THE PRIDE
(UM TEMA SEMPRE INSTIGANTE E
OPORTUNO, MUITO BEM DESENVOLVIDO.
ou
UM GRANDE MOTIVO DE ORGULHO!)
No
ano passado (2016), no final de
setembro, assisti a um espetáculo, já em fase de término de temporada.
Agradou-me muito, o que seria um passaporte para escrever sobre ele, entretanto
motivos alheios à minha vontade, que incluíam outros trabalhos e uma viagem,
fizeram com que eu abortasse a pretensão, ficando, porém, na expectativa e no
desejo de que voltasse ao cartaz.
Assim
ocorreu e “THE PRIDE” (literalmente,
“O ORGULHO”), voltou à cena, no Teatro Ipanema, já nos
derradeiros dias desta segunda temporada, infelizmente (VER
SERVIÇO.). E, apenas agora, consegui rever a peça e não poderia deixar de
comentá-la.
Partindo
do princípio que defendo, de que a boa qualidade de uma montagem teatral
depende, principalmente, da grandeza do texto,
“THE PRIDE” já contava com meio
caminho aberto para o sucesso. Não bastasse isso, ARTHUR BRANDÃO, idealizador
do projeto, acertou em cheio na escolha do time que, com ele, defenderia as
cores do arco-íris, a começar pela escolha de quem faria a brilhante tradução e adaptação do texto, de ALEXI KAYE CAMPBELL, para o português. Para tal tarefa, ninguém
melhor do que RICARDO VENTURA, o
qual teve a preocupação de manter todas as intenções do autor, abrindo mão de
alguns mínimos detalhes, que só seriam bem entendidos pelos espectadores
britânicos. RICARDO, em consenso com
ARTHUR e o diretor, VICTOR GARCIA
PERALTA, manteve o título original, “THE
PRIDE”, pois é com ele que a peça foi, e é, ainda, montada nos países que
não são de língua inglesa, em função de o termo “pride” ser universal, dentro do nicho LGBT, mas nos mostrou, dentro da nossa capacidade cultural de
percepção, “O ORGULHO”. Trata-se de
um “orgulho próprio.
ALEXI KAYE CAMPBELL é um dramaturgo
grego, radicado na Inglaterra. Já ganhou
muitos prêmios, com “THE PRIDE”,
escrita em 2008 e encenada, pela
primeira vez, no mesmo ano, em Londres,
produzida para o Royal Court Theatre Upstairs ,
iniciando-se, então, a sua coleção de prêmios pela peça. “THE PRIDE” é seu segundo texto
e já foi montado em vários países, como Estados Unidos, Austrália, Nova
Zelândia, Japão, Coréia do Sul, Brasil,
Itália, Suécia, Bélgica, Grécia e Alemanha.
Antes de se
dedicar à dramaturgia, CAMPBELL foi
ator. Ainda que não o tenha visto atuando, creio que a opção de deixar de ser
ator para escrever para o TEATRO foi
muito acertada. Sua arquitetura textual
é digna de elogios, quer na construção da trama, quer no desenvolvimento dela,
por meio de diálogos vivos, inteligentes, com bastante humor, ainda que, por
vezes, possa este nos levar a profundas reflexões, vizinhas do sentimento da
dor.
“THE PRIDE” é um drama atual e
universal, porque trata de um tema que, infelizmente, ainda é tabu, em quase todo
o mundo, a despeito dos avanços observados nos últimos anos. A homossexualidade e o que ela carrega,
consigo, de bom e de ruim (dependendo do ângulo de quem a enxerga ou a
vivencia), de prazeroso e de perverso, de acusações e culpas, tudo está presente
no texto em discussão. É claro que,
à garupa, vem a questão da autoaceitação, da autocondenação, dos dramas de
consciência, ligados a tantos fatores, como perdão, fidelidade, lealdade,
amizade, amor, atração carnal, promiscuidade e o questionamento acerca da
possibilidade de alguém gostar de se relacionar, sexualmente, com outro(a) do
mesmo sexo ser uma “opção” de cada indivíduo ou um traço patológico. CAMPBELL joga todas as cartas sobre a
mesa e nos permite pegar as que acharmos mais acertadas ou convenientes.
A questão da identidade de gênero é apenas, na peça,
um degrau inferior, para se atingir uma discussão mais elevada, que é a da identidade do ser humano como indivíduo.
