“NEVA”
ou
(O VIRTUOSISMO DE UMA COMPANHIA DE TEATRO
QUE SE SUPERA,
A CADA NOVO ESPETÁCULO.)
ou
(A METALINGUAGEM, NO TEATRO, MUITO ME AGRADA.)
Para comemorar o seu 35º aniversário
de fundação, a ARMAZÉM COMPANHIA DE TEATRO escolheu um excelente
texto, de um dramaturgo chileno, chamado GUILLERMO CALDERÓN.
Trata-se de “NEVA”, considerada sua OBRA-PRIMA. Confesso que não
conhecia a produção dramatúrgica de CALDERÓN, e, por conta disso,
tão forte sua obra me tocou, parti para uma pesquisa sobre ele.
GUILLERMO CALDERÓN Labra, nascido em Santiago do Chile, além de dramaturgo premiado, é ator, roteirista e diretor teatral. Estudou interpretação na “Escola de Teatro da Universidade do Chile e completou estudos de pós-graduação no "Actor's Studio", em Nova York, na “Dell'Arte School of Physical Theatre”, na Califórnia, e um mestrado em Teoria do Cinema, pela "City Univeresity" de Nova York”. Atualmente, é professor de interpretação, na "Escola de TEATRO da Universidade Católica do Chile". Um currículo “de peso”, para um homem de 51 anos. O viés em que ele mais atua, na produção de textos para o palco, é o TEATRO político, como é o caso da peça em tela, a primeira de várias, escrita em 2005 e encenada, pela primeira vez, em 2006. Interessei-me, e o farei, em breve, por ler os textos de “Clase”, “Dezembro”, “Vila + Discurso”, “Drink”, “Escuela”, “Metaluna”, “Feio” e “Dragão”. A ser confirmada, nessas peças, a mesma qualidade, ou próxima a ela, de “NEVA”, ficará fácil concordar com os que veem, em CALDERÓN, um dos mais representativos dramaturgos latino-americanos.
Guillermo Calderón.
(Foto: autoria desconhecida.)
SINOPSE:
“NEVA” se passa em São
Petersburgo, então capital do Império Russo, em um
dia de 1905.
Não um dia qualquer, mas em 9
de janeiro de 1905, que ficou conhecido como “Domingo Sangrento”,
quando manifestantes que marchavam para entregar uma petição ao Czar,
pedindo-lhe melhores condições de trabalho nas fábricas, foram fuzilados pela Guarda
Imperial.
A ação se passa dentro de um Teatro,
onde um ator e duas atrizes, que iriam se encontrar, para ensaiar “O
Jardim das Cerejeiras”, do consagrado dramaturgo russo Anton
Tcheckhov, acabam, meio sem querer, se abrigando do massacre que
acontece nas ruas e que será o estopim da revolução que acontecerá,
posteriormente, no país, em 1917.
Uma das atrizes, trancada no Teatro,
é a alemã Olga Knipper (PATRÍCIA SELONK), primeira atriz
do famoso “Teatro de Arte de Moscou” e que foi casada com Tchekhov.
Sentindo-se incapaz de representar,
depois da morte do marido, por tuberculose, acontecida havia seis meses, e na
tentativa de seguir vivendo, enquanto, lá fora, a cidade desabava, Olga
instiga Masha (ISABEL PACHECO) e Aleko (FELIPE
BUSTAMANTE) a uma encenação, repetidamente, junto com ela, da morte de Tchekhov.
A partir desse desassossego, entre
incertezas artísticas e embates políticos, a pergunta que mais se impõe é “Para
que serve o teatro?”.
A discussão proposta pelos personagens
oscila entre a afirmação da absoluta necessidade da arte (“Temos
que fazer TEATRO. Temos que fazer uma peça que nos cure a alma.”) e da
sua total irrelevância (“Pra que perder tempo, fazendo isso? O TEATRO
é uma merda. Querem fazer algo que seja de verdade? Saiam às ruas!”).
Foto: Gilberto Bartholo.
