LILI
(POR AMOR OU...
ou
UMA QUESTÃO DE GÊNERO.)
Há histórias que
parecem ficção, e não o são. Histórias incríveis, principalmente pela época em
que aconteceram. A de LILI ELBE, por
exemplo, é algo que merece muita atenção e respeito. As considerações que
traçarei sobre um belíssimo espetáculo de TEATRO,
“LILI”, em cartaz, no Mezanino do SESC Copacabana, têm LILI ELBE como fonte de inspiração e de
criação, já que a concepção dramatúrgica
se baseou em seus escritos, reunidos num diário, publicado em 1931.
LILI, cujo nome de batismo era EINAR WEGENER,
nasceu na Dinamarca,
em 28 de
dezembro de 1882, e morreu em Dresden,
na Alemanha, no dia 13 de
setembro de 1931, aos 49 anos de
idade. Artista plástica de sucesso, LILI
tornou-se conhecida, por ser, ao que tudo indica, a primeira mulher transexual a submeter-se a uma cirurgia genital, após a
qual ela, legalmente, abandonou seu nome de nascimento e adotou a identidade LILI ILSE ELVENES. Mesmo com seu
talento, decidiu abandonar a pintura, numa tentativa de “enterrar”, para
sempre, qualquer vestígio de sua antiga identidade, como EINAR.
Embora, por suas
características físicas, lhe tenha sido atribuído, ao nascer, oficialmente, o sexo
masculino, era, na verdade, intersexual,
por apresentar características tanto masculinas como femininas. Casou-se, aos
21 anos de idade, em 1904, com outra mulher, GERDA GOTTLIEB, esta com 19, tendo sido o casamento anulado, depois da transição de gênero, e reconhecida, legalmente,
a sua identidade como mulher. Ambas trabalhavam como ilustradoras: ELBE especializada em paisagens e GERDA ocupava-se em fazer ilustrações
para livros e revistas de moda
ELBE se vestiu com roupas consideradas
femininas, pela primeira vez, quando GERDA
não encontrou uma modelo para fazer uma ilustração, sendo recorrente, desde então,
seu apoio à fluidez do marido entre os gêneros.
LILI ELBE faleceu em consequência de
complicações pós-operatórias, que surgiram meses após sua quinta cirurgia de
readequação sexual (mudança de sexo),
numa tentativa de transplante de útero.
Em 2015, foi produzido um filme sobre a sua vida, que fez muito
sucesso e que, no Brasil, ficou conhecido como “A Garota Dinamarquesa” (“The Danish
Girl).
SINOPSE:
Em cena, os atores DARWIN DEL
FABRO (EINAR WEGENER / LILI) e SUZANA
CASTELO (GERDA GOTTLIEB) contam uma surpreendente, linda e comovente história
de amor, tolerância e cumplicidade entre dois artistas plásticos, a qual tem,
como foco principal, a transformação de identidade do marido, EINAR, para se transformar em LILI ELBE, conhecida como uma das
primeiras pessoas a se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo, se não for a
pioneira, no início do século 20.
“LILI” se concentra na história de amor, arte e identidade dos já
citados artistas EINAR WEGENER (1882-1931) e GERDA GOTTLIEB
(1889-1940) – ele, um homem, que ousou seguir o seu desejo mais profundo e
transformou-se numa mulher, e ela, uma mulher à frente do seu tempo, que o
apoiou incondicionalmente.
Tendo, como pano de fundo,
os anos 1920/30, a peça mergulha na
história de um casamento incomum, que transcendeu os limites de sexo e gênero,
numa época em que pouco se compreendia sobre a transexualidade e as diferentes
identidades de gênero.
Mais do que falar destes
dois artistas, a peça fala da relação entre eles, de como a
transformação do artista EINAR na mulher LILI vai dando novo
significado à história de amor entre os dois –
ou as duas - e de como a arte vai contribuindo para essa repactuação entre
elas.
“LILI” pretende refletir sobre este jogo que se estabelece entre os
dois personagens e que transcende todos os limites do, então, socialmente
aceito.
