CENAS
DE UM CASAMENTO
(O
RESUMO DE
UMA INFINDÁVEL “DR”.)
“CENAS DE UM CASAMENTO”, na verdade, surgiu
como um seriado para a TV sueca, em seis episódios, tornando-se, depois, no
início dos anos 70, um longa-metragem, com cinco horas de duração, escrito e
dirigido por um gênio da telona, INGMAR
BERGMAN, acabando por ganhar os palcos.
Transpor um
roteiro cinematográfico para o TEATRO
parece-me uma tarefa mais difícil que o contrário e não pode cair nas mãos de
gente de pouco entendimento. Ainda mais difícil é condensar (traduzir e
adaptar) uma obra cinematográfica de cinco horas de duração num espetáculo
teatral que dura apenas 90 minutos, sem que o seu fio condutor seja rompido ou
deturpado.
90 minutos de “DR”.
MARIA ADELAIDE AMARAL, com seu enorme
talento de dramaturga e experiência em adaptações, tomou para si a tarefa de levar, para o
palco, um texto que trata de tudo o que envolve a vida conjugal de um casal em
crise, uma verdadeira “DR” (discussão de
relacionamento) que parece nunca ter fim.
O
espetáculo está em cartaz, no Teatro Ipanema,
até o dia 15 de novembro, de 6ª feira a domingo, sempre às 20h, com direção de BRUCE GOMLEVSKY e
contando com JULIANA MARTINS e HEITOR MARTINEZ, interpretando o casal
MARIANNE e JOHAN.
Uma pausa na crise?
SINOPSE:
“CENAS DE UM CASAMENTO” é um potente relato das relações amorosas,
que atravessa o tempo e revela sua atualidade. Um quadro da relação de amor de JOHAN (HEITOR MARTINEZ) e MARIANNE (JULIANA MARTINS) e uma das
obras fundamentais do cineasta sueco INGMAR
BERGMAN, com tradução de MARIA
ADELAIDE AMARAL.
O texto traça um retrato
das dores e delícias da trajetória de vida do casal JOHAN e MARIANNE, ambos bem-sucedidos, profissionalmente, e levando,
aparentemente, uma vida confortável, num casamento quase ficcional.
Dez anos casados, duas filhas, a crise, a banalidade e os abismos do
ambiente doméstico.
Um belo dia, JOHAN diz à esposa que vai abandoná-la,
sair de casa, para viajar com uma amante, por quem está apaixonado. A partir
dessa revelação, algumas situações vêm à tona, um tsunâmi se instaura entre os
dois e o que vinha sendo varrido para debaixo do tapete, tratado mornamente,
entra em ebulição, apenas para confirmar o que não havia sido, ainda, visto,
por eles, ou, de propósito, ignorado: o casamento já vinha se deteriorando,
havia tempos, desgastando-se, aos poucos, caindo na rotina.
Uma radiografia das relações amorosas: o casamento ideal, a separação
e o reencontro, quando eles, já casados com outras pessoas, finalmente
entendem, talvez um pouco tarde demais, o que é o amor.
Temas como amor, idealização,
separação, reencontro, ressentimento e redescoberta são os assuntos expostos
num texto contemporâneo, sobre o amor, com dois personagens fascinantes – seja
pelas suas qualidades e ou pelos seus defeitos extremamente humanos - e que
reúnem, em si, semelhanças com quaisquer outros homens e mulheres que estejam
na plateia.
A saída? Onde está asaída?
Nunca assisti
ao filme, nem pretendo fazê-lo, por não ser muito fã de cinema, ainda mais que
sua duração, de 300 minutos (299, precisamente, como diz a sua ficha técnica),
não seria, para mim, um atrativo, mas sei que, no original, há nove
personagens, resumidos a apenas dois, no palco, o casal de protagonistas, assim
como foram suprimidas muitas cenas consideradas importantes na trama, segundo
os amantes da Sétima Arte. Concluo, então, que a peça seja “baseada no filme” e não “uma
versão do filme”. Mas isso não importa; é uma história a ser contada.
