“DO OUTRO LADO DO MAR”
ou
(A POESIA E O LADO BELO DA VIDA REPRESENTADOS PELO “NADA”.)
Quando assisto a um bom
espetáculo teatral e acho que ele merece uma boa crítica, por
suas qualidades, encontradas no conjunto da obra, fico tomado da
preocupação em saber se terei, ou não, condições (Leia-se: tempo.), para
escrever sobre ele. Assim aconteceu com “DO OUTRO LADO DO MAR”, em
cartaz, para uma curta temporada, no Teatro Poeirinha (VER SERVIÇO.).
Foi assim que deixei o Teatro, naquela noite de domingo, 9 de
outubro de 2022. Ainda que bastante assoberbado, com muitas críticas a
serem escritas, acumuladas, uma vez que, para a nossa imensa alegria, o TEATRO
está voltando aos dias pré-pandêmicos, com muita força, não medi esforços para
escrever sobre essa peça. Quem faz parte do universo teatral,
depois de tanto tempo impossibilitados de trabalhar, para conseguir o seu “ganha-pão”,
por conta de uma terrível pandemia – e, aqui, incluo todos, independentemente
do que fazem, para erguer uma montagem – “voltou à ativa”
com muita garra, “sangue nos olhos”, e, o que é melhor, com excelentes
produções, que nos deixam “perdidos”, querendo ver tudo e não
tendo tempo para tal.
Recebi o convite, juntamente com o seu “release”,
de BRUNO MORAIS (Marrom Glacê - Assessoria & Assessoramento),
para assistir a um espetáculo, com um casal de atores, que eu não conhecia, vindos de Salvador,
Bahia, para nos tocar o coração, trazendo uma linda produção,
dirigida por MARCIO MEIRELLES. Um texto premiado, de JORGELINA
CERRITOS, dramaturga salvadorenha, além de poeta e atriz,
contemporânea, prestes a completar 48 anos, até então, nunca encenada
em solo brasileiro, que tem por objetivo provocar uma reflexão sobre o
trabalho, a solidão e a identidade. A
peça já foi montada, com sucesso, em Cuba, Guatemala,
Costa Rica e Estados Unidos.
SINOPSE:
A trama se desenvolve em uma praia deserta, onde foi instalado um balcão
de atendimento de um cartório municipal.
Ali, uma funcionária pública, dedicada e prestes a se aposentar, espera,
sozinha, alguém que apareça, precisando do seu trabalho.
De um barco, chega um homem jovem, sem nome ou sobrenome, que não sabe
onde nasceu, em busca da emissão de um documento que comprove a sua existência.
Assim, surge uma história carregada de poesia, que, com aparente simplicidade,
provoca uma profunda reflexão sobre o trabalho, a solidão e a identidade.
Ainda
que, no Brasil, a atividade teatral esteja concentrada,
com mais representatividade, no eixo Rio de Janeiro - São Paulo, tenho bem
claro, na minha mente - e faço questão de repetir sempre -, que existem excelentes
companhias de TEATRO e grandes artistas, produzindo espetáculos de
altíssima qualidade, pelo Basil afora. Embora conhecidos e
respeitados em seus locais de origem, precisam chegar àquelas duas capitais,
para serem reconhecidos por um público maior e merecer destaque na grande
mídia. Perdi a conta de quantas vezes já vi isso acontecer, e é sempre motivo
de grande alegria conhecer gente tão talentosa, como os que fazem parte da FICHA
TÉCNICA de “DO OUTRO LADO DO MAR”.
Confesso,
com a maior sinceridade, que sempre que vou assistir a um espetáculo que
aportou no Rio de Janeiro, vindo de outros estados, faço-o com a
maior boa vontade e interesse, sabendo que poderei ser surpreendido com uma
ótima surpresa, o que acontece na grande maioria das vezes, porém não me
desgrudo de um certo grau de ceticismo, o que, até, considero natural. É,
creio eu, fruto da “desconfiança” e o “medo” que o “novo”
sempre nos causa. Mas isso é muito bom, porque, se o resultado for negativo, o
tombo não é tão grande; por outro lado, quando o fator surpresa, positiva, se
nos apresenta, parece que o prazer, que sempre toma conta de mim, quando
assisto a encenações que me agradam muito, ganha uma potência maior.
