ELA
(QUANDO
NÃO CABE,
AOS ATORES,
AGRADECER AO PÚBLICO,
PELA
PRESENÇA.
ou
QUANDO
O PÚBLICO TEM A
OBRIGAÇÃO DE AGRADECER,
AO ELENCO E A TODOS
DA
FICHA TÉCNICA,
POR
UM PRESENTE VALIOSO.)
Minha
paixão pelo TEATRO é tão imensa,
que, quando saio de um espetáculo que, apesar de todos os esforços dos
envolvidos no projeto, foi um fracasso ou, simplesmente, ruim, sou acometido de
uma tristeza profunda, que puxa o meu “astral” para o fundo de um poço. Por
outro lado, também, quando acabo de ver montagens que irão me marcar para o
resto da minha vida, sinto-me sufocado, faltam-me palavras, para expressar toda
a minha alegria. Fico possuído por uma euforia contagiante, sinto-me quase a
flutuar e agradeço, aos DEUSES DO TEATRO,
por terem me conduzido àquele espetáculo, que me emocionou ao extremo e, como
no último domingo, me fez seguir o caminho, até a minha casa, sorrindo, para
quem eu não conhecia, no metrô, e me fez ter um sono tão leve e acordar mais
feliz, ainda, na manhã seguinte.
Há
três dias, saí, em estado de graça,
do Teatro III, do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, com a plena certeza de ter
assistido à sexta grande produção deste ano, por aqui, até agora, que merece a chancela de
“obra-prima”.
O
espetáculo em questão chama-se “ELA”
e já está sendo um grande sucesso, logo na semana de sua estreia, pelos motivos
que tentarei fazer desfilar, com o maior grau de rigor em detalhes, se o
conseguir. Isso, porque tudo o que eu disser sobre a peça será pouco. Não é
para se ouvir falar sobre ela ou para se ler sobre ela; é para se assistir a “ELA”.
Tudo
começa por onde tem, realmente, de começar, ou seja, pelo magnífico texto, de MÁRCIA
ZANELATTO, que, só pelo fato de ser genuinamente nacional (não uma tradução
ou adaptação) e ser universal (faria sucesso em qualquer língua, se montada a
peça em outros países) já ganha destaque, em relação aos outros que me
agradaram, sobremaneira, este ano, até o momento.
QUE TEXTO!!!
MÁRCIA aborda um tema, com muita
delicadeza e, ao mesmo tempo, comprimindo seu indicador numa ferida incurável e
na qual poucos se sentem à vontade para tocar. Falar de dramas que envolvem
doenças, principalmente as incuráveis, é uma seara difícil de ser percorrida.
Não para MÁRCIA, que o faz de uma
maneira ímpar, lindamente.
O
título da peça já é genial. “ELA”, como
pronome pessoal, e não um nome próprio específico, poderia, de uma maneira
generalizada, se referir a uma das protagonistas, representando todas as
pessoas (ELA = pessoa) que contraem
uma terrível doença degenerativa, conhecida como “ELA”, que parece ser a intenção da autora, ao batizar seu texto.
Elisabeth Monteiro.
ELA é uma sigla, que significa “Esclerose Lateral Amiotrófica”. Seu
significado está contido no próprio nome: Esclerose significa endurecimento e
cicatrização. Lateral refere-se
ao endurecimento da porção lateral da medula espinhal. Amiotrófica é
a fraqueza, que resulta na atrofia do músculo. Ou seja, o volume real do tecido muscular diminui. Dessa forma, a ELA significa fraqueza muscular secundária, por comprometimento dos neurônios motores.
A
principal característica da ELA
reside na degeneração progressiva dos
neurônios motores no cérebro (neurônios motores superiores) e na medula
espinhal (neurônios motores inferiores), ou seja, estes neurônios perdem
sua capacidade de funcionar adequadamente (transmitir os impulsos nervosos).
Os neurônios
são células nervosas especializadas, diferente das outras células do corpo
humano, responsáveis pelos movimentos de contração e relaxamento muscular. Quando os neurônios motores não podem mais
enviar impulsos para os músculos, começa a ocorrer uma atrofia muscular,
seguida de fraqueza muscular crescente.
A
doença compromete o raciocínio intelectual, a visão, a audição, o paladar, o
olfato e o tato. Na maioria dos casos, a Esclerose
Lateral Amiotrófica não afeta as funções sexual, intestinal e vesical.