Como e quem ser? Como alcançar a felicidade e por quais caminhos? A minha
felicidade depende só de mim ou está na dependência de outrem?
Por se passar
em duas épocas distantes em 50 anos, o texto
tenta nos mostrar os avanços e os retrocessos da sociedade em relação ao tema
e, principalmente, quanto aos direitos da população LGBT e ao respeito devido a ela.
SINOPSE:
Em “THE PRIDE”, temos dois
tempos: no passado (1958), somos confrontados
por um triângulo emocional tortuoso: PHILIP
(ARTHUR BRANDÃO) é um agente imobiliário, que está apaixonado por OLIVER (MICHEL BLOIS), um autor de
livros infantis, mas é casado com SYLVIA
(LISA EIRAS), uma ex-atriz, que trabalha com OLIVER, ilustrando o seu novo livro.
No presente (2008), os
nomes são os mesmos, mas os personagens são diferentes, o que pode confundir um pouco o espectador menos avisado e atento: o OLIVER do século 21 é um jornalista,
viciado em sexo com estranhos, praticado de forma promíscua, que vê seu
relacionamento com PHILIP, um
fotógrafo, à beira do fim, por conta do seu vício.
SYLVIA, sua melhor amiga, é uma atriz, heterossexual,
ainda que grande militante da causa “gay”,
com quem OLIVER vai desabafar
constantemente; ela ama os dois.
O passado é um fantasma no presente, assim como o presente é um
fantasma previsto no passado.
A alternância entre agudas cenas repressivas da década de 1950 e dos dias atuais revela como esses personagens vivem situações
parecidas, em que a culpa e a repressão aparecem de maneira contrastante. É
uma tentativa de o autor mostrar as mudanças do olhar da sociedade sobre a
sexualidade.
Extraído do “release” da peça,
enviado pela assessoria de imprensa
do espetáculo (MÔNICA RIANI): “Em
meados do século XX, a homossexualidade era crime previsto em lei (Acrescento: hoje, infeliz, inexplicável
e inaceitavelmente, ainda o é, em alguns países.). Mas, e no século XXI, o que
muda? ‘Hoje a liberdade sexual põe em xeque assuntos, como fidelidade, sexo
virtual e passageiro. ‘THE PRIDE’ examina
as mudanças comportamentais da sociedade pelo viés da sexualidade, ao focalizar
a intimidade, a identidade e a coragem que é necessária para ser quem você,
realmente, é. A peça nos lembra que, apesar dessas mudanças, o preconceito
ainda está conosco”, destaca ARTHUR
BRANDÃO, produtor, idealizador e
ator da montagem.
Um dos maiores méritos do espetáculo
é “contribuir
com a discussão, proposta na peça, sobre o preconceito e intolerância sofrida
pela comunidade LGBT, estimulando um diálogo/debate artístico e social, através
do TEATRO”. (Também extraído do “release”.)
Já bastante comentada a qualidade do
texto, devo tecer créditos elogiosos
à direção, precisa, de VICTOR GARCIA PERALTA, voltada para
projetar foco em cada um dos personagens, todos de excelente construção,
principalmente PHILIP, OLIVER e SYLVIA, e tirando partido das excelentes marcações, que giram em
torno de um elemento do cenário,
sobre o qual falarei adiante.
Ressalto que estava receoso, quanto à adaptação de
arena, como o espetáculo foi
originalmente apresentado, na Caixa
Cultural, para palco italiano,
porém, as alterações de marcas permaneceram excelentes, como antes.
Confesso que estou diante de uma
difícil tarefa, que seria a de apontar algum destaque no elenco, uma vez que o quarteto prima por uma excelente atuação. Não
consigo estabelecer comparações.
MICHEL BLOIS (OLIVER)
consegue, nos dois personagens que representa, passar tudo o que o texto pede e cria uma grande empatia
com o público. Apesar do sofrimento interior, faz dois personagens
assumidamente “gays” (alegres),
provocando risos, com o humor inteligente e cáustico dos dois.
ARTHUR BRANDÃO (PHILIP), por
sua vez, faz um brilhante trabalho, também nos dois personagens, conseguindo
impor, a cada um, características próprias e diferentes deles. É um grande
ator, de pouca penetração na mídia, conhecido e admirado, porém, por quem
frequenta teatros, por seu rendimento impecável em cena, mormente neste
espetáculo.
