“O HOMEM
DO PLANETA
AUSCHWITZ”
ou
(UM COMOVENTE
DIÁLOGO
ENTRE O “LÓGICO”
E O PASSIONAL.)
ou
(SOBRE A
"BANALIDADE
DO MAL".)
ou
(E O QUE NÓS
TEMOS COM ISSO?
TUDO!!!)
Assisti, no último domingo (10 de julho de 2022), no Teatro Laura Alvim (Casa de Cultura Laura Alvim) (VER SERVIÇO.) a um magnífico espetáculo, ainda que “duro”, “pesado”, que nos leva a muitas reflexões, inclusive, infelizmente, a de que “a História pode se repetir”. São apenas sessenta minutos, mas o suficiente para nos tocar profundamente e testar a nossa empatia por um povo, os judeus, principalmente as vítimas de AUSCHWITZ, o maior campo de concentração, localizado no sul da Polônia, operado pelo Terceiro Reich e colaboracionistas, nas áreas polonesas anexadas pela Alemanha Nazista, maior símbolo do Holocausto, perpetrado pelo nazismo, durante a Segunda Guerra Mundial.
SINOPSE:
Dois personagens reais e um diálogo fictício entre eles.
No texto inédito, de MIRIAM
HALFIM, com direção de ARY COSLOV, o escritor judeu
polonês YEHIEL DE-NUR (1909–2001), interpretado por MARIO
BORGES, e a filósofa judia alemã HANNAH
ARENDT (1906–1975), vivida por SUSANA KRUGER, travam um
caloroso e doloroso embate, do qual não sai um vencedor nem um vencido.
Ambos têm um encontro imaginário,
sem data nem lugar específicos.
O objeto do debate entre os dois é o julgamento de Adolf Eichmann, em 1961, em Jerusalém, que foi uma referência na história da ascensão e derrota do nazismo de Adolf Hitler, entre 1933 e 1945.
Eichmann foi executor das
mais tenebrosas ordens de Hitler nos campos de concentração.
A fim de que os meus leitores possam se
orientar, com relação ao objetivo do excelente texto, acho pertinente a
transcrição de algumas informações, que fazem parte do “release”,
chegado às minhas mãos por MEISE HALABI (MH Assessoria de Imprensa): “YEHIEL
(BORGES) é um sobrevivente de campo de concentração, que, depois da Segunda
Guerra Mundial, se estabeleceu em Israel, onde se tornou escritor,
celebrado localmente. ARENDT (KRUGER) é um expoente internacional da filosofia
política, que escapou do nazismo e se abrigou nos Estados Unidos, onde fez
a carreira de filósofa e escritora, para o mundo.”
E prossegue o “release”: “O julgamento de Eichmann provocou uma catarse, que uniu todo o povo judeu. Sobreviventes do Holocausto puderam expor o horror que haviam passado durante a guerra, em depoimentos ao vivo. YEHIEL era uma das vítimas das atrocidades. ARENDT acompanhou o julgamento, no tribunal israelense, como jornalista e observadora. Ela escrevia artigos para a revista “New Yorker” e, mais tarde, os reuniu, no livro polêmico “Eichmann em Jerusalém”, lançado em 1963. Foi nessa publicação que a autora definiu, pela primeira vez, seu conceito de “banalidade do mal”, provocando intensas discussões e controvérsias, até os dias de hoje. Nesse livro, HANNAH se mostrou decepcionada com o julgamento, que considerou excessivamente dramático e, até mesmo, ‘teatral’. Um dos momentos criticados foi o testemunho de YEHIEL DE-NUR, que desmaiou, no decorrer de seu depoimento emocionado.” A título de ilustração o conceito de “banalidade do mal”, para a consagrada filósofa, pensadora e escritora diz respeito à “mediocridade do não pensar, e não, exatamente, o desejo ou a premeditação do mal, personificado e alinhado ao sujeito demente ou demoníaco".
O título da peça,
“O HOMEM DO PLANETA AUSCHWITZ”, se refere, exatamente, a YEHIEL,
um dos sobreviventes do campo de extermínio, onde foi prisioneiro por
dois anos, estabelecendo-se, quando livre, em Israel, depois da
guerra, como já foi dito, anteriormente. Como escritor, seus livros narram, de
forma nua e crua, a mais realista possível, o que viu e viveu no campo
de concentração. Ele sentiu, na própria pele, o horror de Auschwitz,
foi testemunha ocular das abominações, das terríveis atrocidades praticadas
contra os “seus” e, por isso mesmo, considerava-se com direito a
um lugar de fala e “alimentava uma nítida divergência com o que ARENDT
escreveu sobre o julgamento de Eichmann”. Essa divergência, exposta
pelos dois pontos de vista, serve de alimento para o acirrado e tenso diálogo
entre os personagens.
