim, após o término da sessão de estreia para convidados, ainda
no Teatro Glaucio Gill, e durante uma conversa telefônica entre nós, de quase
uma hora, tantas vezes interrompida pelas falhas tecnológicas das companhias de
telefonia; eu, no meu escritório, em casa; CIRO, a bordo de um ônibus,
em direção a São Paulo.
Vale a pena dizer que todo o
desgastante processo, tanto do ponto de vista físico quanto psicológico,
emocional, se deu num prazo de cerca de um mês apenas. Durante esses ensaios e
voltas ao texto, para acréscimos e supressões, surgiu a genial ideia do
personagem Hamlixo, uma espécie de “alter
ego” do personagem/ator ou um fantasma debochado e amoral que o atormenta, com críticas e
desafios, uma espécie do fantasma que apoquentava o jovem príncipe, no original
de Shakespeare.
Por
ter trabalhado, durante um bom tempo, com Pina Baush, a
consagrada dançarina e coreógrafa alemã, CIRO se considera um “coreógrafo
diretor”, o que equivale a dizer que sua porção diretor de TEATRO é
pautada na sua vitoriosa experiência e carreira de dançarino e coreógrafo, que ele propõe aos atores
com os quais trabalha, e não é diferente neste “PRAZER, HAMLET”. Sua proposta
de processo, no TEATRO, passa pelo gestual, primeiro. Isso justifica o
fato de todo o processo de concepção de “PRAZER, HAMLET” ter iniciado
pela exploração do potencial corporal do ator solista. RODRIGO foi,
extenuantemente, exigido e correspondeu aos desafios, com muita determinação,
revelada, a mim, pelo diretor e, facilmente, perceptível em cena. Segundo CIRO,
“um processo exaustivo, mas prazeroso”, sensação com a qual me
parece comungar RODRIGO SIMAS. Ele o demonstra em cena.
Ao
mesmo tempo que queria muito fazer este trabalho e, no fundo, soubesse que, a
despeito de bastante sacrifício e necessidade de entrega total, conseguiria levá-lo a
êxito, o ator, talvez por conta da solidão, em cena, vez por outra, durante os
ensaios, esmorecia e o demonstrava com pranto, chegando a pensar que não seria capaz
de atingir seu objetivo. Ao final do espetáculo, na sessão a que assisti, CIRO
BARCELOS confidenciou ao público (Está registrado em vídeo feito por
mim.) que, quinze dias antes da estreia, em São Paulo, RODRIGO chegou
a solicitar uma reunião com toda a equipe envolvida no projeto e perguntou
quanto já havia sido gasto até então, estando ele disposto a ressarcir a
produção dos custos, do próprio bolso, e desistir da estreia, no que foi,
felizmente, desincentivado por todos. Felizmente, conseguiram-no persuadir de
que era uma questão de acreditar, experimentar, ariscar... De certa forma, essa
insegurança do ator foi muito benéfica, uma vez que deu margem a que fosse
registrada, no texto, aplicada ao personagem. Era a vida imitando a arte. Ou
seria o contrário? Ou as duas coisas?
O
espetáculo reúne muitos méritos e alguns deles estão concentrados no visual da
montagem, nos elementos plásticos, sob as rubricas cenografia, figurinos e
iluminação. Aquela, assinada por CIRO BARCELOS e CLAUDIO TOVAR (Ambos
se entendem até pelo olhar, em função de tantos anos de convivência, camaradagem
e trabalho juntos.), é um elemento que chama a atenção do espectador, por seu
aspecto insurgente e perturbador. Esta, assinada por CAETANO VILELA, auxilia
na criação de uma atmosfera de sombras e dúvidas, exigida pelo espetáculo. E o
figurino, fruto do talento de CLAUDIO TOVAR, é algo que fica indelével
na memória do público. TOVAR pôs em prática sua incalculável extensão de
criatividade, trabalhando com tecidos de várias cores e texturas, utilizando,
como, aliás, é uma de suas digitais, material reciclável, para criar trajes e
adereços belíssimos e de profundo significado.
Dois outros
profissionais, na FICHA TÉCNICA, merecem também um destaque. São eles ANDRÉ
PERINI, responsável por uma trilha sonora magnífica, que enriquece cada
cena e parece dialogar com o ator/personagem, e GLAUCIA VERENA, que
orientou RODRIGO no trabalho de voz, um elemento importantíssimo em
qualquer montagem teatral e, em especial, nesta. O ator utiliza vozes diferentes
quando interpreta o personagem central, o Hamlixo e ele mesmo.