CIRILLO LUNA, outro ótimo
ator, de uma safra mais nova, se desdobra em três personagens, completamente
diferentes, o que lhe permite mostrar seus apreciáveis dons de representação. Ótimo
como o “RAPAZ DE ALUGUEL” (escolhi,
de propósito, o termo, sinônimo de “prostituto”, “michê”, “acompanhante”),
anônimo e vestido de nazista, o mesmo podendo ser dito com relação ao EDITOR, de uma revista, que quer
contratar OLIVER, para escrever um
artigo sobre homossexuais, para héteros, e ainda o estranho MÉDICO, que propõe um tratamento de
choque, para a “cura gay”.
Quanto à única atriz em cena, tive a oportunidade de ver SYLVIA ser vivida, primeiramente, por JÚLIA TAVARES e, agora, por LISA EIRAS, que substituiu a amiga,
aos 45 minutos do segundo tempo, o que lhe concede um mérito especial. Ambas se
saem muito bem na interpretação de suas personagens. Poucas vezes, vi uma
substituição dar tão certo, principalmente quando a atriz substituída já se
destacava no elenco. Parabéns a ambas, principalmente pelo grande desafio de
representar personagens diferentes e de complexas construções, com o cuidado de
que não escorregassem para um tom professoral ou caricaturesco.
Foto da primeira montagem, com a participação de Júlia Tavares.
Michel Blois, de pé, e Arthur Brandão, sentado.
Uma das grandes atrações deste espetáculo é o curioso, prático e
engenhoso cenário, de DINA SALEM LEVI, que se limita a um
banco diferente, de madeira, formado, na verdade por dois, um dentro do outro,
ligados e apoiados, numa das extremidades, por um mecanismo, que proporciona
mudanças de posições, feitas pelos próprios atores, como se fossem dois
ponteiros de um relógio, a marcar a passagem de meio século. Uma ideia
genial!!!
Tanto na primeira quanto na segunda temporada, em espaços diferentes, destaca-se
a boa iluminação de TOMÁS RIBAS, evidenciando cada situação
em cena.
CAROL LOBATO assina os
acertados figurinos, que mudaram um pouco de uma para outra temporada, embora, às
vezes, por imposição do próprio texto,
que exige muitas saídas e entradas, em cena, de três dos atores, a sobreposição
de peças sobre o figurino anterior,
para identificar um outro personagem, torne a composição (visagismo) do(a) personagem um pouco estranha. Mas nada que
comprometa o figurino, de uma forma
geral.
A peça conta, ainda, com uma cuidadosa trilha sonora, de ISADORA MEDELLA,
e um apropriado videografismo, a
cargo de VICTOR LEOBONS.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Alexi Kaye Campbell
Tradução e Adaptação: Ricardo Ventura
Direção: Victor Garcia Peralta
Elenco: Arthur Brandão, Cirillo Luna, Lisa
Eiras e Michel Blois
Cenografia: Dina Salem Levy
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: Tomás Ribas
Trilha Sonora: Isadora Medella
Videografismo: Victor Leobons
Fotos: Ricardo Brajterman
Designer Gráfico: Marcelo Mendonça
Produção: Arthur Brandão e Mariana Machado
Idealização: C.I.C. – Clube de Investigação Cênica
Realização: A Távola Produções
Assessoria de Imprensa: Mônica Riani
SERVIÇO:
Temporada: De 12 de abril a 11 de maio de 2017.
Local: Teatro Ipanema.
Endereço: Rua Prudente de Morais, 824, Ipanema, Rio
de Janeiro.
Dias
e Horários: 4ªas e 5ªs feiras, às 20h.
Horário de Funcionamento da
Bilheteria: A partir de uma hora antes do início do espetáculo.
Informações: (21) 2267-3750.
Valor
dos Ingressos: R$30,00
(inteira); R$15,00 (meia-entrada), para os casos previstos em lei; Ingresso
Amigo: R$10,00.
Duração: 100 minutos
Classificação Etária: 16 anos
O
público que aprecia bons espetáculos de TEATRO
não pode perder as duas últimas oportunidades de conferir o meu entusiasmo por
este espetáculo, que recomendo bastante.
(FOTOS: RICARDO BRAJTERMAN.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário