O
INSACIÁVEL
ZÉ
CARIOCA
(PERSONAGEM MISTERIOSO
PROVOCANDO RISOS
E MUITAS REFLEXÕES.)
(Esta arte se refere à primeira temporada, visto que não encontrei nenhuma relativa à segunda.)
O
penúltimo espetáculo teatral a que assisti,
neste ano de 2018, foi “O INSACIÁVEL ZÉ CARIOCA”, no Espaço Armazém, Fundição Progresso, uma montagem
do grupo de artistas, CARAVANA HAOLE,
com texto de FELIPE BUSTAMANTE e JOPA
MORAES, direção deste. A peça segue a linha de “A Praia do Mel”, de 2017, primeiro trabalho do grupo, “dando
continuidade ao ficcional com o Rio de Janeiro”, ou seja, o “sobre fazer ficção com o Rio de
Janeiro contemporâneo”, como está no “release”
da peça, que me foi enviado por ALESSANDRA COSTA (DUETTO COMUNICAÇÃO –
ASSESSORIA DE IMPRENSA).
Infelizmente, encerrou a sua segunda
temporada, no mesmo espaço, no dia 22 próximo passado (22/12/2018), contudo penso que deveria fazer uma terceira, e no
mesmo lugar, por seus méritos, que não são poucos. Como só pude assistir a ela
na última semana, e por conta de muitos afazeres, apenas agora pude escrever
sobre o espetáculo, o que lamento
bastante, porém, como a montagem me
agradou sobremaneira, achei por bem, em meio a tantos afazeres de final de
ano, conseguir um tempo para externar minhas modestas, porém sinceras,
impressões sobre o espetáculo.
SINOPSE:
Durante uma interminável greve dos garis, uma
figura excêntrica e misteriosa, um ser “humano”, fantasiado de Zé Carioca, comete uma série de
assassinatos, em massa, no centro histórico do Rio de Janeiro.
Um policial militar, da Operação Segurança Presente, e uma jovem jornalista investigam os crimes.
Versões contraditórias sobre o caso se
proliferam, junto a cadáveres e montes de lixo.
Enquanto muitos temem por suas vidas, outros enxergam, no assassino, uma espécie de redenção.
Paranoia e violência tomam conta de uma
metrópole global, abandonada à própria sorte.
O
espetáculo chama a atenção por sua
originalidade e contemporaneidade, uma vez que, usando a ficção, os autores retiram, de debaixo do tapete, a sujeira e as mazelas de uma
cidade tão mal administrada, tão mal cuidada, por parte de seus últimos
governantes, mormente o atual prefeito (Eu disse “prefeito”? Ele existe, atua, na prática?).
A ação se passa numa espécie de “Terra de Marlboro”, uma gíria que se
aproxima de algo como “um lugar sem lei”, “terra de ninguém”, ou coisa parecida, na
qual se transformou a Lapa, nos
últimos anos, misturando várias “tribos
urbanas”. É, como diz o já citado “release”,
“Marco da expansão, nos primórdios da
cidade, hoje, local de convivência entre festas e policiamento, trabalho formal
e informal, entre a noite dos depósitos de bebidas baratas e a dos novos bares
‘gourmet’”.
A Lapa é a mesma que serve de espaço livre para as manifestações
populares, políticas e culturais, protestos de toda ordem, além de ter sido
cenário de tantos fatos históricos e local de residência de brasileiros
ilustres, como os escritores Machado de
Assis, Lima Barreto e Jorge Amado, a cantora Carmem Miranda, o grande poeta Manuel Bandeira, os compositores Lamartine Babo e Orestes Barbosa, o magnífico maestro e compositor Heitor Villa-Lobos, mas que também foi
o ambiente em que se criou um dos maiores mitos cariocas: Madame Satã, alcunha de João
Francisco dos Santos, um transformista, malandro, na primeira metade do
século XX, figura emblemática das
mais representativas da vida noturna e marginal do bairro, também conhecido
como Montmartre Carioca.
E prossegue o “release”: “Esse escopo, embora restrito, trouxe à tona
os tipos específicos da ‘fauna urbana’ que compõe a dramaturgia: o policial da
Operação Segurança Presente; a jornalista independente, que filma os confrontos
entre o povo e a polícia; a ‘gringa’ desiludida com a ‘Cidade Maravilhosa’; o
vendedor de ‘excentricidades’, que faz sua renda no ‘shopping chão’...”.
Gostei muito do texto, que, de forma bastante natural e simples, retrata, pelo viés
da ficção, ampliada, evidentemente,
mas calcada no que existe de concreto, uma realidade nua e crua de uma cidade
entregue à própria sorte, na qual impera a violência e a exploração do outro. Aliás,
a história, ainda que se apoie em fatos inusitados, parece ficar em segundo
plano, assim como o desejo de se saber quem se oculta sob o disfarce do
personagem infantil da Disney,
inspirado, na década de 1940, num
brasileiro, sem que se saiba, exatamente a sua verdadeira origem. A arte imitando a vida. O que, para
mim, mais evidenciado ficou, quanto ao desejo da dupla de dramaturgos, foi a oportunidade de utilizar o enredo, como um
gancho, para que fossem feitas as devidas e merecidas denúncias e críticas à péssima
administração de nossa cidade, assim como fazer referência a tipos do cotidiano
da Lapa, que merecem um estudo
antropossociológico, e servem para isso.