Perdão, pelo
tom didático, que me consumiu muitas linhas, para, valendo-me de pesquisas,
falar sobre a doença, mas achei que isso fosse pertinente, para que se entenda
a extensão do trabalho de MÁRCIA, a
qual, sem utilizar tantas palavras, como eu fiz, e num viés bem objetivo, em
linguagem para leigos no assunto, também o faz no seu valioso texto.
Elisabeth Monteiro / Clara.
CLARA (ELISABETH
MONTEIRO) e ISABEL (PATRÍCIA ELIZARDO) são lindas,
jovens, talentosas e vivem uma grande relação de amor.
Mas o sentido da vida entra em xeque, para elas,
diante do diagnóstico de ELA, uma
doença degenerative, que se manifesta em CLARA.
Cada vez mais ausente, fisicamente, o tempo de CLARA se expande em sua vida interior,
comparecendo, em cena, através de memórias e delírios, que nos fazem pensar no
que seja a mente humana.
Enquanto isso, com o apoio de PAULA (PATRÍCIA ELIZARDO), médica e
amiga de infância, ISABEL dá conta
da realidade, galgando íngremes fronteiras, com poder e coragem, que jamais
soube que poderia ter.
Embora a doença as tenha enfraquecido, física e
emocionalmente, a ELA fortaleceu os
laços de amor que as une.
Clara (Elisabeth Monteiro) e Isabel (Carolina Pismel) se beijam,
sob o olhar de Paula (Patrícia Elizardo).
De acordo com o “release” da peça, enviado pela assessoria de imprensa (NEY MOTTA), “o
espetáculo parte da investigação, na qual a equipe está imersa, sobre a
Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) (...) e busca tocar o espectador, com leveza, humor e
otimismo, nessa história de extraordinária coragem e impotência, diante da ‘doença
misteriosa’”.
A temática de ELA já foi abordada, anteriormente, em filmes, como “Teoria
de Tudo”, baseado na biografia de Stephen
Hawking; “Um Momento Pode Mudar
Tudo”; e “Transfatty Lives”, mas,
até onde sei, é a primeira vez que o assunto é abordado, e de forma brilhante,
num palco; pelo menos, no Brasil.
Acima de tudo, ao que me parece, a peça tem a intenção
de chamar a atenção do público para essa terrível doença, promovendo uma
reflexão sobre as relações humanas em diálogo com a realidade imediata.
“Fique tranquilo, nada está sob controle.” Foi essa a conclusão a que MÁRCIA ZANELATTO chegou, estudando o tema, que lhe foi proposto
por PAULO VERLINGS, a Esclerose Lateral Amiotrófica. Sim, o texto foi encomendado. “Uma
doença é algo que nos mostra que o mistério da vida é incontrolável, que nada
está garantido em nenhum momento. E, agora? Bem, agora, nos resta escolher
melhor os problemas que vamos ter e viver cada segundo, com a gratidão e o
entusiasmo de quem está vivendo o último. Uma receita simples de livro de autoajuda
como essa pode
ser a decisão mais revolucionária que se pode tomar. Pode mudar tudo. Pode
mudar sua vida. Pode mudar, até mesmo, o mundo. Assumir a morte como
conselheira pode mudar nossa relação com a única coisa que, realmente, temos
aqui: o tempo”, comenta MÁRCIA.
E continua: “O desafio que o PAULINHO me fez, de
escrever uma peça de TEATRO sobre uma doença que tira toda a expressão física
de uma pessoa, é a maior provocação que eu já recebi, como dramaturga, porque a
doença é, em si, o antiteatro”.
Escritora e dramaturga, premiada tantas vezes,
não resta a menor dúvida de que este é o melhor texto de MÁRCIA ZANELATTO,
pela delicadeza e cuidado, no trato do tema, além da clareza como ele é
mostrado, por meio de diálogos muito simples, na forma, e profundos, no
conteúdo, capazes de prender a atenção do especatador, desde a primeira cena,
que nada mais é do que uma das quarto aparições reflexivas da personagem
acometida pela ELA, CLARA, uma bailarina e coreógrafa.
A abordagem da temática, em si, já é
interessantíssima. MÁRCIA poderia
ter criado o conflito, envolvendo um casal heterossexual, idoso, tendo o marido
como o portador da doença, já que esta, normalmente, se manifesta mais nos
homens, brancos, na faixa etária acima dos 60 anos. E essa vítima poderia ter
uma profissão liberal, por exemplo. Mas o que fez ela? Cria mecanismos
dramáticos, para a valorização de seu texto.