“DO
OUTRO LADO DO MAR” tem como cerne um conflito de grandes e graves
proporções, qual seja o um jovem personagem que, por não ter uma
certidão de nascimento, “oficialmente não existe”, situação
que nos parece, em princípio, meio surrealista, porém é uma triste
realidade vivida por cerca de três milhões de brasileiros,
os quais, sem um registro civil, vivem à margem de uma sociedade
organizada, já que isso os impede de ter
acesso aos direitos mais básicos, como, por exemplo, o atendimento nos sistemas
de saúde e educação.
Nunca é demais
lembrar que uma certidão de nascimento ou uma carteira de identidade são
apenas símbolos de algo muito mais profundo, que é o conceito de existir,
de se ter uma identidade, uma individualidade, única e intransferível.
Há uma simbologia incomensurável nessa “ausência documental”,
visto que representa o absentismo de uma personalidade, uma sensação de “não-pertencimento”.
Um ser humano que se mistura ao pó, aquele que “não veio do pó e, consequentemente,
a ele não chegará”. O que vai morrer “sem ter nascido”.
Um “ninguém na multidão”.
Fiquei encantado com o texto, por sua beleza e poesia, e pela força que ele tem, para conduzir o espectador a refletir sobre a posição que alguém ocupa, numa sociedade humana, a qual impõe as suas exigências, para que possamos ser aceitos nela, e por ela. Para existir, não basta, apenas, ter nascido, como fruto, naturalmente, de uma relação de amor, mas somos obrigados a aceitar as regras do “sistema”, sem o que é impossível viver; mais que isso: sobreviver. Esse é o grande drama do “rapaz invisível”, o grande protagonista desta história, o qual se arma de todas as suas forças, que já não são muitas, par se “fazer presente”, diante de uma mulher, a única que poderia fazê-lo “existir”, que não passa, no “olho” desse conflito, a ser sua antagonista, já que vive a explicar-lhe que não pode fazer ninguém “nascer”, quando esse alguém, ou melhor, “ninguém” nada sabe de seu passado: quem são seus pais, qual o seu nome, onde e quando nasceu...
Quem, como um crítico teatral, assiste a uma peça com um olhar diferente do grande público, atendo-se a detalhes e se deixando, muitas vezes, “viajar”, com ilações, aparentemente, desmedidas – o que, até, pode ser verdade – faz uma leitura revestida de um “plus”, graças a um detalhe afeto à personagem da funcionária de um cartório, montado, de forma inusitada e improvisada, sobre as areias de uma praia deserta: uma mulher “prestes a se aposentar”. Talvez essa condição em destaque faça dela alguém que, também, “pouco exista”, uma espécie de “objeto que já não tem mais serventia e está próximo ao seu descarte”. Será?! Mas ela ainda é a Doroteia, enquanto ele foi, é e continuará sendo o Pescador. Será? Quem sabe, no fundo, os dois não se equivalham na “existência” e a “irredutível” Doroteia não possa pôr em prática um pouco de empatia?! Melhor é voltar para a “terra firme”.
Interessante,
também, é notar quão significativo e simbólico é o título
da peça: “DO OUTRO LADO DO MAR”. Existe um “outro lado”
nisso; um lado oculto, desconhecido e visto de modos diferentes
por cada um dos personagens. Para Doroteia, trata-e do
“desconhecido”, do “nebuloso”; para o Pescador,
que só queria “ser alguém” e estar, de volta, ao seu CACHORRO de
estimação, representa a “espernaça”. Tudo isso está contido no tom
de universalidade que o texto carrega.
Gostei
bastante da proposta de direção de MARCIO MEIRELLES, ao fazer uso de linguagens diferentes no espaço cênico:
a mistura de representação presencial com imagens, lindas, por
sinal, do mar, projetadas ao fundo do cenário, também criado por ele,
uma bela obra cenográfica. MARCIO é criador e diretor
do “Espaço Cultural A Fábrica” (1982) e diretor de um dos
maiores centros culturais do Brasil - o “Teatro
Castro Alves” (1987-1991). Em 1990, criou, juntamente com Chica
Carelli, o “Bando do Teatro Olodum”. Revitalizou o “Teatro
Vila Velha” e assumiu a sua direção artística, em 1994.
