quarta-feira, 26 de dezembro de 2018


O INSACIÁVEL
ZÉ CARIOCA




(PERSONAGEM MISTERIOSO
PROVOCANDO RISOS
E MUITAS REFLEXÕES.)


(Esta arte se refere à primeira temporada, visto que não encontrei nenhuma relativa à segunda.)



            O penúltimo espetáculo teatral a que assisti, neste ano de 2018, foi “O INSACIÁVEL ZÉ CARIOCA”, no Espaço Armazém, Fundição Progresso, uma montagem do grupo de artistas, CARAVANA HAOLE, com texto de FELIPE BUSTAMANTE e JOPA MORAES, direção deste. A peça segue a linha de “A Praia do Mel”, de 2017, primeiro trabalho do grupo, “dando continuidade ao ficcional com o Rio de Janeiro”, ou seja, o sobre fazer ficção com o Rio de Janeiro contemporâneo”, como está no “release” da peça, que me foi enviado por ALESSANDRA COSTA (DUETTO COMUNICAÇÃO – ASSESSORIA DE IMPRENSA).

            Infelizmente, encerrou a sua segunda temporada, no mesmo espaço, no dia 22 próximo passado (22/12/2018), contudo penso que deveria fazer uma terceira, e no mesmo lugar, por seus méritos, que não são poucos. Como só pude assistir a ela na última semana, e por conta de muitos afazeres, apenas agora pude escrever sobre o espetáculo, o que lamento bastante, porém, como a montagem me agradou sobremaneira, achei por bem, em meio a tantos afazeres de final de ano, conseguir um tempo para externar minhas modestas, porém sinceras, impressões sobre o espetáculo



 





SINOPSE:

Durante uma interminável greve dos garis, uma figura excêntrica e misteriosa, um ser “humano”, fantasiado de Zé Carioca, comete uma série de assassinatos, em massa, no centro histórico do Rio de Janeiro.

Um policial militar, da Operação Segurança Presente, e uma jovem jornalista investigam os crimes.

Versões contraditórias sobre o caso se proliferam, junto a cadáveres e montes de lixo.

Enquanto muitos temem por suas vidas, outros enxergam, no assassino, uma espécie de redenção. 

Paranoia e violência tomam conta de uma metrópole global, abandonada à própria sorte.







         O espetáculo chama a atenção por sua originalidade e contemporaneidade, uma vez que, usando a ficção, os autores retiram, de debaixo do tapete, a sujeira e as mazelas de uma cidade tão mal administrada, tão mal cuidada, por parte de seus últimos governantes, mormente o atual prefeito (Eu disse “prefeito”? Ele existe, atua, na prática?).

            A ação se passa numa espécie de “Terra de Marlboro”, uma gíria que se aproxima de algo como um lugar sem lei”, “terra de ninguém”, ou coisa parecida, na qual se transformou a Lapa, nos últimos anos, misturando várias “tribos urbanas”. É, como diz o já citado “release”, Marco da expansão, nos primórdios da cidade, hoje, local de convivência entre festas e policiamento, trabalho formal e informal, entre a noite dos depósitos de bebidas baratas e a dos novos bares ‘gourmet’”.

A Lapa é a mesma que serve de espaço livre para as manifestações populares, políticas e culturais, protestos de toda ordem, além de ter sido cenário de tantos fatos históricos e local de residência de brasileiros ilustres, como os escritores Machado de Assis, Lima Barreto e Jorge Amado, a cantora Carmem Miranda, o grande poeta Manuel Bandeira, os compositores Lamartine Babo e Orestes Barbosa, o magnífico maestro e compositor Heitor Villa-Lobos, mas que também foi o ambiente em que se criou um dos maiores mitos cariocas: Madame Satã, alcunha de João Francisco dos Santos, um transformista, malandro, na primeira metade do século XX, figura emblemática das mais representativas da vida noturna e marginal do bairro, também conhecido como Montmartre Carioca.




E prossegue o “release”: “Esse escopo, embora restrito, trouxe à tona os tipos específicos da ‘fauna urbana’ que compõe a dramaturgia: o policial da Operação Segurança Presente; a jornalista independente, que filma os confrontos entre o povo e a polícia; a ‘gringa’ desiludida com a ‘Cidade Maravilhosa’; o vendedor de ‘excentricidades’, que faz sua renda no ‘shopping chão’...”.

            Gostei muito do texto, que, de forma bastante natural e simples, retrata, pelo viés da ficção, ampliada, evidentemente, mas calcada no que existe de concreto, uma realidade nua e crua de uma cidade entregue à própria sorte, na qual impera a violência e a exploração do outro. Aliás, a história, ainda que se apoie em fatos inusitados, parece ficar em segundo plano, assim como o desejo de se saber quem se oculta sob o disfarce do personagem infantil da Disney, inspirado, na década de 1940, num brasileiro, sem que se saiba, exatamente a sua verdadeira origem. A arte imitando a vida. O que, para mim, mais evidenciado ficou, quanto ao desejo da dupla de dramaturgos, foi a oportunidade de utilizar o enredo, como um gancho, para que fossem feitas as devidas e merecidas denúncias e críticas à péssima administração de nossa cidade, assim como fazer referência a tipos do cotidiano da Lapa, que merecem um estudo antropossociológico, e servem para isso.