Vivemos um momento em que tudo o que
gira em torno do tema “identidade de gênero”
desperta interesse e curiosidade, gerando discussões e reflexões, com o objetivo
de diminuir ou, se possível, ainda que utópico, esclarecer todas as dúvidas,
sobre o assunto, que existem, e que são muitas, entre pessoas de todas as
origens e formações culturais, o que significa que o espetáculo em tela é de
uma importância mais que relevante. “O amor de GERDA e EINAR, ou o amor de GERDA
e LILI, ampliou, há quase 100 anos, a compreensão do público da época sobre a
questão de identidade de gênero”.
Não assisti ao filme, porém, por uma enorme
coincidência, uma amiga o fez, pela TV a cabo, poucos dias antes de irmos ver a
peça, tendo ficado muito empolgada com a fita e me contado o enredo. Fiquei,
também, bastante curioso pelo espetáculo teatral e surpreendido, não pela
história, em si, mas pela época em os fatos aconteceram e por toda a
compreensão e o apoio que a mulher de EINAR
/ LILI lhe deu, para que pudesse
se realizar, como mulher.
Pareceu-me,
pela peça, que o desejo “insano” de LILI,
para os padrões da época, de se assumir, esteticamente, fisiologicamente, como
mulher se ligava mais a uma autoafirmação, quanto ao gênero que mais pesava, na
sua balança interior, do que, propriamente, ao sexo, para a prática do sexo, no
papel feminino. Na relação entre o casal -
reforço que só estou me referindo à peça –, percebe-se muito mais carinho,
ternura, cumplicidade, entre os dois, do que uma atração físico-sexual, recíproca,
nos papéis de macho e fêmea ou, até mesmo, do ponto de vista da homoafetividade.
Recentemente, comentando
a peça, com um amigo, pensei numa possibilidade da
existência de alguma patologia ou fetiche, por parte da esposa, ideia esta que,
até agora, dentro da minha cabeça, está duelando com a crença de que ela concordou
em participar dos planos do marido, assim como, da forma mais natural possível,
o aceitou como ele era, ou quem ele era (na verdade, ELBE já se dera conta de sua real condição genérica desde muito
antes) por amor a ele. Fica, para mim, um pouco de dúvida. Se, confirmada a
segunda hipótese, trata-se, realmente, de algo mais que inusitado, para os padrões
sociais da época, rendendo, a GERDA,
todo o meu respeito e admiração. Acho que é mais um viés a ser discutido, na
trama.
Considero, por
experiência própria, que a adaptação
de uma obra literária, ou algo do gênero, para os palcos, não é nada fácil.
Passar toda a emoção e os detalhes de uma narrativa para diálogos carece de
muita técnica e experiência, o que não falta a WALTER DAGUERRE, que, mais uma vez, com sua dramaturgia, marca um gol de placa neste trabalho. São curtos e
dinâmicos, sob a ótica da compreensão, os diálogos, carregados, porém, de muita
expressividade, às vezes, deixada nas entrelinhas.
A direção, de SUSANA RIBEIRO, está afinada no mesmo diapasão utilizado por DAGUERRE. Existe uma total integração
entre o que o dramaturgo quer passar
e o trabalho executado pela direção,
para que tal intento fosse alcançado. SUSANA
prendeu-se a uma proposta de interpretação mais minimalista
e desprovida de qualquer excesso, quer nas marcações, quer nos gestos e nas
expressões dos actantes. Optou por explorar, ao máximo, um ar de leveza, de
delicadeza, de pureza de que a história se reveste. Há cenas, concebidas pela diretora, de uma beleza ímpar, de um
lirismo superlativo, que faz do espetáculo uma inesquecível encenação.
Quanto aos
atores, DARWIN DEL FABRO e SUZANA
CASTELO, idealizadores do projeto, no que diz respeito à atuação do casal,
não são necessárias muitas palavras, não preciso de uma adjetivação abundante,
para dizer que ambos estão perfeitos em cena, em interpretações comoventes, convincentes
e brilhantes.