Sobre
a corretíssima atuação de RODRIGO SIMAS, tenho a dizer que, cada vez que
vejo, sobre as tábuas, alguém, advindo da TV, que me encanta com seu trabalho
de representar, mais reforço minha teoria de que, quando se deseja saber se uma
pessoa nasceu para ser um digno representante do ofício de viver outras “personas”,
é necessário conferir seu trabalho num Teatro. Nada,
absolutamente, contra quem apenas atua em cinema e televisão, entretanto, a
meu juízo, é no TEATRO que é possível alguém pôr em prática todo
o seu potencial artístico, uma vez que não conta com nenhuma “muleta”
tecnológica e “não pode errar”, sem que isso não seja percebido. No
TEATRO, a emoção é única, o momento é único. O TEATRO “suga”
as energias, físicas e emocionais, de quem representa.
Havia visto RODRIGO, nos palcos, apenas duas vezes, antes (Ele não atuou muito em peças teatrais.), em trabalhos que não me chamaram a atenção: em “Capitães da Areia” (e não “de Areia”, como muitos falam.) e “Alice e Gabriel”. Não tinha, portanto, conhecimento da extensão de seu talento, o qual, após a sessão de “PRAZER, HAMLET” me deixou totalmente impactado. RODRIGO SIMAS PROVOU QUE É DO RAMO. E COMO É!
Extremamente bem dirigido por CIRO BARCELOS, o ator
se desnuda em cena – inclusive literalmente -, em seu primeiro monólogo, seu
maior desafio, até hoje, nos palcos. O personagem é um ator que está prestes a
estrear seu primeiro monólogo, “Hamlet”. Sou muito fã da metalinguagem no
TEATRO. Geralmente, os resultados são muito bons, como aqui. A trama poderia ser a do próprio SIMAS, que,
pela primeira vez, também está sozinho num palco, enfrentando seus medos, dúvidas
e insegurança. "'PRAZER, HAMLET' explora os medos, os questionamentos e os fantasmas
internos desse ator, que se vê obsediado por uma voz interior (Hamlixo)".
Este
trabalho, certamente, é um divisor de águas na carreira do ator, que vivia em
busca de uma segurança, na carreira, precisava da aprovação do público e de
seus pares. Para isso, ele e o diretor trabalharam em confiança mútua. RODRIGO
trabalhou com liberdade, na criação do personagem e atinge uma interpretação
visceral, de superação. Em cena, seu trabalho vai se agigantando a olhos
vistos, saindo de dentro para fora. O risco de um fracasso existia, todavia o
talento e a garra de um grande jovem ator falaram mais alto.
Texto: Ciro Barcelos
Direção: Ciro Barcelos
Atuação: Rodrigo Simas
Cenário: Claudio Tovar e Ciro Barcelos
Figurino e Adereços: Claudio Tovar
Direção Musical: André Perine
Desenho de Luz: Caetano Vilela
Preparação Vocal: Glaucia Verena
Fotografia: Ronaldo Gutierrez
Assessoria de Imprensa: Dobbs Scarpa Assessoria de Comunicação
Produção e Realização: Foco3 Produções Artísticas
Temporada: De 04 de março a 02 de abril de 2023.
Local: Teatro Glaucio Gill.
Endereço: Praça Cardeal Arcoverde, s/nº - Copacabana – Rio de
Janeiro.
Telefone da bilheteria: (21) 2332-7904.
Dias e Horários: Sábados e domingos, às 20h.
Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada).
Vendas internet: https://funarj.eleventickets.com/
Duração: 75 minutos.
Classificação Etária: 16 anos.
Gênero: Drama.
Acho que, como eu, não há quem deixe o Teatro Glaucio Gill sem se sentir feliz e com vontade de rever o espetáculo, pelo conjunto da obra. Já agendei minha segunda vez. Seria necessário dizer que RECOMENDO O MONÓLOGO COM O MAIOR EMPENHO?!
"O resto é silêncio"!
Ciro Barcelos - o diretor.
ADORO ESSA PLAQUINHA!!!
(E eu, como sempre, na primeira fila.)
FOTOS: RONALDO GUTIERREZ
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
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POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
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