A excelência do texto
é fruto da leitura que MIRIAM HALFIM fez das obras do escritor e das
críticas feitas à visão de HANNAH ARENDT, a respeito daquele
julgamento, de 1961. Com muita leitura e uma profunda pesquisa, fazendo,
praticamente, as vezes de uma “incisiva e obsessiva”
historiadora, sem o ser, de profissão, HALFIM “imaginou um
encontro dos dois, criando um embate possível entre eles. A
troca de ideias, observações e conclusões tem momentos de alta
contundência, trazendo à tona todo o horror que foi o nazismo.”. MIRIAM não é de fazer concessões e pressiona, com vigor, o dedo sobre feridas expostas, com o objetivo de sensibilizar, ao máximo, os que assistem às suas peças. Ela já o fez em outros excelentes textos anteriores, como "Meus Duzentos Filhos", por exemplo, espetáculo, solo, encenado, com muito sucesso, de público e de crítica, em 2018.
Miriam Halfim.
É, deveras,
interessante salientar quão atual pode ser considerado o texto, guardadas
as devidíssimas proporções, se prestarmos bastante atenção a ele, o que nos
conduz a identificar que “muitos tópicos discutidos, na peça, são
verdadeiramente atuais, 80 anos depois das práticas nazistas trágicas.
Há especulações consistentes sobre a permanência dessas ideias
tão condenáveis quanto as do nazismo”. É só olhar ao nosso redor e
estar antenado, acompanhando o noticiário do dia a dia e tomando conhecimento das
barbáries que vêm sendo cometidas, no Brasil, avalizadas por um “equivocado”
(Eu e os eufemismos.) “governo” federal.
Para justificar o primeiro
subtítulo, que atribuí à crítica, UM COMOVENTE DIÁLOGO ENTRE O “LÓGICO” E O PASSIONAL,
há um fato, muito simples de ser observado: HANNAH, apesar de ter sido
presa e passado por situações muito difíceis, tendo de fugir, mais de uma vez,
até chegar ao seu destino final, não foi “hóspede” de Auschwitz
e, por isso mesmo, pode ser considerada uma “observadora”, o que
lhe concede a oportunidade de se valer mais do "racional", para “julgar um julgamento”
(A construção foi proposital.). Por outro lado, alguém, como YEHIEL, que
sofreu, na carne, o terror do campo de concentração, conheceu o “inferno”
e “viu o diabo de perto”, tem o direito de extravasar todos os
sentimentos de perda e sofrimento, relacionados ao tempo em que esteve naquele
centro de confinamento militar, para "expiar", com a iminência da morte, por
pertencer a uma raça, humana, tão igual a qualquer outra.
O segundo subtítulo, SOBRE A "BANALIDADE DO MAL", este já foi devidamente explicado, alguns parágrafos acima.
O terceiro subtítulo, E O QUE NÓS TEMOS COM ISSO? TUDO!!!, criei-o como
uma forma de chamar a atenção de todos, tirar as pessoas de sua zona de
conforto e trazê-las para uma reflexão quanto ao significado e o valor da empatia.
Não é porque eu não sou judeu, que eu não deva me incomodar e me inconformar com o que representou
o horror do nazismo, na História da Humanidade. Ou pode, ainda estar
latente, por aí, muito próximo de nós, talvez. Talvez?! Não é porque eu não
passei por aquele tormento, por aquela barbárie, porque eu não passei fome e
frio e não fui jogado, esquelético e cadavérico, muitos ainda respirando, em covas
coletivas, que eu não vou me colocar no lugar daqueles infelizes seres humanos,
que nasceram “diferentes”, constituindo uma “raça menor”.
Temos TUDO a ver com isso, sim, para não permitir que aquilo possa
ressurgir das cinzas, como uma Fênix. Temos TUDO a ver, sim,
porque não podemos nos calar, diante da ameaça de uma ditadura, venha ela
fardada ou não. Temos TUDO a ver, sim, pois não podemos colocar fones de
ouvidos e óculos bem escuros e ignorar que o poço em que estamos metidos não
tem fundo; a cada dia, afundamos um pouquinho mais, E NÃO PODEMOS NOS DEIXAR
AFOGAR NUMALAMA ESPESSA E MALCHEIROSA!!!