As expressões, faciais e corporais, de DARWIN alcançam um limite de perfeição,
que o tornam uma mulher, de forma natural, sem o histrionismo, presente na
maioria dos travestis. Sim, porque, para LILI,
o ser mulher, antes do plano físico, já existia, no(a) personagem, de forma
assumida, como identidade de gênero. O caricato não passa nem pela calçada do SESC Copacabana.
SUZANA
CASTELO, amiga de longa
data de DARWIN, também compôs a
personagem bem próximo ao que ela parece ter sido, na vida real. Ambos se
complementam, em harmonia cênica. Os sentimentos, todos bons, transbordam na
atuação da dupla.
Com o objetivo de embalar as cenas, foi
muito acertada a escolha de RICCO VIANA,
para compor a música original e
assumir a direção musical do
espetáculo.
A delicadeza dos gestos, seu ritmo, o
deslocamento dos atores, em cena, identificam a marca do lindo trabalho de direção de movimento de RENATO VIEIRA, sem dúvida alguma, um
dos pontos altos da peça.
A cenografia, assinada por BELI ARAÚJO, inspirada na obra da
grande artista plástica Lygia Pape,
é prova de como o simples pode ser belo e significativo. Em forma de uma
instalação, sem nenhuma sofisticação, os vários “quadros”, feitos com fitas
elásticas, pendentes, esticadas, lado a lado, verticalmente, dialogam com a
correta iluminação, de RODRIGO BELAY. Em cena, ainda, um belo
canapé, uma réplica de um móvel de época.
Esses dois elementos plásticos da peça correm numa
fluência estético-poética, complementada pelos lindos figurinos, de ANTONIO MEDEIROS, leves e delicados, em tons pastéis,
não, propriamente, reproduzindo as roupas, masculinas e femininas da época, porém
concebidos, com total liberdade, apenas com alguns toques, percebidos em detalhes
que fazem referências à época.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Walter Daguerre
Direção: Susana Ribeiro
Elenco: Darwin Del Fabro e Suzana Castelo
Música Original e Direção Musical: Ricco
Vianna
Direção de Movimento: Renato Vieira
Cenografia: Beli Araújo
Figurinos: Antônio Medeiros
Iluminação: Rodrigo Belay
Preparação vocal: Rose Gonçalves
Criação de Acessórios: Paulo Bijoux
Programação Visual: Andréa Batitucci
Produção Audiovisual: Bruno Heitor
Mídias Sociais: Leo Ladeira
Fotografia: Lúcio Luna e Emmanuelle Bernard
Preparação Corporal: Manoela Cardoso
“Coach”
de Pintura: Pablo Ferretti
Orientação Fonoaudiológica: Verônica Machado
Direção de Produção: Alice Cavalcante –
Sábios Projetos
Produção Executiva e Assistente de Direção:
Luísa Reis
Idealização e Produtores Associados: Darwin
Del Fabro e Suzana Castelo
Realização: Sábios Projetos e SESC Rio
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação
- João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: De 2 a
20 de novembro
Local: SESC Copacabana - Mezanino
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 –
Copacabana / Rio de Janeiro
Tel: (21) 2547-0156
Dias e Horários: De 4ª feira a sábado, às 21h, domingo às 20h (Excepcionalmente,
no dia 12 de novembro, haverá sessões às 18h e às 21h, e, nos dias 19 e 20 de
novembro, as sessões serão às 18h.
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira), R$10,00 (meia-entrada) e R$5,00
(comerciários)
Horári de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 15h às
21h
Capacidade: 70 lugares
Duração: 75 mintos
Gênero: Drama
Classificação Etária: 16 anos
Ousadia e coragem não faltaram aos protagonistas da história, porém também
estão presentes, intensamente, em DARWIN
e SUZANA, quando idealizaram este
lindo espetáculo, que prima pela simplicidade e beleza, dois elementos que o
credenciam a fazer parte da lista das boas produções da safra de 2016, motivo pelo
qual eu o recomendo, e com muito empenho.
(FOTOS: LÚCIO LUNA
e EMMANUELLE BERNARD.)
(Arquivo particular: Com Darwin Del Fabro,
Renato Mello e Suzana Castelo
- foto de Marisa Sá.)
obrigada querido por suas palavras! Vida longa pra LILi!
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