sexta-feira, 17 de março de 2023

 “MANOEL”

ou

(COISA BOA

É SER BOCÓ.)

ou

(POESIA PARA

TODAS AS IDADES.)



 

 

           Mais uma vez, experimentei a agradável sensação de assistir a um espetáculo infantojuvenil dirigido por DUDA MAIA. Desta vez, foi “MANOEL”, um texto de EDUARDO RIOS, livremente inspirado na obra do poeta Manoel de Barros, interpretado por DAYSE POZATO e LUAN VIEIRA, em cartaz no Teatro do Centro Cultural OI Futuro (VER SERVIÇO.).

 



 SINOPSE:

Em cena, DAYSE POZATO e LUAN VIEIRA são dois personagens – batizados de Bocós, em alusão a um termo que Manoel usa em alguns de seus poemas – que brincam de ser um monte de coisas, descobrem e inventam palavras; experimentam os sons das palavras, despertando novos sentidos; catam formigas e galhos secos pelo chão; gostam de ouvir o silêncio da chuva e brincar de pensar em nada.

Entre brincadeiras e reflexões típicas da infância, os dois percorrem temas presentes na obra do poeta, como a natureza, o nada, o escuro, o silêncio e as inutilidades. 

 



            A ideia de montar o espetáculo é de DAYSE POZATO, surgida quando a atriz e bailarina conheceu um poema de Manoel de Barros, chamado “O Menino que Carregava Água na Peneira”, no qual o garoto do título “fazia peraltagens com as palavras”, e sua mãe dizia que ele seria um poeta. “A peça é para toda a família, tendo como ponto de partida a obra do escritor mato-grossense”, como diz o “release” que me foi enviado por PAULA CATUNDA (Assessoria de Imprensa). No decorrer desta crítica, citarei alguns trechos do referido poema.

 



A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento 

sair correndo com ele, para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

 

 



 

  O vocábulo “bocó” apresenta vários sentidos, entretanto a maneira como aparece, na SINOPSE, para fazer referência aos dois personagens da peça, está na acepção de “tonto, bobo, tolo”, sem que, entretanto, haja uma conotação negativa; está mais para alguém ingênuo e sonhador. Os dois personagens agem como o menino do poema. Para isso, EDUARDO RIOS, com sua extremada sensibilidade e verve poética, escreveu um texto que extrapola qualquer sentido de beleza, lirismo e poesia. É muito mais do que tudo isso reunido: Uma “belirismosia” (Adoro neologismos.)



 

 


O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.






     Os “despropósitos” estão ligados à ideia de “coisas inusitadas”, que fogem ao que se considera “normal”. Do ponto de vista lógico, é claro ser impossível construir a estrutura de uma casa sobre gotas de orvalho, todavia há que se lançar um olhar de pureza, sobre os versos, de alguém que acredita em que tudo é possível, dentro das nossas “viagens”. O menino vivia num mundo idealizado, como os dois personagens da peça.




 

 

No escrever, o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo, ao mesmo tempo.

 




 

            Os dois bocós-personagens comportam-se, em tudo, como o menino do poema, assumindo a identidade que bem lhes convier, sem que nada possa turvar sua visão de mundo. Ambos podem ser o que bem entenderem.


 

 




O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

 


 

            EDUARDO RIOS é o menino do poema, transposto, em carne e osso, para diante de um computador e pôs-se a criar um lido texto em que, guardadas as devidíssimas proporções, faz as vezes de um “Guimarães Rosa para crianças”, no sentido de brincar com as palavras, atribuindo-lhes novos e curiosos sentidos, inventando outras e “subvertendo”, no melhor sentido, os meandros da gramática. Um artífice dos vocábulos.




 

 

Foi capaz de modificar a tarde, 

botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

 


 

         Uma coisa sinto-me na obrigação de dizer: todos os espetáculos de DUDA MAIA direcionados às crianças atingem muito mais os adultos, visto que, sem querer menoscabar aquelas, cada vez mais espertas e inteligentes, se comparadas às da minha época, por exemplo, não acredito que um grande universo infantil consiga alcançar a grandeza e a seriedade contidas nas mensagens poéticas de “A Gaiola”, “Contos Partidos de Amor”, “Vamos Comprar um Poeta” e, agora, “MANOEL”, o que, absolutamente, em nada, faz desmerecer esses textos. É, apenas, a meu juízo, uma inadequação, em termos de entendimento, com relação à faixa etária à qual as peças são indicadas. Posso estar enganado, e gostaria de que estivesse. Isso, absolutamente, invalida o espetáculo; muito pelo contrário, atribui a ele um grau de seriedade e qualidade incomensuráveis, mas num patamar bem acima do alcance da média das crianças. Falo como professor que atuou em sala de aula, durante 47 anos, atendendo a adultos, universitários, mas também a crianças do segundo segmento do Primeiro Grau.

 


 

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

 


 

             Não sei se a senhora genitora de EDUARDO RIOS também profetizou que o filho seria, ou nascera, poeta, mas, se não o fez, de certo, reconheceria isso agora, como eu e todos os que travam contato com seus escritos. E quem o conhece passa a amá-lo, também, por seus “despropósitos” literários.