Depois de digressões, que podem
parecer, a alguns, desnecessárias e fruto da comoção que o espetáculo me
causou, melhor é partir para uma análise critica desta montagem, a qual RECOMENDO MUITO. Geralmente, inicio os meus
comentários, abordando o texto, excelente, como já disse, sobre o
qual apenas poderia acrescentar a riqueza que há nos diálogos, muito
claros e bastante ágeis. Em cada fala, as palavras são devidamente “saboreadas”
pelos dois intérpretes. Um detalhe quanto ao fato de não ficar explícito
onde e quando se dá o encontro dos dois personagens: isso não faz a
menor diferença.
De todos os elementos que alicerçam uma montagem teatral,
nesta, especificamente, tenho a aplaudir, calorosamente, a extraordinária
cenografia, criada por MARCOS FLASKMAN. Neste cenário, o
pouco é muito: apenas dois bancos, posicionados, mais ou menos, no centro do
palco, porém o que me levou a uma exclamação, misto de surpresa, admiração,
encantamento e sei lá mais o quê, tão logo adentrei o auditório e olhei para o palco,
foi a peça que se encontra ao fundo e ao centro, algo difícil de ser descrito,
porém, creio eu, facilmente decodificado pelos espectadores que vão
ao Teatro Laura Alvim já sabendo do que trata o espetáculo:
é uma peça, de madeira, cheia de fios elétricos, entrelaçados, e um poste com
uma iluminação fraca, que nos remete aos “muros” dos campos de
concentração, dotados de cercas eletrificadas, para impedir fugas. Não
que eu seja chegado a divagações, porém, quando estou escrevendo uma crítica
e algo muito interessante, marcante, ligado àquilo que estou abordando, num
determinado momento, me vem à mente, luto por não pegar uma “estrada
vicinal”, fugindo ao assunto e retardando o final da crítica, mas acabo não o conseguindo. No caso, aqui, devo dizer que, tão logo bati os olhos naquele cenário,
veio-me à mente uma peça, das melhores a que já assisti, em mais de cinquenta
anos de TEATRO, a qual sempre me arrancou muitas lágrimas, nas muitas vezes
em que pude vê-la montada, que é “Bent”, um texto de 1979,
do dramaturgo norte-americano Martin Sherman, tratando da
perseguição aos “gays”, pelo Terceiro Reich, na Alemanha,
depois do assassinato do chefe da Sturmabteilung, Ernst
Röhm. Presos, num campo de concentração, Max e Horst,
os dois protagonistas amantes morrem: Horst, baleado
pelos guardas; Max suicida-se, agarrando-se à cerca eletrificada,
depois da morte do seu amor. Que cenário tão simples quanto deslumbrante e
significativo!
WANDERLEY GOMES resolveu, a
contento, a criação dos figurinos, bem simples; o de HANNAH, na
minha opinião, está mais próximo à época em que se dá o ficcional encontro. AURÉLIO
DE SIMONI, um grande mestre, como sempre, idealizou, e pôs em prática, uma bela
iluminação, totalmente voltada à exigência do texto e em consonância,
evidentemente, com o desejo do diretor, ARY COSLOV, o qual também
é responsável por uma boa trilha sonora, tendo, como base, muitos sons
(percepções sensoriais) e ruídos (sons “indesejados”), que contribuem
para criar os momentos de maior tensão, principalmente, na peça. ARY
gosta de assinar a trilha sonora dos espetáculos que dirige e
sempre o faz muito bem. A direção de movimento, trabalho de MARCELO
AQUINO merece destaque, por ser bem fiel às cenas, acompanhando a
serenidade que há em algumas e a “azáfama” que outras requerem.
Sobre a direção, de ARY
COSLOV, de tantas sob sua responsabilidade a que já assisti, arriscaria
dizer que é uma das melhores, se não for a que mais me agradou. Dois atores “intensos”
e um texto idem poderiam levar a montagem para um caminho perigoso,
do exagero e da pieguice, ou pieguismo, o que, de certo, não faria, do espetáculo,
uma montagem que merecesse ser vista e recomendada. Mas lá está COSLOV,
com seu talento de “diretor de atores”, para reger a música e nos
proporcionar um belo espetáculo. Faço, aqui, uma confissão, com a qual
não concordo: ouvi, de duas pessoas, que o ator MARIO BORGES
grita demais e que poderia ser mais contido, nas suas explosões. Penso diferente:
na pele do personagem, a interpretação não deveria ser de outra
forma. YEHIEL não teria como apresentar outro comportamento, visto que o personagem
chegou ao limite da contenção de tanta dor e sofrimento e tinha, mesmo, que
gritar, “vomitar” tudo o que foi obrigado a guardar por muitos
anos. Acertou o ator; acertou a direção.
