segunda-feira, 17 de outubro de 2022

 

“DO OUTRO LADO DO MAR”

ou

(A POESIA E O LADO BELO DA VIDA REPRESENTADOS PELO “NADA”.)







     Quando assisto a um bom espetáculo teatral e acho que ele merece uma boa crítica, por suas qualidades, encontradas no conjunto da obra, fico tomado da preocupação em saber se terei, ou não, condições (Leia-se: tempo.), para escrever sobre ele. Assim aconteceu com “DO OUTRO LADO DO MAR”, em cartaz, para uma curta temporada, no Teatro Poeirinha (VER SERVIÇO.). Foi assim que deixei o Teatro, naquela noite de domingo, 9 de outubro de 2022. Ainda que bastante assoberbado, com muitas críticas a serem escritas, acumuladas, uma vez que, para a nossa imensa alegria, o TEATRO está voltando aos dias pré-pandêmicos, com muita força, não medi esforços para escrever sobre essa peça. Quem faz parte do universo teatral, depois de tanto tempo impossibilitados de trabalhar, para conseguir o seu “ganha-pão”, por conta de uma terrível pandemia – e, aqui, incluo todos, independentemente do que fazem, para erguer uma montagem“voltou à ativa” com muita garra, “sangue nos olhos”, e, o que é melhor, com excelentes produções, que nos deixam “perdidos”, querendo ver tudo e não tendo tempo para tal.





    Recebi o convite, juntamente com o seu “release”, de BRUNO MORAIS (Marrom Glacê - Assessoria & Assessoramento), para assistir a um espetáculo, com um casal de atores, que eu não conhecia, vindos de Salvador, Bahia, para nos tocar o coração, trazendo uma linda produção, dirigida por MARCIO MEIRELLES. Um texto premiado, de JORGELINA CERRITOS, dramaturga salvadorenha, além de poeta e atriz, contemporânea, prestes a completar 48 anos, até então, nunca encenada em solo brasileiro, que tem por objetivo provocar uma reflexão sobre o trabalho, a solidão e a identidade. A peça já foi montada, com sucesso, em Cuba, Guatemala, Costa Rica e Estados Unidos.



 

 

SINOPSE:

A trama se desenvolve em uma praia deserta, onde foi instalado um balcão de atendimento de um cartório municipal.

Ali, uma funcionária pública, dedicada e prestes a se aposentar, espera, sozinha, alguém que apareça, precisando do seu trabalho.

De um barco, chega um homem jovem, sem nome ou sobrenome, que não sabe onde nasceu, em busca da emissão de um documento que comprove a sua existência.

Assim, surge uma história carregada de poesia, que, com aparente simplicidade, provoca uma profunda reflexão sobre o trabalho, a solidão e a identidade.

 





      Ainda que, no Brasil, a atividade teatral esteja concentrada, com mais representatividade, no eixo Rio de Janeiro - São Paulo, tenho bem claro, na minha mente - e faço questão de repetir sempre -, que existem excelentes companhias de TEATRO e grandes artistas, produzindo espetáculos de altíssima qualidade, pelo Basil afora. Embora conhecidos e respeitados em seus locais de origem, precisam chegar àquelas duas capitais, para serem reconhecidos por um público maior e merecer destaque na grande mídia. Perdi a conta de quantas vezes já vi isso acontecer, e é sempre motivo de grande alegria conhecer gente tão talentosa, como os que fazem parte da FICHA TÉCNICA de “DO OUTRO LADO DO MAR”.



       Confesso, com a maior sinceridade, que sempre que vou assistir a um espetáculo que aportou no Rio de Janeiro, vindo de outros estados, faço-o com a maior boa vontade e interesse, sabendo que poderei ser surpreendido com uma ótima surpresa, o que acontece na grande maioria das vezes, porém não me desgrudo de um certo grau de ceticismo, o que, até, considero natural. É, creio eu, fruto da “desconfiança” e o “medo” que o “novo” sempre nos causa. Mas isso é muito bom, porque, se o resultado for negativo, o tombo não é tão grande; por outro lado, quando o fator surpresa, positiva, se nos apresenta, parece que o prazer, que sempre toma conta de mim, quando assisto a encenações que me agradam muito, ganha uma potência maior.