E acerta em cheio!!!
Elegeu, como a enferma, uma bailarina,
coreógrfa, de 32 anos, lésbica, cheia de vida interior e vivendo um lindo caso
de amor com sua companheira, ISABEL.
Pode parecer, até, crueldade, por parte da autora, entretanto nada surgiu por
acaso.
Patrícia Elizardo.
A precocidade, na manifestação da doença, além
de ser um fator “complicador” para o enredo, é um indicativo de que a vida é um
sopro, frágil, tênue, que pode se esvair no espaço, quando menos esperamos; que
ninguém está livre de ter sua trajetória de vida impactada, bloqueada por um
infortúnio, que não atinge postes ou seres inanimados, em geral.
A profissão da personagem é outro elemento que
potencializa a questão. Como
uma doença que limita os movimentos pode encontrar, logo, o endereço de alguém
que vive, profissionalmente, deles? Isso é muito forte.
E o fator do gênero, uma mulher que ama outra,
é um gancho para que a autora possa pôr um foco sobre um assunto tão em
evidência, que merece, mais e mais, estar em pauta, para que se possa discutir
o respeito às diferenças, ao ser humano, quanto à sua sexualidade. Sem levantar
bandeiras, MÁRCIA mostra uma relação
homoafetiva tão bonita, tão saudável, tão respeitosa, que não chega a ser
quebrada, mas que se vê abalada pela invasão de uma “intrusa” indesejável. A
doença as fortalece, na relação, mas cobra um alto preço por isso.
A engrenagem do texto é ótima, com cenas curtas, impactantes, sem nenhuma gordura.
O espetáculo dura justos 60 minutos,
mais que suficientes para deixar a plateia acesa, elétrica, aturdida e cúmplice
das personagens. MÁRCIA não perde a oportunidade de jogar com um pouco de humor
e de fazer críticas, pessoais e políticas, a nomes e instituições presentes nos
noticiários de hoje. Um trabalho esmerado, de mestra. Adiante, falarei da
importância do texto, valorizando
algumas cenas que não me saem da retina e do coração.
Outro primor é a direção, de PAULO
VERLINGS, excelente ator, em todas as mídias, em seu segundo trabalho nessa
área. O primeiro foi em 2016, quando
dirigiu “Alguém Acaba de Morrer Lá
Fora”, texto de Jô Bilac. VERLINGS demonstrou ter assimilado, profundamente, as intenções de MÁRCIA e, com muita sensibilidade, foi
tirando a trama do papel, materializando-a, de forma inventiva e bela.
A dobradinha MÁRCIA / PAULO foi perfeita e sugiro que
se repita.
Falar da interpretação do trio de grandes
atrizes é uma função assaz fácil e simples. Bastaria dizer que o trabalho
apresentado por CAROLINA PISMEL, ELISABETH MONTEIRO e PATRÍCIA ELIZARDO é daqueles que mexem
com a sensibilidade de quem saber apreciar a arte de representar. Cada uma
delas compõe, de forma brilhante, sua personagem, igualando-se, no nível de
interpretação, com um levíssimo destaque para CAROLINA, talvez, por conta da magistral cena em que ela “discute”
com Deus, pela “sacanagem” dEle para com ela, tirando-lhe o que de mais
precioso ela poderia dispor: seu grande amor, e na flor da idade.
Já tive a oportunidade de
ver CAROLINA atuando, em papéis
totalmente diferentes, e se saindo tão bem em todos, que este é mais um para
provar a sua grande versatilidade, como intérprete.
Isabel (Carolina Pismel) "discutindo com Deus.
ELIZABETH carrega o grande mérito de
emocionar o público, sem se deixar vitimizar, sem permitir que a personagem caia nas
raias do piegas, do chato. Para isso, conta com o auxílio do texto. Seu amor por ISABEL é tão grande, que ela é capaz de
mentir para a companheira, fingindo não mais amá-la e desejando terminar o
relacionamento, apenas para não a fazer sofrer. Geralmente, os pacientes com ELA se cercam de pessoas ligadas à
vida, raramente ficam deprimidos, são pessoas especiais e apaixonantes, buscam
esclarecimento e novas possibilidades de tratamento para a doença, e
principalmente lutam, constantemente, pela dignidade de vida.
