terça-feira, 9 de dezembro de 2014


GERTRUDE STEIN, ALICE  TOKLAS   E   PABLO PICASSO
 

 

(DIVERTIDO E COMOVENTE.  SURPREENDENTE!!!)

 

 

 

 


 

           

 

Como é gratificante ir a um teatro, no Rio de Janeiro, em plena quarta-feira, para assistir a uma peça que não conta, na mídia, com a divulgação a que faz jus, e encontrar a casa lotada.  Deve ser a ação do “boca a boca”.  Mais compensador, ainda, é ver um espetáculo surpreendente, de uma excelente e inquestionável qualidade, e sair do teatro na certeza de que acabou de “curtir” um dos melhores espetáculos do ano, percebendo, no público, à saída, o mesmo sentimento, por conta de comentários ouvidos.

 

Isso ocorreu, quando me propus a ver GERTRUDE STEIN, ALICE  TOKLAS E PABLO PICASSO, na quarta-feira passada, dia 3, e que ficará em cartaz, até o dia 17 de dezembro, voltando ao cartaz em 6 de Janeiro de 2015, no Teatro do Leblon, Sala Tônia Carrero.

 

O ótimo texto foi especialmente escrito, por ALCIDES NOGUEIRA, para Nicette Bruno, que o representou em 1996, quando comemorava 50 anos de vitoriosa carreira.  Quase vinte anos depois, a polêmica personagem volta a ser representada, agora, por BÁRBARA BRUNO, filha de Nicette e do saudoso ator Paulo Goulart.  BÁRBARA acumula a direção da peça (sua primeira experiência na área) a quatro mãos, ao lado do irmão PAULO GOULART FILHO.

 

 

 


   Giuseppe Oristanio, Sabrina Faerstein e Bárbara Bruno.

 

 

 


                                        Giuseppe e Bárbara.

 

 

 

Confesso que, infelizmente, por não ter sido representada no Rio de Janeiro, não assisti ao trabalho de Nicette, o que muito lastimo, o qual deve ter sido esplêndido, a julgar pelo currículo dessa magistral atriz, porém a composição da personagem interpretada por BÁRBARA é comovente, digna de prêmios e de todos os aplausos.  Uma grande personagem, um grande papel para uma grande atriz.

 

A peça é inédita no Rio de Janeiro e conta a história da escritora GERTRUDE STEIN, em Paris, nos anos que antecedem e incluem a 1ª Guerra Mundial.  STEIN, judia e norte-americana de nascimento, assumidamente lésbica, foi casada, por mais de vinte anos, com outra mulher, ALICE TOKLAS, igualmente judia e americana, a quem conhecera em Paris.  GERTRUDE também teve outra relação afetiva, bastante intensa e íntima, com o genial pintor PABLO PICASSO.

 

 

 


                                     O amor de Gertrude e Alice.

 

 

 

No início do século XX, a casa de GERTRUDE foi palco de encontros memoráveis com grandes nomes das artes, um apreciável círculo de amigos, como o já citado PICASSO (vindo da Catalunha) Henri Matisse (pintor francês), Ernest Hemingway (escritor americano), James Joyce (escritor irlandês), Vaslav Nijinski (bailarino russo), Guillaume Apollinaire e Jean Cocteau (escritores franceses), além de outros.  Uma verdadeira “ONU cultural”.

 

Na sua prncipal obra, que se tornou um “best-seller”, "Autobiografia de Alice B. Toklas", que, apesar do título, foi escrito por GERTRUDE, com estilo muito próprio, esta fala de como jovens artistas e escritores, vindos das mais diversas partes do mundo, se encontram, em Paris, e, juntos, propõem novos caminhos para a arte, o embrião do modernismo.  

 

Apesar de ter, como fio narrativo, a vida da escritora e retratar, em detalhes, o dia a dia cultural do início do século XX, na Europa, o objetivo principal da peça parece-me ser o discurso da modernidade, do seu surgimento e do seu destino.

 

 

 


 

 

 


 

 

 

GERTRUDE STEIN foi a primeira pessoa a pendurar, em sua parede, pinturas de Gris, Matisse e PICASSO, por acreditar na sua estética e na sua arte “diferenciada”.  Mais tarde, romperia com muitos deles, inclusive com PICASSO, por quem manteve grande afeição durante tantos anos de convívio.  Antes, porém, como modelo, posou noventa e três vezes, para que o artista desse por finalizado o seu retrato.  Por adorar provocações e gerar polêmicas, ela achava que, em nada ele se parecia com seu rosto.  O rompimento dos dois se daria apenas em 1927, por ocasião da morte do pintor Juan Gris, porque GERTRUDE acusara PICASSO de não ter estimado o artista o bastante, tendo este retrucado a acusação, o que gerou um belo e histórico bate-boca entre os dois gênios, o da pintura e o da literatura, um belo momento do espetáculo.

 

ALICE TOKLAS, tanto na peça como na vida real, atua como a grande confidente de STEIN, sua amante, exímia cozinheira, secretária, musa, editora, crítica e uma grande organizadora da vida da escritora, quase seu anjo da guarda.  TOKLAS permaneceu, durante as mais de duas décadas de convívio íntimo com STEIN, como uma figura de fundo, em segundo plano, prezando o anonimato; principalmente, vivendo na sombra de STEIN.

 

 

 


Cena do espetáculo.