Ary Coslov.
E, já que falei da atuação de
MARIO BORGES, um dos melhores atores de TEATRO, com muitos anos
de experiência sobre as tábuas, passo a considerar, agora, o trabalho da dupla,
ambos, MARIO e SUSANA, impecáveis em seus personagens. E
mais nada precisa ser dito. Apenas devem, os que me leem, conferir o que lhes
digo sobre esses dois grandes artistas de TEATRO. Isso é muito importante:
de TEATRO.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Miriam Halfim
Direção: Ary Coslov
Assistente de Direção: Luciano Pontes
Elenco: Mario Borges e Susanna Kruger
Cenário: Marcos Flaksman
Figurino: Wanderley Gomes
Desenho de Luz: Aurélio de
Simoni
Trilha Sonora: Ary Coslov
Direção de Movimento: Marcelo Aquino
“Design” Gráfico: Isio
Ghelman
Fotógrafo: Guga Melgar (posadas) e Rafael Gandra (cena)
Rede Social: Rafael Gandra
Operador de Som: Gabriel Lessa
Operador de Luz: Marcelo de Simoni
Assistente de Produção: Osni Silva
Produtora Executiva: Bárbara
Montes Claros
Diretor de Produção: Celso Lemos
SERVIÇO:
Temporada: de 01 a 24 de julho de
2022.
Local: Teatro Laura Alvim.
Endereço: Avenida Vieira Souto,
176 - Ipanema – Rio de Janeiro.
Telefone: (21)2332-2040 e (21)2332-2042.
Dias e Horários: sexta-feira e
sábado, às 20h; domingo, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$80,00
(inteira) e R$40,00 (meia entrada).
Vendas: funarj.eleventickets.com
Duração: 75 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Capacidade: 193 lugares.
OBS.: Estão disponíveis 140 ingressos, gratuitos, do projeto “Eu Faço
Cultura”, para beneficiários de programas sociais do governo.
Informações: www.eufacocultura.com.br
Assessoria de imprensa: Meise Halabi (MH Assessoria de
Comunicação.)
Quanto à pertinência e necessidade
desta montagem, deste texto, em especial, abro parênteses para um
momento, quase ao final do espetáculo, em que a atriz SUSANA KRUGER
vai ao proscênio e, dando a impressão de que estava saindo do texto (Ou
estaria mesmo?), pede ao técnico que opera a luz que acenda as luzes
do salão e se dirige, diretamente, à plateia, quebrando a quarta parede, num discurso, aparentemente, "fora do texto" e fala da importância de nos preocuparmos com o momento
político atual (Ela não cita o Brasil, mas isso é totalmente desnecessário.)
e de estarmos atentos e alertas, para que “a História não venha a se
repetir”. É um momento de catarse geral, que vale pelo
espetáculo inteiro e leva o público a aplaudi-la efusivamente. Que
bom que o recado foi dado e, melhor ainda, assimilado! Só falta ser
concretizado.
E, para terminar, nunca poderia ser
desprezado o que diz o diretor da peça, trecho também extraído do
já citado “release”, ao defender o fato de que “esses episódios precisam ser relembrados, até porque eles não deixaram
de existir no mundo contemporâneo”. Diz ele,
textualmente: “É importante que tudo o que aconteceu com os judeus
vítimas do nazismo não seja esquecido. É importante que a humanidade, hoje, se
posicione, com firmeza, para que aquilo não volte a acontecer. Infelizmente,
constatamos que existem sinais assustadores de que o preconceito e a
intolerância - e não só em relação aos judeus - ainda fazem parte do
comportamento humano. A peça serve como um alerta: não podemos permitir que
aquele momento trágico de nossa história se repita”. ASSINO EMBAIXO
DO QUE DISSE O ARY.
Já escrevi que RECOMENDO
MUITO o espetáculo, mas fiz questão de repetir a recomendação, na certeza de
que os que atenderem a ela hão de concordar comigo. Mas não vão com a intenção
de se divertir, de encontrar uma forma, simples, de lazer; vão com olhos e
coração bem abertos e dispostos a refletir.
FOTOS:
GUGA MELGAR
e
RAFAEL GANDRA
GALERIA PARTICULAR:
(Com Susana Kruger.
Foto: Paulo Menezes.)
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
Parabens, Gilberto! Pelo texto, pelo envolvimento e pela sensibilidade! Querido Gilberto!
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