PATRÍCIA, apesar de eu sempre ter gostado do que ele me ofereceu,
no palco, se presta ao seu melhor trabalho, como atriz, superando as minhas
expectativas, que já eram muitas.
Esta peça conta com um cenário e uma luz que chamam a atenção de qualquer um, pela simplicidade,
criatividade e genialidade. Duas obras-primas,
principalmente o cenário, que leva a
assinatura, de MINA QUENTAL e ATELIER NA GLÓRIA.
O cenário é formado por apenas três estruturas, três painéis,
confeccionados com tubos de PVC, de calibres (não sei se é o correto nome técnico)
diferentes. Todos com lâmpadas nas extremidades. Eles são móveis, em determinados
momentos, avançando e recuando, em direção ao centro do palco, participando,
plasticamente, das emoções expressas e/ou sugeridas pelas cenas, assim com
ocorrem variações de intensidade e piscares das lâmpadas. Representam, em suma,
a indecifrável e frágil engrenagem da mente humana, o cérebro humano em ação.
A iluminação leva a grife de FERNANDA MANTOVANI e TIAGO MANTOVANI.
A iluminação leva a grife de FERNANDA MANTOVANI e TIAGO MANTOVANI.
MARCELLO H, aqui, nos brinda com seu terceiro grande trabalho de direção musical, neste primeiro
semestre, o que já o credencia a prêmios. É impressionante o grau de sensibilidade
e de percepção ativa de MARCELLO, para
escolher e selecionar os estímulos sonoros adequados a cada cena!
Um crédito precisa ser
dado a LAVÍNIA BIZZOTTO, no que diz
respeito à direção de movimento, com
destaque para a segunda cena da peça. Belíssimo trabalho!
Os figurinos são de FLÁVIO
SOUZA, que, mais uma vez, consegue acertar a mão, com precisão e adequabilidade.
VINI KLESSE, no visagismo,
e VERÔNICA MACHADO, na preparação vocal, também contribuem
para a grandeza do espetáculo.
Além das, já mencionadas,
cenas de destaque, da “conversa” entre ISABEL
e Deus e a primeira aparição reflexiva de CLARA,
são bastante interessantes a cena da conversa entre PAULA e outra médica, mais experiente, sobre a doença e o futuro da
enferma, utilizando a moderna tecnologia de comunicação virtual, “on line”, com o uso de um “lap top”, e as outras duas cenas
reflexivas de CLARA, principalmente
a terceira, quando ela relembra os momentos mais felizes de sua vida, desde a
mais tenra infância.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Márcia Zanelatto
Direção: Paulo Verlings
Elenco: Carolina
Pismel, Elisabeth Monteiro e Patrícia Elizardo
Cenário: Mina Quental
Direção Musical: Marcello H
Direção de Movimento: Lavinia Bizzotto
Figurino: Flávio Souza
Iluminação: Fernanda e Tiago Mantovani
Preparação Vocal: Verônica Machado
Visagismo:
Vini Kilesse
Assistente de Direção: Jorge Florêncio
Designer Gráfico: Daniel Barboza
Fotos e Vídeo de Divulgação: Elisa Mendes
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Produção: Tiago Mantovani e Jéssica
Santiago
Realização: Nota Jazz Produções Artísticas e 9 Meses Produções Artísticas
Apoio: Centro Cultural Banco do
Brasil
SERVIÇO:
Temporada: De 4 a 28 de maio (2017).
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) (Teatro III) – Rio de Janeiro .
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66, Centro, Rio de Janeiro .
Telefone: (21) 3808-2020.
Venda
na bilheteria: De 4ª a 2ª feira, das 9h às 21h (ou pelo “site” www.ingressorapido.com.br
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira)
e R$10,00 (meia-entrada)
Classificação Etária: 14 anos
Duração: 60 minutos
Gênero: Drama
Não
restam dúvidas de que “ELA” não é
espetáculo para ficar apenas um mês em cartaz, com espectadores disputando
ingressos de possíveis desistências. Merece novas temporadas, em espaços que
comportem um número maior de pessoas, pelo que torço bastante, invocando, mais
uma vez, a ajuda dos DEUSES DO TEATRO.
Márcia Zanelatto (Dramaturga).
Paulo Verlings Diretor).
(FOTOS: ELISA MENDES.)
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