        DUDA MAIA prende-se a um estilo de direção bastante interessante e inconfundível - sua digital -, repetindo-se, sem que haja nisso algum demérito, na criação de marcações coreográficas que deságuam numa excelente direção de movimento. Ela costuma pautar seu trabalho de direção nos movimentos do corpo, nas possibilidades de fala do corpo humano (O corpo fala.), a fim de que, daí, possa partir para outras explorações. E o resultado disso é o melhor possível. Um trabalho voltado para o lúdico, o dinâmico, o ativo, o agitado, o inquieto, o móvel, o enérgico, o movediço, o irrequieto, o mexediço.


Duda Maia, a diretora.


                Assim se coloca a diretora sobre seu trabalho: Os Bocós conduzem o espetáculo do começo ao fim, vão brincando de várias coisas. Pesquisamos muito, para construir uma fisicalidade que trouxesse uma experiência sensorial pela plasticidade, movimentação e musicalidade...”. Sim, isso está, lindamente, colocado em cena. E EDUARDO RIOS completa: “A gente começa pelo corpo e, depois, vai para o texto. É um método de trabalho que eu e DUDA temos. Às vezes, ela faz uma coreografia e me pede um diálogo para aquele movimento. O roteiro do espetáculo é todo pensado em conjunto...”. Acredito que esses detalhes sejam bem do interesse de quem está me dando a honra de sua leitura e poderá ser um futuro espectador da peça.



           A beleza e perfeição do texto e da direção estão em consonância com todos os elementos de criação da peça e o trabalho do casal de atores. “MANOEL” é um espetáculo que encanta aos ouvidos e aos olhos, pega o espectador sensível por todos os lados. Tudo o que se refere à estrutura estética desta montagem é merecedor de créditos positivos, a começar pela ideia de fixar o azul como sendo “a cor da peça”, presente no cenário, nos figurinos, nos adereços e na iluminação.



      ANDERSO DIAS responde pela simples, porém muito interessante e significativa, cenografia, que só ocupa o fundo do palco, uma excelente ideia, por conta das pequenas dimensões do espaço cênico do Teatro do Centro Cultural OI Futuro. Assim, a dupla de atores fica à vontade para a sua atuação numa acanhada área, muito bem explorada pela direção. Tudo na cor azul. São paredes sinuosas, confeccionadas em tiras elásticas, colocadas uma ao lado da outra, detalhe que serve à inventividade de DUDA MAIA.



         KAREN BRUSTTOLIN, uma das melhores figurinistas da atualidade, que vem sendo muito requisitada pelos melhores diretores e produtores brasileiros, assinando os figurinos de vários trabalhos em cartaz, no momento, criou dois super criativos e prazenteiros trajes utilizados pela dupla de atores.



            Uma atmosfera onírica, suave e envolvente é obtida, no palco, por meio da linda iluminação, criada, a quatro mãos, por RENATO MACHADO e FELIPE MEDEIROS.



        Funcionando como uma espécie de "terceiro personagem", “dialogando”, o tempo todo, com DAYSE e LUAN, a trilha sonora original, composta por BETO LEMOS, é uma atração à parte, no espetáculo. Não consigo enxergar a peça sem ela. Todas as canções utilizados pelo compositor, e músico em todas as gravações, valorizam ritmos brasileiros, principalmente os nordestinos, sua origem.


         


FICHA TÉCNICA:

Texto: Eduardo Rios

Direção: Duda Maia

Assistência de Direção: Luiza Loroza e Carolina Futuro

 

Elenco: Dayse Pozato e Luan Vieira

 

Cenografia: Anderson Dias

Figurinos: Karen Brusttolin

Iluminação: Renato Machado e Felipe Medeiros

Trilha Sonora Original: Beto Lemos

Fotografias: Renato Mangolin

Assessoria de Imprensa: Paula Catunda

Direção de Produção: Bruno Mariozz

Produção: Palavra Z Produções Culturais

 

 



SERVIÇO:

Temporada: De 04 de março a 07 de maio de 2023.

Local: Centro Cultural Oi Futuro.

Endereço: Rua Dois de Dezembro, nº 63 – Flamengo – Rio de Janeiro.

Telefone: (21)3131-3060.

Dias e Horários: Sábados e domingos, às 16h.

Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada).

Vendas pela plataforma Sympla: www.sympla.com.br

O Centro Cultural Oi Futuro é acessível a pessoas com necessidades especiais.

Duração: 50 minutos.

Capacidade: 63 lugares.

Classificação Indicativa: Livre. 

Gênero: Teatro Infantojuvenil. 

 

 


         “MANOEL” é um convite ao sonho, à poesia. É a representação concreta do “inatingível”, diante dos nossos olhos. É um mergulho abissal nas profundezas do lúdico e de todas as possibilidades, inextinguíveis, que ele pode nos proporcionar. E é por isso que recomendo o espetáculo, o qual, certamente, estará nas premiações referentes ao ano teatral de 2023. “MANOEL” terá uma vida longa e merece muitas outras temporadas, no Rio de Janeiro e fora da cidade.

 

 



FOTOS: RENATO MANGOLIN




GALERIA PARTICULAR:



Com Duda Maia.



Com Dayse Pozato.



Com Luan Vieira.






 

 

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