UM
TARTUFO
(CRIATIVA E CORAJOSA
RELEITURA
DE UM CLÁSSICO DA
DRAMATURGIA UNIVERSAL.)
Adoro
um bom TEATRO tradicional, num
formato “padrão”, mas confesso que me encantam e muito me instigam as inovações
e as “subversões” de certos diretores,
como BRUCE GOMLEVSKY, o que já vem
fazendo em outros trabalhos, sem medo de ousar e transpirar criatividade e
genialidade, como o que faz com o espetáculo
“UM TARTUFO”, em cartaz, com enorme
sucesso de público e de crítica, no Teatro
Poeirinha (VER SERVIÇO.).
A genialidade
já está presente no título da peça, uma livre inspiração no clássico, de MOLIÈRE, “Le Tartuffe”, texto, já,
incontáveis vezes, encenado, no Brasil,
ora traduzido como “Tartufo”, ora
recebendo o artigo definido, que está presente no original: “O Tartufo”. Vem BRUCE, com sua irreverência e uma inovadíssima proposta, contando a
história escrita pelo “Pai da Comédia
Moderna”, Jean-Baptiste Poquelin
(nome original de MOLIÈRE), um dos
seus mais consagrados textos, à sua
maneira, com uma leitura que faz com que a peça
mereça, no título, o acréscimo do vocábulo “UM”,
que pode pertencer a várias classes gramaticais, e, aqui, funciona mais como um
pronome indefinido, já que não é o original, mas “um certo, um outro”, criado por um dos nossos maiores encenadores.
Não se tem uma
referência exata de quando a peça
foi escrita, porém sabe-se que sua primeira encenação data do ano de 1664, tendo sido, quase que imediatamente, censurada pelos
devotos religiosos, que, no texto,
foram retratados, pejorativamente, no personagem-título,
como hipócritas e dissimulados.
Aliás, o termo “tartuffe”, entrou
para o léxico da língua portuguesa, como um substantivo/adjetivo, significando “indivíduo hipócrita” ou “falso
religioso”. Os devotos sentiram-se ofendidos, e a peça quase foi proibida, por tal razão, pelos tribunais do rei Luís XIV da França, de cognomes "O Grande" ou "O Rei SOL", onde tinham grande
influência.
O espetáculo não poderia ser melhor
motivo para a comemoração dos dez anos da Cia. Teatro Esplendor, fundada por BRUCE GOMLEVSKY.
Bruce Gomlervsky.
O grande diferencial do espetáculo reside no fato de a montagem dispensar, totalmente, a
linguagem verbal, sendo toda a história contada, unicamente, a partir das ações físicas, num profundo mergulho no universo expressionista, nesta
sua primeira montagem não-realista.
Lembra
um filme mudo ou uma ópera sem música, se isso fosse possível existir. Talvez
o absurdo de um balé sem sons. NÃO!
É, simplesmente, “UM TARTUFO”, na
visão de BRUCE GOMLEVSKY, uma
magnífica experiência teatral, cuja “gestação” durou exatos nove meses de
incansáveis ensaios, para que tudo se passe, em cena, sem a menor falha, de
qualquer ordem. Trata-se de um trabalho
impecável!!!
Apoiando-me no “release”, enviado por JSPONTES COMUNICAÇÃO – JOÃO E STELLA
STEPHANY, “a peça fala sobre os
vários ‘Tartufos’ que nos cercam, no mundo contemporâneo”. Ela nos
mostra a triste realidade de que somos uma ilha, cada um de nós cercado de ‘Tartufos’ por todos os lados, sem que
nos demos conta disso, na maioria das vezes. A dissimulação, a mentira, a
falsidade contaminam o ar que respiramos e nos causam prejuízos irremediáveis,
principalmente os morais. Trata-se de uma comédia, que nos faz rir bastante,
entretanto, como uma das características e intenções principais de tal gênero, prima pela denúncia e aponta o
dedo para os falsos, os hipócritas, que vieram ao mundo para nos seduzir, de
todas as formas e sob todos os disfarces. Está mais para uma tragicomédia.