Ainda que a ação da peça
se dê há quase 118 anos, sua SINOPSE nos leva a tirar
algumas conclusões que têm a ver com uma época mais próxima a nós, chegando,
até mesmo, aos dias atuais. E podemos, ainda, encontrar, no decorrer da trama,
elementos capazes de nos levar a analogias com o mundo de hoje e dados
simbólicos. CALDERÓN faz uso de um humor feroz, para escreve
sobre uma Rússia conflagrada, politicamente, no início do século
XX, mas, também, reflete sobre o seu Chile da década
de 1970, após o golpe militar de 1973, que
derrubou o regime democrático constitucional, encabeçado pelo general
Augusto Pinochet, um traidor golpista, e que levou
à morte o presidente eleito Salvador Allende. Há quem diga
que Allende praticou suicídio, mas o que tudo indica é que foi,
sumariamente, executado, por tentar resistir ao golpe. Além disso, podemos
fazer uma leitura da obra que nos traga ao Brasil desses
últimos quatro anos, obscuros, tempos onde “tudo o que tem água
está congelado, inclusive os homens”.
Foto: Gilberto Bartholo.
Os três personagens,
que protagonizam o espetáculo, são atores à espera do
resto do elenco, que não chega, sem que se saiba se não o fizeram por
dificuldade de chegar até o Teatro, local de ensaio, ou se já
haviam sido, também, mortos pela repressão. Um elenco que jamais se
completará. De um rol numeroso de artistas, que “O Jardim
das Cerejeiras” exige (17 personagens), restaram, apenas,
três, que podem simbolizar a resistência, assim como o prédio físico
de um Teatro tem a sua interpretação ampliada, metaforicamente, para
aquela frase, tão repetida e, na minha visão, extremamente verdadeira, de que “O
TEATRO SALVA”. A proposta de Olga, aparentemente, uma
ideia estapafúrdia e desprovida do menor senso de “lucidez”,
levada de forma tão obsessiva, pode ser encarada como a alma do artista
- ou a sua “alienação” -, que sonha sem limites e supera tudo,
por seu amor e dedicação à ARTE. "Dizem que sou louco por pensar assim
/ Se eu sou
muito louco por eu ser feliz / Mas louco é quem me diz / E não é feliz,
não é feliz" (Arnaldo Baptista e Rita Lee). GUILLERMO
CALDERÓN, no fundo, tem por objetivo, com este texto, levar o público
a refletir sobre a importância, ou não, do TEATRO, da necessidade,
ou não, dele, na vida e na formação de um ser humano. A bem da verdade, “NEVA”
propõe, aos espectadores, um desfio sobre tal importância ou necessidade,
a questão que mais prende a plateia ao palco.
Num depoimento, parte do “release” da peça, que recebi de NEY MOTTA
(Contemporânea Comunicação – Assessoria de Imprensa), o diretor
desta montagem, PAULO DE MORAES, se diz “encantado”
com a proposta de “NEVA”, pelo fato de o autor nos
apresentar um TEATRO eminentemente político, “mas que se propõe
a mergulhar em uma linguagem poética cortante e num humor extremamente ácido”,
algo como “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura” (Ernesto Che
Guevara). Creio que, da mesma forma, essa combinação também é o motivo
de um “encantamento” que me atingiu, tornado muito mais “robusto”
com o acréscimo, ao texto, de todos os elementos que devem entrar numa boa
encenação teatral.
A tradução do texto
original foi feita por CELSO CURI e, embora eu não o conheça, no idioma em que foi escrito, percebi que deve ter havido, por parte do tradutor, muito
cuidado em manter características do estilo do dramaturgo. Há certas
particularidades de sintaxe e o uso de um vocabulário, o qual, ao mesmo tempo
que guarda um ar aristocrático, recebe lufadas de um leve frescor, que a língua
portuguesa proporciona. As ações sucedem-se de modo a prender a atenção da
plateia, ávida por saber a que destino levará aquele triálogo.