Entre seus trabalhos, no Teatro, para mim, o grande destaque vai
para o icônico espetáculo “Ó Pai Ó!”, com o “Bando
de Teatro Olodum”, depois transposto para as telas. Foi Secretário
de Cultura do Estado da Bahia (2007-2010) e, em junho de 2011,
assumiu, novamente, a direção do “Teatro Vila Velha”, onde
criou, em 2013, a “Universidade Livre de Teatro Vila Velha”.
Em 2019, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”, pela Universidade
Federal da Bahia. Dirigiu mais de 100 espetáculos, entre
realizações no Brasil, na Europa e na África.
Em 2022, marca os seus 50 anos de TEATRO, com realizações artísticas em Salvador, São Paulo
e Rio de Janeiro. Além de dirigir a encenação desta
peça e criar a bela e significativa cenografia do espetáculo,
couberam-lhe, ainda, a criação dos acertados figurinos e do desenho de luz,
para o que contou, nesta ocupação, com a colaboração de MARCOS DEDE,
trabalho que agrega beleza à plasticidade da montagem. Merece,
portanto, todo o nosso respeito e admiração.
Foto: Gilberto Bartholo.
Foto: Gilberto Bartholo.
A trilha
sonora original, tanto a que é reproduzida, por gravação, quanto a que é
executada ao vivo “veste” a encenação com a “roupa
de festa” que ela pede. Excelente trabalho, de CAIO TERRA
e RAMON GONÇALVES, este o responsável por estar presente, em cena,
executando a parte musical ao vivo.
Aplaudo, efusivamente, as atuações de EDU COUTINHO e ANDRÉA ELIA, ambos com um ótimo rendimento, em seu trabalho de interpretação. O público se identifica com o sofrimento do rapaz, a sua angústia, e com a lógica da funcionária. Entende a posição desta, mas torce para que seja posto um bom termo ao drama do Pescador. Ambos são extremamente convincentes nos personagens que encarnam.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Jorgelina Cerritos
Tradução: Edu
Coutinho, com a colaboração de Marcio Meirelles
Revisão da
Tradução: Rita Rocha
Direção:
Marcio Meirelles
Assistência de
Direção: Caio Terra e Clara Trocoli
Elenco: Andréa
Elia e Edu Coutinho
Cenografia:
Marcio Meirelles
Figurino:
Marcio Meirelles
Desenho de Luz:
Marcio Meirelles
Colaboração no
Desenho de Luz: Marcos Dede
Música: Caio
Terra e Ramon Gonçalves
Tema da Sereia:
Tato Taborda
Trilha Sonora (ao
vivo): Ramon Gonçalves
Produção Audiovisual:
Rafael Grilo
Operação de Vídeo: Rafael Grilo e Patrícia Oliveira
Operação de Luz: Bruno Aragão
Arte Gráfica:
Ramon Gonçalves
Direção de Produção: Edu Coutinho
Coordenação de
Produção: Patrícia Oliveira
Assistência de Produção: Jorge Alves
Produção
Executiva: Lucas Nogueira
Fotos: Ananda
Ikishima
Assessoria de
Imprensa: Marrom Glacê - Assessoria & Gerenciamento
Apoio: La Belle, Nova Dupla, Vegan Vegan, La Villa Restaurante e Bar, La
Fiorentina, Alfa Bar, Boteco Belmonte, Frontera, Açaí Da Lili, Ximeninho, Cantina
Donanna, Casa Do Sardo e Barthodomeu
Realização:
Toró Teatro, Companhia Teatro Dos Novos e Teatro Vila Velha
SERVIÇO:
Temporada: De
06 a 30 de outubro de 2022.
Local: Teatro
Poeirinha.
Endereço: Rua
São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro – RJ.
Informações: (21)
2537-8053.
Dias e
Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Valor dos
Ingressos: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada).
Link para
compra de ingressos: www.teatropoeira.com.br
Classificação
Indicativa: 12 anos.
Duração: 60
minutos.
Gênero: Drama.
Foto: Gilberto Bartholo.
Fiquei, profundamente,
satisfeito com o resultado final desta montagem e, também, ao ver mais um Teatro com a LOTAÇÃO ESGOTADA, no Rio de Janeiro, tendo sido necessário acrescentar uma
fileira de cadeiras, à frente da primeira fila. Foi de uma delas que assisti à peça,
a qual RECOMENDO, nas duas semanas que faltam para o encerramento da curta, e já
vitoriosa, temporada.
Foto: Gilberto Bartholo.
FOTOS: ANANDA IKISHIMA
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
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