SINOPSE:
A peça conta a história de um falso, esperto e ambicioso devoto, que
se infiltra na casa de uma família, para se aproveitar e se beneficiar de sua fé
e ingenuidade.
ORGONTE (GUSTAVO DAMASCENO), chefe da tal família e homem de posses, cai nas garras
de TARTUFO (YASMIN GOMLEVSKY), um
suposto religioso, na verdade um inescrupuloso charlatão.
Toda a família de ORGONTE logo se dá conta do péssimo caráter
de Tartufo, exceto o patriarca.
O
protagonista se instala na casa de ORGONTE e, usando de sua falsa posição
de devoto religioso, chega a se tornar líder espiritual de seu anfitrião, o
qual lhe segue todos os conselhos e lhe oferece todas as regalias imagináveis.
A
cada investida da família contra TARTUFO,
ORGONTE reage, dando, cada vez mais,
liberdades e direitos ao hóspede, chegando ao ponto de lhe prometer a filha MARIANA (NUAJ DEL FIOL) em
casamento, apesar de ela já estar prometida a VALÉRIO (GUSTAVO LUZ).
ELMIRA (PATRÍCIA CALLAI), esposa de ORGONTE,
conta ao marido que seu hóspede está tentando seduzi-la.
ORGONTE
acaba concordando em se esconder, para espiar o que TARTUFO anda dizendo à sua esposa.
O
charlatão, enfim, cai na armadilha e é expulso de casa, por ORGONTE, que parece ter voltado a si.
Mas
é tarde demais: ORGONTE já havia
passado todos os seus bens para o nome do falso amigo.
Mais
uma das vítimas do “calote” do atual "(des)governo" municipal do Rio de Janeiro, na
pessoa do atual “(im)prefeito”, com relação ao fomento não pago, pelo edital ganho em 2016, esta montagem “representa, para a Cia, um posicionamento político necessário, um
ato de resistência e resposta ao progressivo desmonte da cultura na nossa
cidade e no nosso país”
(Extraído do “release”.), o que lhe
confere um valor especial. Foram nove
meses de trabalho pesado de um grupo de amigos e excepcionais
profissionais, os quais toparam a empreitada, sem receber um centavo de
remuneração, durante os ensaios.
Apesar de datado do século XVII, o texto é atualíssimo, totalmente atemporal, provocando, no espectador,
analogias com personagens reais, com
os quais somos obrigados a conviver, dentro de nossas próprias casas, às vezes,
ou fora delas, principalmente no universo dos políticos brasileiros. Nele, o texto, o que não falta é espaço para um
humor ácido, profundamente irônico e facilmente assimilável. Retira ele as
máscaras dos homens, exibindo-os desnudos de seus adereços decorativos e que
levam ao deslumbramento alheio. Mas, por outro lado, chama a nossa atenção para
as célebres palavras de Abraham Lincoln:
“Pode-se
enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas
não se pode enganar a todos todo o tempo”. É impossível não se traçar
um paralelo entre o texto e
situações em que predominam as falsas ideologias; o charlatanismo, em vários
matizes; a falta de ética, de probidade; a influência nefasta das religiões,
principalmente das falsas, cujos líderes se locupletam, explorando a fé dos
incautos. O Estado, a Igreja e outras instituições não são poupados pelo autor.
Dito o que achei justo sobre o texto, passo, em poucas palavras,
porque seria desnecessário fazer uso de muitas, a analisar a brilhante direção, de BRUCE GOMLEVSKY, extremamente criativa
e inteligente, apoiada em referências do expressionismo alemão e no cinema mudo,
explorando a mímica corporal dramática (Viva Marcel Marceau!); a técnica da máscara balinesa; a “commedia
dell’arte”; a capoeira, elemento de matriz africana, totalmente inserido na
cultura brasileira; e o treinamento físico do diretor teatral e teórico polonês
Grotowski. Dessa forma, o diretor conduziu a proposta, afastando-se de uma
montagem baseada no realismo. O trabalho de direção é merecedor de indicações a
prêmios, como também estas deveriam recair sobre outros elementos da peça.