            Apesar de classificado, quanto ao gênero, como um “drama”, o texto abre-se, vez por outra, para o humor, por vezes, patético e cáustico, porém, acima de tudo, crítico, cumprindo, assim, a sua missão. Sem cair no “humor barato”, o elemento jocoso se aplica a situações seriíssimas, como a violência urbana; a precariedade e a vulnerabilidade a que está exposta a população de rua; a fraqueza moral dos que circulam naquele cenário de “bas fond”, marginal; os erros governamentais, que levaram a cidade a uma séria crise econômico-administrativa; e tudo o mais que contribuiu para macular a imagem de Cidade Maravilhosa, como é conhecido, no Brasil e no exterior, o Rio de Janeiro, vindo a atingir, a Lapa, a posição de segundo polo turístico da cidade, ficando atrás, somente, de Copacabana.

            O bom texto prende a atenção do público, por seu dinamismo e pelo frescor dos diálogos, mesmo aqueles que contêm palavras, frases ou expressões chulas e/ou mais agressivas.  

            Também muito me agradou a direção do espetáculo, ao optar por uma linha que permeia o hiperrealismo (ou realismo hiperativo)”, fazendo uso de referências e ícones da sociedade moderna, brasileira ou estrangeira, numa tentativa, muito bem-sucedida, de aproximar o público da mensagem que a peça deseja que fique marcada em cada um espectador. O diretor sabe como provocar um processo de reflexão, na plateia, de modo que, dificilmente, alguém deixa o Espaço Armazém sem um questionamento maior: Qual é o meu papel nessa história toda e o que posso fazer para mudar esse “status quo”?




            É muito bom o desempenho do elenco, homogêneo, sem um destaque, visto que todos dão conta de suas missões, representando mais de um personagem, com profissionalismo e correção. O incipiente, talentoso e promissor grupo teatral CARAVANA HAOLE é formado por três atores e duas atrizes, com um ótimo domínio de palco e forte carisma, bom uso do corpo e da voz. Em ordem alfabética, com seus respectivos personagens: BRUNA TRINDADE (MIRIAN, CORPO 1 e CRENTE), FELIPE BUSTAMANTE (DENIS, TARÓLOGO e FABINHO), MARIA CELESTE MENDOZI (GAEL e CORPO 2), RODRIGO SALVADORETTI (PIRES, RAUL e COVEIRO) e ZÉZA (AMADO e PASTOR).

         Bastante interessante e significativo é o cenário, propositalmente caótico, de JOPA MORAES, praticamente reduzido a uma espécie de contêiner, o qual serve como vários elementos cênicos, funcionando, também, como uma espécie de “cartola de mágico”, de dentro do qual surgem várias surpresas cênicas, sendo o lixo a base da instigante cenografia.

       Da mesma forma, criativa e comprometida com o real, se comporta AMANDA RUMBELSPERGER, na concepção dos ótimos figurinos, tendo-me chamado a atenção o detalhe para uma camiseta de uniforme de escola municipal, usada por um personagem, com marcas de sangue, reportando-nos à recente imagem que tanto vimos, pela TV, de uma mãe, expondo, desesperadamente, uma peça idêntica à que estava sendo usada por seu filho, Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, morto, pela polícia, num confronto entre esta e marginais, quando o adolescente se dirigia à escola, no Complexo da Maré.

            Colaborando para a qualidade do espetáculo, podemos, ainda, citar a correta iluminação, também a cargo de JOPA MORAES.


 






FICHA TÉCNICA:

Texto: Felipe Bustamante e Jopa Moraes
Direção: Jopa Moraes
Assistência de Direção: Nityam

Elenco (em ordem alfabética): Bruna Trindade, Felipe Bustamante, Maria Celeste Mendozi, Rodrigo Salvadoretti e Zéza

Cenografia e Iluminação: Jopa Moraes
Figurino: Amanda Rumbelsperger
Direção Musical: Rodrigo Salvadoretti
Trilha Sonora Pesquisada: Jopa Moraes
Preparação Corporal: Chris Igreja, Maria Celeste Mendozi e Rodrigo Salvadoretti
Fotografia e Vídeos: Nityam
Material Gráfico: Jopa Moraes
Adereços: Bidi Bujnowski
Cenotécnico: Joeudes Kemenson
Assistência de Produção: Joshua Moraes e Mika Makino
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação
Produção Executiva: Felipe Bustamante
Realização e Produção: Caravana Haole








            Como só escrevo sobre espetáculos quem me tenham agradado, fiz questão de tecer meus modestos comentários sobre esta produção, na certeza de que valeu muito a pena a minha ida ao Espaço Armazém, o que deve ter acontecido com todos os que tiveram a oportunidade de assistir a esta peça. Torço para que ela volte ao cartaz. Serei capaz de revê-la.

             Por um motivo óbvio, esta crítica não comporta a seção "SERVIÇO". Caso a peça volte à cena, esta avaliação será republicada, acrescida do "SERVIÇO" de então.



 



E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!




(FOTOS: NITYAM.)


























Nenhum comentário:

Postar um comentário