Parece que
(não sou eu quem está dizendo; ouvi de terceiros) MARIA ADELAIDE manteve-se bem fiel ao estilo dos diálogos
originais, porém, não acredito que BERGMAN
tenha escrito frases e criado algumas situações que provocam gargalhadas na
plateia, como acontece na peça. Parece-me que esses momentos de descontração, de
piadas inteligentes, o toque de humor e ironia, tornam o texto menos pesado (eu
diria “enfadonho”), contribuições de MARIA
ADELAIDE. Isso representa, a meu juízo, um grande mérito nesta adaptação.
Juliana Martins.
Independentemente
de tudo o que merece elogios, neste espetáculo, o que será detalhado adiante, a
mim, muito particularmente, a temática não me agrada, e penso que, apesar do
grande encurtamento, ainda acho bastante monótona a repetição do tema, uma “DR” que parece não ter fim. Talvez
coubesse mais um pouco de economia no texto. Sei que posso provocar a desaprovação
de muitos, mas não consigo fugir à sinceridade.
É certo que
boa parte do público, a maioria, talvez, há de se identificar com os diálogos
dos protagonistas. Pode ser que a ida ao teatro ajude alguns casais em crise a
resolver suas contendas ou contribua para pôr uma pá de cal em relacionamentos
abalados. Mas isso é problema de cada um. Não é o meu, já resolvido faz tempo.
Valeria a pena recomeçar?
Sinceramente,
não sei o que dizer sobre a direção,
de BRUCE GOMLEVSKY, a não ser que,
se não me desagradou, também não consegui enxergar, nela, nenhum aspecto que
merecesse um destaque. Por outro lado, não há nada que a desabone. Um grande
diretor, tanto quanto ator, a direção
de “CENAS DE UM CASAMENTO” está
aquém de tantos outros brilhantes trabalhos assinados por ele (poderia
relacionar muitos), mas é bastante honesto e dentro dos padrões de aceitação.
Acho que seu maior mérito reside em saber administrar a intensidade da carga
emotiva que a dupla de atores levou para a cena. Achei um pouco exagerada a
quantidade de bebidas que o casal ingere durante toda a peça, incessantemente.
Totalmente inverossímil. Se o líquido cenográfico fosse trocado por bebidas
alcoólicas, de verdade, os atores terminariam em coma alcoólico.
Aqui, está, no
meu entendimento, o melhor desta encenação: a ótima atuação de JULIANA MARTINS e HEITOR MARTINEZ. Ambos, num mesmo nível de atuação, demonstram uma
entrega total aos personagens, e o fazem com muita naturalidade, dando a
impressão de que estamos diante de uma longa conversa improvisada, longe de um
texto decorado.
JULIANA, que também é a idealizadora do projeto, interpreta uma
mulher, aparentemente, acomodada, um tanto submissa, ingênua e contida, que vai
se transformando em outra pessoa, vai ocupando espaços, após a separação,
reconhecendo seus direitos e deveres, como boa advogada, especializada em casos conjugais, amadurecendo emocionalmente, transição que ela representa com correção.
Marianne.
HEITOR também transita, muito bem, na
sua transformação, de um homem igualmente acomodado, bem mais que a esposa, com um
casamento morno, conformado com o cotidiano, não muito disposto a lutar por um
“up” na relação, até porque, insatisfeito em casa, vai buscar, na rua – e esse
filme já é, por demais, conhecido – uma compensação, numa amante, achando que a
situação de desgaste na relação é irreversível e que a única solução seria
recomeçar uma vida conjugal com outra parceira e fora de seu país. É visível a
evolução do personagem, quando toma tal atitude, notada no conjunto do seu
comportamento, chegando bem próximo ao que se pode chamar de um (falso) cafajeste.
Johan.
Aplaudo, com entusiasmo, o
trabalho dos dois atores!