Não resta a menor dúvida de que se
trata de uma proposta muito ousada e corajosa, cujo sucesso, de público e de
crítica, deve ser creditado, principalmente à direção e ao estupendo trabalho de um elenco coeso, completamente amalgamado, sobre o qual se torna uma
tarefa hercúlea comparar atuações e estabelecer um “ranking”, uma vez que todos,
sem qualquer exceção, incluindo os que interpretam personagens coadjuvantes,
estão impecáveis em suas atuações, com um ligeiro destaque para YASMIN GOMLEVSKY (TARTUFO) e GUSTAVO DAMASCENO (ORGONTE).
É fator imprescindível e de total
adequação à montagem a música do espetáculo, composta pelo compositor esloveno BORUT KRZISNIK, afamado artista, que se destaca na composição de trilhas para
consagrados filmes, balés, peças de TEATRO e outras produções mundo afora.
O conjunto da obra conta, ainda, com
um interessante figurino, assinado
por MARIA DUARTE, que mistura peças
de tendências e épocas diferentes (foi o que me pareceu), creio que oriundas de
acervos ou brechós (outra impressão que tive), que funcionam muito bem no “frigir
dos ovos”.
BEL
LOBO e BRUCE GOMLEVSKY
conceberam um cenário difícil de ser
descrito, porém cheio de curiosas e instigantes metáforas, que despertam, no espectador, diferentes leituras, com peças que se encaixam, perfeitamente, formando um todo que prima por servir às ações e
intenções do diretor.
A luz do espetáculo é uma
feliz criação de ELISA TANDETA, que
valoriza o espaço cênico e o
excelente visagismo, que, na ficha técnica, aparece sob a rubrica de
“caracterização”, um marcante
trabalho de MONA MAGALHÃES, a qual apela para o exagero, o grotesco, propositalmente, para sugerir as deformidades do dito ser humano.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Molière
Adaptação e Direção: Bruce Gomlevsky
Elenco / Personagem
Yasmin Gomlevsky / Tartufo
Gustavo Damasceno / Orgonte
Thiago Guerrante / Dorina
Ricardo Lopes / Cleanto
Patricia Callai / Elmira
Nuaj Del Fiol / Mariana
Felipe de Barros / Damis
Gustavo Luz / Valério
Cenário: Bel Lobo e Bruce Gomlevsky
Figurino: Maria Duarte
Luz: Elisa Tandeta
Caracterização: Mona Magalhães
Música: Borut Krzisnik
Assistência de Direção:
Luiza Espíndula
Fotos: Dalton Valério e Manu Tasca
Programação Visual: Rita Ariani
Direção de Produção: Luiz Prado
Realização: Cia Teatro Esplendor
Assessoria de Imprensa: JSPontes
Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: De 06 de setembro a 24 de
outubro de 2018.
Local: Teatro Poeirinha.
Endereço: Rua São João Batista, 104,
Botafogo – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2537-8053.
Dias e Horários: Em setembro: De 4ª feira a sábado, às
21h; domingo, às 19h. Em outubro:
Às 3ªs, 4ªs e 5ªs feiras, às 19h.
Valor dos Ingressos: 4ªs e 5ªs feiras =
R$50,00 e 25,00 (meia entrada); 6ª feira, sábado e domingo = R$60,00 e R$30,00
(meia entrada).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De
3ª feira a sábado, das 15h às 21h; domingo, das 15h às 19h.
Capacidade: 50 espectadores.
Duração: 110 minutos.
Gênero: Tragicomédia.
Classificação Indicativa: 14 anos.
O
atual panorama do TEATRO, no Rio de Janeiro, por motivos vários, não
tem sido muito generoso para com o público. Poucas peças, das que estiveram/estão em cartaz, neste segundo semestre, agradaram/agradam
tanto e mereceram/merecem ser tão aplaudidas, de pé, como é o caso de “UM TARTUFO”, uma brilhante ideia, uma grande
concepção, uma ousadíssima proposta,
um ótimo espetáculo teatral, que
foge às tradições e que merece ser recomendado com o maior empenho.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE
MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: DALTON VALÉRIO
E
MANU TASCA.)
E
MANU TASCA.)
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