Apesar de classificado, quanto ao gênero, como um “drama”, o texto
abre-se, vez por outra, para o humor,
por vezes, patético e cáustico,
porém, acima de tudo, crítico,
cumprindo, assim, a sua missão. Sem cair no “humor barato”, o elemento jocoso
se aplica a situações seriíssimas, como a violência urbana; a precariedade e a
vulnerabilidade a que está exposta a população de rua; a fraqueza moral dos que
circulam naquele cenário de “bas fond”, marginal; os erros
governamentais, que levaram a cidade a uma séria crise econômico-administrativa;
e tudo o mais que contribuiu para macular a imagem de Cidade Maravilhosa, como é conhecido, no Brasil e no exterior, o Rio
de Janeiro, vindo a atingir, a Lapa,
a posição de segundo polo turístico da cidade, ficando atrás, somente, de Copacabana.
O bom texto prende a atenção do público, por seu dinamismo e pelo
frescor dos diálogos, mesmo aqueles que contêm palavras, frases ou expressões
chulas e/ou mais agressivas.
Também
muito me agradou a direção do espetáculo, ao optar por uma linha que
permeia o “hiperrealismo (ou
realismo hiperativo)”, fazendo uso de referências e ícones da sociedade moderna, brasileira
ou estrangeira, numa tentativa, muito bem-sucedida, de aproximar o público da
mensagem que a peça deseja que fique marcada em cada um espectador. O diretor sabe como provocar um processo
de reflexão, na plateia, de modo que, dificilmente, alguém deixa o Espaço Armazém sem um questionamento
maior: Qual é o meu papel nessa história
toda e o que posso fazer para mudar esse “status
quo”?
É muito bom o desempenho do elenco,
homogêneo, sem um destaque, visto que todos dão conta de suas missões, representando
mais de um personagem, com
profissionalismo e correção. O incipiente, talentoso e promissor grupo
teatral CARAVANA HAOLE é formado por três atores e duas atrizes,
com um ótimo domínio de palco e forte carisma, bom uso do corpo e da voz. Em
ordem alfabética, com seus respectivos personagens:
BRUNA TRINDADE (MIRIAN, CORPO 1 e CRENTE), FELIPE BUSTAMANTE
(DENIS, TARÓLOGO e FABINHO), MARIA CELESTE MENDOZI (GAEL e
CORPO 2), RODRIGO SALVADORETTI
(PIRES, RAUL e COVEIRO) e ZÉZA (AMADO e PASTOR).
Bastante interessante e
significativo é o cenário, propositalmente caótico, de JOPA MORAES, praticamente reduzido a
uma espécie de contêiner, o qual serve como vários elementos cênicos,
funcionando, também, como uma espécie de “cartola de mágico”, de dentro do qual
surgem várias surpresas cênicas, sendo o lixo a base da instigante cenografia.
Da
mesma forma, criativa e comprometida com o real, se comporta AMANDA RUMBELSPERGER, na concepção dos ótimos figurinos, tendo-me chamado a
atenção o detalhe para uma camiseta de uniforme de escola municipal, usada por
um personagem, com marcas de sangue,
reportando-nos à recente imagem que tanto vimos, pela TV, de uma mãe, expondo, desesperadamente, uma peça idêntica à que
estava sendo usada por seu filho, Marcos
Vinícius da Silva, de 14 anos,
morto, pela polícia, num confronto entre esta e marginais, quando o adolescente se
dirigia à escola, no Complexo da Maré.
Colaborando
para a qualidade do espetáculo,
podemos, ainda, citar a correta
iluminação, também a cargo de JOPA
MORAES.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Felipe
Bustamante e Jopa Moraes
Direção: Jopa Moraes
Assistência de
Direção: Nityam
Elenco (em ordem
alfabética): Bruna Trindade, Felipe Bustamante, Maria Celeste Mendozi, Rodrigo
Salvadoretti e Zéza
Cenografia e
Iluminação: Jopa Moraes
Figurino: Amanda Rumbelsperger
Direção Musical:
Rodrigo Salvadoretti
Trilha Sonora
Pesquisada: Jopa Moraes
Preparação Corporal:
Chris Igreja, Maria Celeste Mendozi e Rodrigo Salvadoretti
Fotografia e Vídeos:
Nityam
Material Gráfico: Jopa
Moraes
Adereços: Bidi
Bujnowski
Cenotécnico: Joeudes
Kemenson
Assistência de
Produção: Joshua Moraes e Mika Makino
Assessoria de
Imprensa: Duetto Comunicação
Produção Executiva:
Felipe Bustamante
Realização e Produção:
Caravana Haole
Como
só escrevo sobre espetáculos quem me
tenham agradado, fiz questão de tecer meus modestos comentários sobre esta produção, na certeza de que valeu muito
a pena a minha ida ao Espaço Armazém,
o que deve ter acontecido com todos os que tiveram a oportunidade de assistir a
esta peça. Torço para que ela volte
ao cartaz. Serei capaz de revê-la.
Por um motivo óbvio, esta crítica não comporta a seção "SERVIÇO". Caso a peça volte à cena, esta avaliação será republicada, acrescida do "SERVIÇO" de então.
E VAMOS AO
TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS
SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTE
TEXTO, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: NITYAM.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário