EUFORIA
(“ESTADO CARACTERIZADO POR ALEGRIA, DESPREOCUPAÇÃO, OTIMISMO E BEM-ESTAR
FÍSICO, MAS QUE NÃO CORRESPONDE NEM ÀS CONDIÇÕES DE VIDA, NEM AO ESTADO FÍSICO
OBJETIVO”.
SQN!!!)
Uma
sinopse pode atrair espectadores a
uma peça de teatro ou a um filme. Uma ficha
técnica de qualidade também. Uma boa
sinopse e uma ficha técnica que reúne
grandes talentos do TEATRO,
juntas, podem garantir o sucesso de público de um espetáculo teatral.
Foi
o que me atraiu, gerando grande expectativa, quando tomei conhecimento de que
estaria em cartaz, no Espaço Cultural
Municipal Sérgio Porto (VER SERVIÇO.) a peça “EUFORIA”, com texto de JULIA SPADACCINI, direção de VICTOR GARCIA
PERALTA e atuação de MICHEL BLOIS.
JULIA não consegue escrever nada abaixo
de excelente. PERALTA só faz
ótimos trabalhos de direção. MICHEL
é um dos grandes atores de sua geração. E a sinopse era, no mínimo, instigante e prometia grandes surpresas.
Tudo isso me fez aguardar, ansiosamente, o dia em que poderia confirmar, ou
superar, toda a minha boa expectativa. Já
vou adiantando que superou, e em muito.
A
peça estreou no dia 9 de setembro e só pude assistir a ela no dia 18, na sua segunda semana em
cartaz, e fiquei sabendo que, desde a primeira sessão, o minúsculo e
aconchegante espaço do anexo ao Teatro
Sérgio Porto, vem lotando, com pessoas
elogiando o conjunto da obra, que é, exatamente, o que me cabe fazer, depois de
ter assistido a um dos melhores monólogos
dos últimos tempos. E olha que fazer monólogo
não é para qualquer um.
É
preciso que o texto seja excelente,
que não canse, não seja monótono. É necessário que a direção se faça brilhante e torne o espetáculo ágil, dinâmico. É
obrigatório que a atuação do ator ou atriz seja inesquecível. E tudo isso pode
ser encontrado em “EUFORIA”.
SINOPSE GERAL:
“EUFORIA” é um espetáculo híbrido, em que ator, texto, corpo e voz estão em constante processo.
Dividido em dois solos, o espetáculo trata
do desejo.
Um desabafo de dois personagens: um velho homossexual e
uma cadeirante, que, socialmente, são olhados como seres assexuados, invisíveis
aos olhos do prazer comum.
Completamente
intimista, o espetáculo procura uma troca com o público, no sentido de chamar a
sua atenção para a sexualidade na velhice e entre os deficientes físicos e
mostrar que tudo o que se fala sobre ela, nos raros momentos em que isso
acontece, faz parte de uma série de inverdades, um equivocado tabu, que acaba
por negar, às pessoas que fazem parte desse universo, os prazeres da carne, que
jamais estão dissociados dos da alma.
Quando
a pessoa padece de alguma deficiência física, então, o caso toma dimensões gigantescas,
e o indivíduo é tratado como um peso morto; um “sem-desejos”; um amorfo, que
respira; um nada; quando o assunto é sexo.
De
forma muito “ousada” e extremamente poética,
JULIA SPADACCINI se propôs a afundar
o dedo em duas feridas; mas isso não faz doer. É tão natural a forma como ela
trata de dois “problemas” (as aspas são
importantíssimas), que a plateia se sente quase que hipnotizada, sem se
permitir perder uma sílaba do que diz cada um dos dois personagens, menos, ainda,
um gesto, um olhar, um sussurro...
Não
sei em quem ela possa ter buscado inspiração, entretanto, conhecendo-a
bastante, julgo que tenha chegado ao resultado deste lindo e comovente texto, após muita pesquisa, observação
e, acima de tudo, o emprego do seu olho clínico, na abordagem de qualquer
temática, como ocorre em todos os seus textos.
Sou seu fã de carteirinha.
Vou
me apropriar do ótimo “release”, sobre
os dois monólogos, enviado por DANIELLA
CAVALCANTI, assessora de imprensa,
e ampliar algumas de suas partes com comentários particulares.
PRIMEIRA SINOPSE:
UM SENHOR
DE 87 ANOS HOMOSSEXUAL
A
sexualidade dos mais velhos é um
dos aspectos do envelhecimento que mais sofrem preconceito, muitas vezes,
avaliada como um período assexual e de renúncia.
A
libido não se apresenta somente no ato sexual em si, mas nos pensamentos, na
observação, nos sonhos, no desejo constante.
Foi
constatado que os indivíduos, quando vão para um asilo, escondem suas
sexualidades. Homossexuais, assumidos, socialmente, quando jovens, voltam a
vestir a máscara social, para não passar “constrangimentos”.
Esse
personagem vai se desenvolver justamente nesse ambiente e com essa inquietação:
viver num asilo e ter que se distanciar, novamente, de sua própria identidade, porém, dentro de si, o que ainda persiste é a euforia do desejo, que se
mantém vivo, jovem e pleno. Um universo pulsante ainda está ali, querendo,
sentindo e sendo o que sempre foi.
A
sexualidade, em toda sua amplitude, não sendo restrita ao ato sexual, ganha
contornos simbólicos,
que falam do desejo de permanecer vivo, da persistência exigida quando o vigor do corpo
declina. Mesmo tendo superado os medos e os conflitos gerados pelo desejo
homossexual, ao longo da vida, este é um momento de entender que a vida sexual pode
ser realizada de várias formas, contradizendo a norma conservadora.
Agora, ele vê emergir imagens da infância e da adolescência. Os choques entre desejo e aceitação, beleza e envelhecimento perduram,
assim como o medo do abandono.
A situação fica mais delicada com a perda da
independência financeira e da saúde, normalmente associada à permanência de idosos nos asilos.
Em contrapartida, a tenacidade de realizar seus
desejos plenamente é fruto de uma construção de identidade
pessoal preciosa e possível,
para algumas pessoas.
Quanta
riqueza há nessa sinopse, escrita,
certa e brilhantemente, pela própria JULIA!
Que olhar generoso e complacente ela dirige ao personagem LAURO, que, na peça, recebe o tratamento de um cuidador, no asilo,
durante um banho!
Este vai,
gradativamente, sem perceber, mexendo com a libido do ancião, ao conversar com
ele, fazendo alusão a uma provável vida de “garanhão”, na juventude, a julgar
pelos seus belos traços físicos, ainda que desgastados pelo tempo implacável.
O funcionário
o trata, no presente, voltado, apenas, para as lembranças de um passado remoto,
já que o paciente tem 87 anos. Talvez, até, possa haver, por parte do homem, um
certo ar de zombaria, de sarcasmo, sem saber ele que o vulcão não está extinto.
"Como deve ter sido desejado pelas mulheres!".
Se o
personagem do enfermeiro domina a cena, com seu texto verbal, o octogenário
senhor LAURO é quem atrai todas as
atenções, pelas reações demonstradas, fisicamente, a cada investida do seu
cuidador. São olhares e posturas corporais do ator, que falam mais que muitas
palavras. O trabalho de corpo de MICHEL, nos dois monólogos, é digno de aplausos.
Nota-se
o quanto o personagem vai se sentindo incomodado, por ter de sufocar um grito
de “PARA COM ISSO! NÃO FOI NADA ASSIM!
EU SOU GAY!”. E, até, quem sabe, desejar uma relação sexual com aquele que
dele está cuidando? Ter que se “trancar no armário” e sofrer a tortura de ser obrigado a aparentar o que não é, de não poder expressar o seu desejo, ainda latente,
se bem que reprimidamente expresso.
MICHEL BLOIS sabe valorizar o texto e seguir as orientações da direção, de modo a comover, profundamente,
a plateia, do início ao fim do monólogo.
SEGUNDA SINOPSE:
UMA MULHER TETRAPLÉGICA
Uma publicação britânica
sobre deficiências, que entrevistou mais de mil pessoas nessas
condições, aponta que 85% já fizeram
sexo alguma vez na vida e metade tinha um parceiro.
Mas, por outro lado, um levantamento, divulgado por um
jornal do país, revelou que 70% dos
britânicos não iriam para a cama com alguém com algum tipo de
deficiência física.
Esse é um
preconceito comum. O deficiente é visto
como uma vítima eterna, um “coitado”, um ser
completamente assexuado.
Através do olhar dessa
jovem personagem, MARIA, que ficou
tetraplégica, em função de um acidente, somos levados numa
viagem em que a sexualidade é tão, ou
mais, explorada pelo corpo e suas incríveis terminações nervosas.
No início, envolta pela percepção dos limites que o novo
corpo lhe trazia, em meio a raiva e tristeza, não chegou a pensar em sexo. O
seu foco era reaprender o cotidiano, como comer, lidar com a sonda (cateter),
para esvaziar a bexiga, e escovar os dentes.
Até que, um
dia, começa a ficar encantada pelo seu acupunturista e, de uma certa maneira,
sente que ele lhe desperta a consciência sobre áreas de
seu corpo, que se tornaram mais sensíveis após o acidente.
Ela fica obcecada pelas próprias bochechas, pescoço e outras partes não convencionais do corpo, aprendendo, também, a decifrar, aos poucos, um novo mundo de fantasias e
sensações.
É
“ousadia” demais de JULIA! Santa
"ousadia"!!! É como mexer num vespeiro. Tudo, porém, por uma boa causa. Boa é
pouco; uma maravilhosa causa.
Inteligente
e sensível que é, JULIA tem a
consciência do bem que pode estar proporcionando a um nicho de público que, em
parte (os idosos), frequenta os teatros e a um outro, que, infelizmente, pelas
limitações de mobilidade, impostas por suas lesões físicas, encontra obstáculos
para o deslocamento às casas de espetáculo, sempre na dependência de terceiros.
Falo dos deficientes físicos, principalmente os cadeirantes.
É
impressionante o desenvolvimento do texto
deste monólogo! É fascinante o trabalho de mexer com o sensorial, de fazer com
que o público acompanhe e também sinta o desenvolver ou o renascer do desejo
sexual na personagem. E tudo é feito com tanta delicadeza, muita sutileza,
imenso respeito, total verdade...
Se
já no monólogo anterior, MICHEL nos
encanta, aqui, ele atinge uma plenitude total, em termos de interpretação.
Faz-se
necessário dizer que, em ambos os monólogos, vividos por personagens tão
diferentes, inclusive no sexo, o ator representa como um homem de sua própria
idade, sem efeitos de maquiagem, figurino e voz. É o ator representando dois
personagens muito distantes de sua real identidade, fazendo uso apenas de seus
recursos de ator, de grande sensibilidade e competência profissional. E o que é
melhor, fazendo com que vejamos LAURO
e MARIA à nossa frente.
Para
o brilhantismo do espetáculo, em muito, pesa a mão do diretor. PERALTA partiu para uma proposta de direção que parece dar bastante
autonomia ao ator de construir os personagens.
Os
responsáveis pelo projeto são MICHEL BLOIS, JULIA
SPADACCINI e VICTOR GARCIA PERALTA. “A direção e a dramaturgia foram criadas em conjunto, conforme a demanda da
interpretação. Os três
parceiros (...) se entrelaçam, criativamente, de modo a misturar as linguagens,
dando origem a uma montagem performática”.
O
que se pode depreender desse trecho, extraído do “release”? Pelo que me foi permitido ver, o espetáculo, ainda que
enquadrado na categoria TEATRO, pode
ser encarado como uma grande “performance”,
uma vez que propõe uma linguagem diferente da tradicionalmente encontrada no TEATRO.
O
ator está, praticamente, nu de
recursos. Utiliza apenas o seu corpo e a sua própria voz. E isso basta para
passar tudo o que é necessário, para dar o recado.
Achei
muito interessante a concepção do cenário
(ELZA ROMERO), que é montado pelo próprio ator, resumido a uma “traquitana”
de madeira, que pode ser uma bancada de marceneiro, uma cama, uma maca e uma
cadeira de rodas. Tudo numa só peça. Também está presente em cena, uma pequena
maleta, de madeira, de onde o ator retira ferramentas e materiais, para
“construir” o cenário, e algumas ripas, no chão. Ele serra,
prega, encaixa, constrói, cria formas.
O
figurino (TICIANA PASSOS) é básico: uma calça, uma camisa e uma jaqueta. Das duas últimas, o ator se
despe, para fazer o segundo monólogo, deixando o peito nu, que ele explora
sensualmente, como pede o texto.
WAGNER AZEVEDO criou uma luz tão simples e tão bonita quanto
eficaz e eficiente, que parecem sinônimos, mas não são.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Julia Spadaccini
Direção:
Victor Garcia Peralta
Diretora
Assistente: Flávia Milioni
Atuação:
Michel Blois
Iluminação:
Wagner Azevedo
Cenografia:
Elsa Romero
Figurino:
Ticiana Passos
Trilha
Sonora Original: Holograma
Projeto
Gráfico: Raquel Alvarenga
Assessoria
de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Assistente
de Assessoria de Imprensa: Mariana Casagrande
Foto e
Vídeo: Rodrigo Turazzi e Duda Paiva
Pesquisa
Dramatúrgica: Márcia Brasil
Cenotécnica:
Fátima de Souza
Operadora de
Luz e Som: Débora Thomas
Modelos para
Arte: Zuka Blois e Terra
Administração
de Temporada: Anna Bittencourt
Direção de
Produção: Aline Mohamad e Michel Blois
Realização:
Eu e Ele Produções Artísticas Ltda
SERVIÇO:
Temporada: De 09 de setembro a 02 de outubro de 2017.
Local: Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto.
Endereço: Rua Humaitá, 163 - Humaitá – RJ.
Telefones: (21) 2535-3846 / 2535-3927
Dias e Horários: Sábado, domingo e 2ª feira, às 19h.
Horário de
Funcionamento da Bilheteria: De 5ª a 2ª feira, das 17h às 21h.
Valor do ingresso: Ingresso: R$ 20,00 (inteira); R$10,00
(meia entrada).
Classificação Etária: 14 anos.
Capacidade: 20 lugares.
Duração: 50 minutos.
Gênero:
Drama.
“EUFORIA” é um espetáculo que merece uma vida longa e ser visto por
muitos idosos e deficientes físicos, e, mais ainda, por gente de todas as
idades, principalmente os mais jovens, e os chamados “sadios’, para que aprendam
muito com os personagens da peça sobre a sexualidade na terceira idade e nas
pessoas com comprometimentos físicos e reformulem seus conceitos.
Saí do Sérgio Porto em total estado de
graça.
(FOTOS: RODRIGO TURAZZI
E
DUDA PAIVA.)
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