       “DO OUTRO LADO DO MAR” tem como cerne um conflito de grandes e graves proporções, qual seja o um jovem personagem que, por não ter uma certidão de nascimento, “oficialmente não existe”, situação que nos parece, em princípio, meio surrealista, porém é uma triste realidade vivida por cerca de três milhões de brasileiros, os quais, sem um registro civil, vivem à margem de uma sociedade organizada,  já que isso os impede de ter acesso aos direitos mais básicos, como, por exemplo, o atendimento nos sistemas de saúde e educação.



Nunca é demais lembrar que uma certidão de nascimento ou uma carteira de identidade são apenas símbolos de algo muito mais profundo, que é o conceito de existir, de se ter uma identidade, uma individualidade, única e intransferível. Há uma simbologia incomensurável nessa “ausência documental”, visto que representa o absentismo de uma personalidade, uma sensação de “não-pertencimento”. Um ser humano que se mistura ao pó, aquele que “não veio do pó e, consequentemente, a ele não chegará”. O que vai morrer “sem ter nascido”. Um “ninguém na multidão”.



Fiquei encantado com o texto, por sua beleza e poesia, e pela força que ele tem, para conduzir o espectador a refletir sobre a posição que alguém ocupa, numa sociedade humana, a qual impõe as suas exigências, para que possamos ser aceitos nela, e por ela. Para existir, não basta, apenas, ter nascido, como fruto, naturalmente, de uma relação de amor, mas somos obrigados a aceitar as regras do “sistema”, sem o que é impossível viver; mais que isso: sobreviver. Esse é o grande drama do “rapaz invisível”, o grande protagonista desta história, o qual se arma de todas as suas forças, que já não são muitas, par se “fazer presente”, diante de uma mulher, a única que poderia fazê-lo “existir”, que não passa, no “olho” desse conflito, a ser sua antagonista, já que vive a explicar-lhe que não pode fazer ninguém “nascer”, quando esse alguém, ou melhor, “ninguém” nada sabe de seu passado: quem são seus pais, qual o seu nome, onde e quando nasceu...



Quem, como um crítico teatral, assiste a uma peça com um olhar diferente do grande público, atendo-se a detalhes e se deixando, muitas vezes, “viajar”, com ilações, aparentemente, desmedidas – o que, até, pode ser verdade – faz uma leitura revestida de um “plus”, graças a um detalhe afeto à personagem da funcionária de um cartório, montado, de forma inusitada e improvisada, sobre as areias de uma praia deserta: uma mulher “prestes a se aposentar”. Talvez essa condição em destaque faça dela alguém que, também, “pouco exista”, uma espécie de “objeto que já não tem mais serventia e está próximo ao seu descarte”. Será?! Mas ela ainda é a Doroteia, enquanto ele foi, é e continuará sendo o Pescador. Será? Quem sabe, no fundo, os dois não se equivalham na “existência” e a “irredutível” Doroteia não possa pôr em prática um pouco de empatia?! Melhor é voltar para a “terra firme”.



Interessante, também, é notar quão significativo e simbólico é o título da peça: “DO OUTRO LADO DO MAR”. Existe um “outro lado” nisso; um lado oculto, desconhecido e visto de modos diferentes por cada um dos personagens. Para Doroteia, trata-e do “desconhecido”, do “nebuloso”; para o Pescador, que só queria “ser alguém” e estar, de volta, ao seu CACHORRO de estimação, representa a “espernaça”. Tudo isso está contido no tom de universalidade que o texto carrega.