É
interessante o cenário, de PATI FAEDO, concentrando várias peças
bem recortadas, em formato de bancos e/ou mesas, que lembram engrenagens de um
quebra-cabeça, constantemente, a cada um dos seis episódios (“cenas”), formando
novos desenhos, manipulados pelos próprios atores. O cenário vai sendo
reconstruído, à semelhança do que os personagens vão tentando fazer em suas
vidas particulares, ajustando as partes, à procura de uma combinação perfeita,
harmoniosa.
Aspecto do interessante cenário.
Os
figurinos, de TICIANA PASSOS, contribuem bastante para a boa composição dos
personagens.
A
luz, de ELISA TANDETA, longe da qualidade de outros trabalhos assinados por
ela, como em, “O Funeral”, “Os Que Ficam”, “A Visita da Velha Senhora” e “Um
Estranho no Ninho”, por exemplo, não merece grande destaque, mas é satisfatória.
Fica registrado o mérito de estabelecer padrões diferentes de iluminação para
cada uma das seis cenas. Faço restrição, porém, à forte iluminação que vinha do
fundo do palco, ofuscando os espectadores das primeiras fileiras, como eu.
Agrada-me a trilha sonora original, de ALEX FONSECA.
Nos últimos
tempos, muitos filmes têm sido adaptados para o palco e vice-versa. Algumas
tentativas são bem sucedidas; outras nem tanto. E há as que não provocam
grandes comentários, nem positivos, nem negativos. São apenas merecedoras de
uma classificação “média”, como é o caso do espetáculo ora analisado.
Não há por que
tecer-lhe loas, muito menos criticá-lo negativamente. É, antes de tudo, um
trabalho honesto, muito bem intencionado e feito com muita garra e amor, o que,
por si só, já bastaria para merecer todo o meu respeito. Mas não é um
espetáculo arrebatador; para mim, pelo menos, talvez pela minha antiga intolerância às "DRs".
FICHA TÉCNICA:
Autor:
Ingmar Bergman
Tradução:
Maria Adelaide Amaral
Direção:
Bruce Gomlevsky
Elenco:
Juliana Martins e Heitor Martinez
Trilha
Original: Alex Fonseca
Iluminação:
Elisa Tandeta
Cenografia:
Pati Faedo
Figurino:
Ticiana Passos
Assistente
de Direção: Luiza Maldonado
Projeto
Gráfico: Thiago Ristow
Agente
Literário: Cinthya Graber
Prestação
de Contas: Letícia Napole
Produção
Executiva: Ana Casalli
Direção
de Produção: Fábio Amaral
Produtores
Associados: Anna Magdalena, Fábio Amaral, Fabrício Chianello e Juliana Martins
Idealização:
Juliana Martins
Realização:
Bubu Produções Artísticas e Ymbu Entretenimento
Assessoria
de Imprensa: Minas de Ideias
SERVIÇO:
Temporada: Até 15 de novembro.
Dias: De 6ª feira a sábado.
Horário: Sempre às 20h.
Valor do Ingresso: R$ 40,00
(inteira) R$ 20,00 (meia-entrada).
Local:
Teatro Ipanema.
Endereço: Rua Prudente de Morais, 824 – Ipanema – Rio de Janeiro.
Telefone: (21)2267-3750.
Capacidade: 222 lugares.
Duração: 90 minutos.
Classificação: 14 anos.
Gênero: Drama.
No balanço
geral, “CENAS DE UM CASAMENTO” não
seria o primeiro nome da minha lista de indicações, porém, certamente, faria
parte dela, principalmente por reconhecimento ao grande esforço dos envolvidos
no projeto, nos quais incluo, além dos já citados, nomes como FÁBIO AMARAL, ANNA MAGDALENA e FABRÍCIO
CHIANELLO, além da própria JULIANA MARTINS, todos produtores associados, que não mediram
esforços e lutaram, tenazmente, para a produção
desta peça.
Parabéns, pela coragem e pelo empreendimento!
(FOTOS:
MARCOS MORTEIRA.)
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