Tenho PAULO DE MOARES
na conta de um dos nossos melhores encenadores, mérito atingido em todas
as montagens da AMNAZÉM COMPANHIA DE TEATRO a que assisti. E foram
muitas, iniciando-se não sei bem quando nem com qual espetáculo,
passando pelos que mais me marcaram: “Alice Através do Espelho”, “Casca
de Noz”, “Toda Nudez Será Castigada”, “Mãe Coragem E
Seus Filhos”, “Inveja dos Anjos”, “A Marca da Água”,
“O Dia Em Que Sam Morreu”, “Inútil A Chuva”, “Hamlet”
e “Angels In America”. Criativo, aberto a novas experiências e
sem medo das novas tecnologias, que podem, e devem, ser incorporadas à linguagem
teatral, PAULO nos brinda com uma direção bastante “solta”
e “inovadora”, fazendo uso de muitos microfones, de tipos e
tamanhos variados, espalhados pelo espaço cênico, como se a determinar
as marcações a que o trio de atores precisa obedecer. Não há uma frase
desse texto que não mereça ser valorizada. Aqui, ao lado do virtuosismo
de cada um dos três artistas, entra o dedo de PAULO DE MORAES,
apontando a melhor forma de atingir o que pretende passar, com sua assinatura
para a obra do dramaturgo. Prepare-se para embarcar na excelente
estética adotada pela direção. O contemporâneo também se faz
presente nas notas da guitarra, executada pelo ator FELIPE BUSTAMANTE,
sendo, aqui, o instrumento musical, quase um “actante”, em
cena, “contracenando” e “dando o seu texto”,
sem dúvida, uma brilhante ideia de PAULO DE MORAES.
Paulo de Moraes.
(Foto: autoria desconhecida.)
Em quase todas as suas encenações,
PAULO também chama a si a responsabilidade de preencher o espaço da
representação com suas cenografias, cada uma mais arrojada e
interessante que as outras. Lembro-me, perfeitamente bem, dos detalhes de todas,
verdadeiras instalações plásticas, algumas. Em “NEVA”, optou por
um cenário minimalista e que atraísse o público ao “palco”,
o que consegue fazer com a utilização dos já citados microfones, além de uma
cadeira, uma poltrona e uma bela maquete, réplica do “Teatro de Arte de
Moscou”, além de alguns tapetes clássicos. Importante é dizer que
nenhum dos elementos de cena marca uma determinada época, sendo, então,
considerado, o cenário, como algo atemporal.
Maquete do "Teatro de Arte de Moscou"
(Foto: Gilberto Bartholo.)
Acostumada a assinar os figurinos
da COMPANHIA, CAROL LOBATO também se desprendeu da “obrigatoriedade”
de criar peças clássicas, próprias do início do século XX, e
partiu para uma proposta de escolher um guarda-roupa descontraído, sem o menor
rebuscamento, trajes do dia a dia hodierno; “roupa de ensaio”.
Um dos mestres da área de iluminação,
MANECO QUINDERÉ também optou por uma luz bem comedida, totalmente a
serviço de cada cena.
Uma das marcas das encenações da ARMAZÉM COMPANHIA DE TEATRO, mormente nos últimos anos, é a presença de uma trilha sonora “ousada”, ora executada ao vivo, ora por meio de gravações, levando a assinatura de RICCO VIANA, sempre explorando o som metálico das guitarras, instrumento que domina, entre outros ruídos mais “leves”. Essa mistura é muito “saborosa” e sempre combina bem com as ideias da direção. Não seria diferente agora.
PATRÍCIA SELONK e ANA LIMA
cuidaram da preparação corporal do trio em cena, atingindo um excelente
resultado.
Há um perfeito entrosamento entre os três
atores. PATRÍCIA SELONK, que considero uma das melhores atrizes
de TEATRO de sua geração, imprime, à sua Olga, um tom
melancólico, em função da perda do amor de sua vida, a quem ela, diante de uma também
possível proximidade com a morte, deseja homenagear, de forma bastante
obsessiva, como já disse, mas merece ser realçado, e, por vezes, agindo, a personagem,
como uma válvula de escape, no texto, para aquela situação quase limite,
por meio de pequenas falas inseminadas por uma certa dose de humor cáustico
e deboche. A ISABEL PACHECO, também em excelente momento de sua
carreira, cabe, na pele de Masha, fazer uma espécie de
contraponto às ações e à proposta de Olga, muito mais por se reconhecer
humilhada, diante do talento desta. Masha é quem
dispara sua “metralhadora política”, questionando o porquê de o TEATRO
ter que existir, principalmente naquele momento em que a vida de todos está por um fio, em iminente
perigo. Para completar o magnífico elenco, FELIPE BUSTAMANTE
interpreta Aleko, a meu juízo, um típico personagem
tchekhoviano, um idealista, como tantos outros encontrados na
extensa bagagem do dramaturgo russo.