Gostei bastante da proposta de direção de MARCIO MEIRELLES, ao fazer uso de linguagens diferentes no espaço cênico: a mistura de representação presencial com imagens, lindas, por sinal, do mar, projetadas ao fundo do cenário, também criado por ele, uma bela obra cenográfica. MARCIO é criador e diretor do “Espaço Cultural A Fábrica” (1982) e diretor de um dos maiores centros culturais do Brasil - o “Teatro Castro Alves” (1987-1991). Em 1990, criou, juntamente com Chica Carelli, o “Bando do Teatro Olodum”. Revitalizou o “Teatro Vila Velha” e assumiu a sua direção artística, em 1994. Entre seus trabalhos, no Teatro, para mim, o grande destaque vai para o icônico espetáculo “Ó Pai Ó!”, com o “Bando de Teatro Olodum”, depois transposto para as telas. Foi Secretário de Cultura do Estado da Bahia (2007-2010) e, em junho de 2011, assumiu, novamente, a direção do “Teatro Vila Velha”, onde criou, em 2013, a “Universidade Livre de Teatro Vila Velha”. Em 2019, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”, pela Universidade Federal da Bahia. Dirigiu mais de 100 espetáculos, entre realizações no Brasil, na Europa e na África. Em 2022, marca os seus 50 anos de TEATRO, com realizações artísticas em Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. Além de dirigir a encenação desta peça e criar a bela e significativa cenografia do espetáculo, couberam-lhe, ainda, a criação dos acertados figurinos e do desenho de luz, para o que contou, nesta ocupação, com a colaboração de MARCOS DEDE, trabalho que agrega beleza à plasticidade da montagem. Merece, portanto, todo o nosso respeito e admiração.




Foto: Gilberto Bartholo.


Foto: Gilberto Bartholo.


A trilha sonora original, tanto a que é reproduzida, por gravação, quanto a que é executada ao vivo “veste” a encenação com a “roupa de festa” que ela pede. Excelente trabalho, de CAIO TERRA e RAMON GONÇALVES, este o responsável por estar presente, em cena, executando a parte musical ao vivo.



Aplaudo, efusivamente, as atuações de EDU COUTINHO e ANDRÉA ELIA, ambos com um ótimo rendimento, em seu trabalho de interpretação. O público se identifica com o sofrimento do rapaz, a sua angústia, e com a lógica da funcionária. Entende a posição desta, mas torce para que seja posto um bom termo ao drama do Pescador. Ambos são extremamente convincentes nos personagens que encarnam.



 

 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Jorgelina Cerritos

Tradução: Edu Coutinho, com a colaboração de Marcio Meirelles

Revisão da Tradução: Rita Rocha

Direção: Marcio Meirelles

Assistência de Direção: Caio Terra e Clara Trocoli

 

Elenco: Andréa Elia e Edu Coutinho

Cenografia: Marcio Meirelles

Figurino: Marcio Meirelles

Desenho de Luz: Marcio Meirelles

Colaboração no Desenho de Luz: Marcos Dede

Música: Caio Terra e Ramon Gonçalves

Tema da Sereia: Tato Taborda

Trilha Sonora (ao vivo): Ramon Gonçalves

Produção Audiovisual: Rafael Grilo
Operação de Vídeo: Rafael Grilo e Patrícia Oliveira
Operação de Luz: Bruno Aragão

Arte Gráfica: Ramon Gonçalves
Direção de Produção: Edu Coutinho

Coordenação de Produção: Patrícia Oliveira
Assistência de Produção: Jorge Alves

Produção Executiva: Lucas Nogueira

Fotos: Ananda Ikishima

Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê - Assessoria & Gerenciamento
Apoio: La Belle, Nova Dupla, Vegan Vegan, La Villa Restaurante e Bar, La Fiorentina, Alfa Bar, Boteco Belmonte, Frontera, Açaí Da Lili, Ximeninho, Cantina Donanna, Casa Do Sardo e Barthodomeu

Realização: Toró Teatro, Companhia Teatro Dos Novos e Teatro Vila Velha


 

 


 



SERVIÇO:

Temporada: De 06 a 30 de outubro de 2022.

Local: Teatro Poeirinha.

Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro – RJ.

Informações: (21) 2537-8053.

Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.

Valor dos Ingressos: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada).

Link para compra de ingressos: www.teatropoeira.com.br

Classificação Indicativa: 12 anos.

Duração: 60 minutos.

Gênero: Drama.

 

 




Foto: Gilberto Bartholo.


        Fiquei, profundamente, satisfeito com o resultado final desta montagem e, também, ao ver mais um Teatro com a LOTAÇÃO ESGOTADA, no Rio de Janeiro, tendo sido necessário acrescentar uma fileira de cadeiras, à frente da primeira fila. Foi de uma delas que assisti à peça, a qual RECOMENDO, nas duas semanas que faltam para o encerramento da curta, e já vitoriosa, temporada.

 

 



Foto: Gilberto Bartholo.

 

 

FOTOS: ANANDA IKISHIMA

 

 

 

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