Patrícia Selonk.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Guillermo Calderón
Tradução: Celso Curi
Direção: Paulo de Moraes
Elenco: PATRÍCIA SELONK (Olga
Knipper), ISABEL PACHECO (Masha) e FELIPE BUSTAMANTE (Aleko)
Interlocução Artística: Jopa Moraes
Instalação Cênica: Paulo de Moraes
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Carol Lobato
Música: Ricco Viana
Maquete “Teatro de Arte de Moscou”:
Carla Berri
Mecânica da Maquete: Marco Souza
“Design” Gráfico e Vídeos:
Jopa Moraes
Fotografias: Mauro Kury
Preparação Corporal: Patrícia Selonk e
Ana Lima
Técnico de Montagem: Djavan Costa
Assistente de Produção: William Souza
Produção: Armazém Companhia de Teatro
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
(Contemporânea Comunicação)
Isabel Pacheco.
SERVIÇO:
Temporada: De
11 de novembro a 18 de dezembro de 2022.
Local:
Fundição Progresso – Espaço Armazém.
Endereço: Rua
dos Arcos, nº 24 – Lapa - Rio de Janeiro.
Dias e
Horários: Sextas-feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h.
(Não haverá apresentações nas semanas de
2 a 4 de dezembro e de 9 a 11 de dezembro.)
Valor dos Ingressos:
R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada). Estudantes, idosos, menores de 21
anos, pessoas com deficiência, professores, profissionais da rede pública municipal
de ensino e classe artística, apresentando identificação.
Venda na
bilheteria do Espaço Armazém (uma hora antes das apresentações) ou pelo site www.sympla.com.br/armazemciadeteatro
Capacidade de Público:
107 lugares.
Classificação
Etária: 14 anos.
Duração: 80
minutos.
Gênero: Drama
Felipe Bustamante.
Se o espetáculo não tivesse tantos méritos, a ponto de merecer a minha modesta recomendação,
já teria valido a pena a minha ida à Fundição Progresso (Espaço Armazém),
pelo fato de a montagem ter sido levantada “sem nenhum
patrocínio, mas com a colaboração fundamental de mais de 80 pessoas, que
participaram da campanha “COLABORE COM O NOVO ESPETÁCULO DA ARMAZÉM”, divulgado
nas redes sociais da CIA.”, e a solidariedade de tantos importantes artistas
de criação do nosso TEATRO, que trabalharam sem remuneração, em
respeito e consideração à ARMAZÉM COMPANHIA DE TEATRO, por sua linda
trajetória e importância para o TEATRO BRASILEIRO, com muitas
premiações, em território nacional, e algumas, no exterior, em Festivais de
TEATRO.
Numa entrevista a Álvaro Machado, à qual tive acesso, durante a minha pesquisa sobre o autor, disse este: “O problema ético do TEATRO POLÍTICO é que ele se encerra entre as quatro paredes de um Teatro. Para mim, o principal propósito do TEATRO POLÍTICO não é convencer o público sobre determinada tese, mas juntar as pessoas, num lugar, para discutir, criar um espaço de discussão coletiva, nem que seja por uma hora.”. Tenha a certeza, senhor CALDERÓN, de que, com "NEVA", seu objetivo é altamente alcançado.
Para finalizar, com um
antecipado pedido de desculpas à querida PATRÍCIA SELONK, permito-me uma
inconfidência, que me deixou profundamente emocionado. A sessão, no dia em que
assisti à peça, começaria às 20 horas, mas eu, que já vinha
de outro espetáculo, no final de tarde/início de noite, há uma semana,
cheguei à porta do “Espaço Armazém”, um pouco depois das 18
horas e testemunhei a grande atriz empunhar uma vassoura e
varrer o chão, na parte de fora do “Espaço”. Isso prova a grandeza
de uma magnífica artista, a sua humildade, e por que a ARMAZÉM COMPANHIA DE
TEATRO conseguiu atravessar 35 anos de muitos sacrifícios e
dificuldades, mantendo-se, sempre, no topo das grandes companhias do TEATRO
BRASILEIRO. #prontofalei!
Anton Tcheckhov
(Foto: autoria desconhecida.)
FOTOS: MAURO KURY
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
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A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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