 



Uma boa trama de TEATRO, um bom texto, nasce da critividade e da imaginação do dramaturgo, ou quando este se baseia numa grande história real, como a que é explorada na peça.  ALCIDES NOGUEIRA, com bastante maestria, soube recriar, na ficção, os fatos reais que marcaram a conturbada vida de uma escritora; antes, de uma mulher; antes ainda, de um ser humano, com suas contradições e suas ideias revolucionárias.  GERTRUDE STEIN foi uma personalidade fascinante, inquieta, desafiadora e sempre na “avant-garde”.

 

Muitas outras qualidades apresenta o brilhante texto de ALCIDES, como a proposital utilização de elementos atemporais, como a tecnologia moderna (laptop em cena), em pleno início do século XX.  NOGUEIRA, para contar mais com a cumplicidade da plateia, ainda faz uso de elementos atuais, como, inclusive, mencionar a decapitação de um jornalista americano pelo autointitulado “estado islâmico”, além de outros detalhes hodiernos, que provocam, no público, boas gargalhadas.  O autor coloca, na boca dos personagens, palavrões muito bem dosados, revelando a rebeldia dos actantes e o seu comportamento anárquico, assim como explora as ironias ditas por PICASSO, principalmente, todas de grande efeito cômico.

 

 

 


Cena do espetáculo.

    

            Fica bem patente, durante toda a peça, a forte, sincera e leal relação afetiva entre o trio STEIN, TOKLAS e PICASSO, mas não um triângulo amoroso.

 

            Além do brilho do texto, há de ser realçado, também, o excelente trabalho de direção dos irmãos BÁRBARA BRUNO e PAULO GOULART FILHO.  Ela, pela corajosa aventura de embarcar no seu primeiro trabalho de direção, já com um texto tão denso, que a credencia a prosseguir dirigindo; ele, por se dedicar mais ao trabalho de ator e de bailarino.  Uma total harmonia na decodificação do texto e numa proposta estética de representação resultou num belo trabalho, surpreendente, pelo menos, para mim.  Parabéns a ambos!

 

            Quanto aos atores, o que se pode ver em cena é uma feliz reunião de três excelentes profissionais, mergulhados, com muita paixão, em seus personagens.  E o resultado disso é fantástico!

 

            Creio não ser necessário falar mais do trabalho de BÁRBARA BRUNO; simplesmente, lindo; técnica e emocionalmente perfeito.

 

            GIUSEPPE ORISTANIO já, há muito, faz parte da relação dos meus atores preferidos, entretanto, nesta peça, ele extrapola seu talento e faz aquilo que nunca imaginei ver em cena: o ator GIUSEPPE se transformar num personagem tão diferente dele, do ponto de vista físico.  Há, ali, acoplado ao um grande e profundo processo de elaboração do personagem, uma excelente experiência de visagismo (não consta, na ficha técnica, o nome do seu autor), que “ressuscita” o consagrado pintor PABLO PICASSO, do seu túmulo, no Château de Vauvenargues, na Provence, sul da França, onde está enterrado, e o faz “reencarnar” no Leblon.  Coisas da magia do TEATRO!!!

 

 

 


Giuseppe Oristanio, antes de raspar a cabeleira e se transformar em Pablo Picasso.

 

 

 

            SABRINA FAERSTEIN tem uma atuação mais discreta, em função da personagem que representa, entretanto seu trabalho não foge ao padrão de qualidade dos dois colegas de cena.

 

            É um privilégio contar com a participação de uma das mais consagradas artistas plásticas brasileiras, servindo ao TEATRO.  Estou falando de MARIA BONOMI, que assina a cenografia e os figurinos da peça, simples e totalmente incorporados ao universo da narrativa.

 

Um outro achado, neste espetáculo, é a trilha sonora, especialmente composta por ANDRÉ ABUJAMRA, de difícil combate na área, ele, músico competente, que, sempre, ao abraçar um trabalho desse tipo, deixa sua marca de talento.

 

É muito boa a luz, de Daniela Sanchez, coadjuvando na criação dos diferentes momentos dramáticos do espetáculo.

 

            Vale muito a pena assistir a esta peça! 

 

Recomendo-a, com muito empenho: aos amigos, como presente de Natal; aos inimigos, como oportunidade de virem a se tornar meus amigos.

             

 

 

 


Foto de Gertrude Stein (Observem a semelhança física com Bárbara Bruno em cena.)

 
 

 

 

FICHA TÉCNICA:
 
AUTOR: ALCIDES NOGUEIRA
 
DIREÇÃO: BÁRBARA BRUNO e PAULO GOULART FILHO
 
ELENCO: BÁRBARA BRUNO, GIUSEPPE ORISTANIO e SABRINA FAERSTEIN
 
CENÁRIO E FIGURINO: MARIA BONAMI
 
TRILHA ORIGINALMENTE COMPOISTA: ANDRÉ ABUJAMRA
 
LUZ: DANIELA SANCHEZ
 
FOTOS DE DIVULGAÇÃO: DANIEL DELMIRO
 
PRODUÇÃO EXECUTIVA; WANER UCHOA
 

 

 




 

 



 
SERVIÇO:
Teatro do Leblon: Sala Tônia Carrero (Rua Conde Bernadotte, 26)

Temporada: Até 17 de dezembro (volta no dia 6 de janeiro de 2015)

Dias e horários: 3ªs e 4ªs feiras, às 21h.

Indicação etária: 16 anos
 

 

 

(FOTOS: DANIEL DELMIRO e JÚLIA ORISTANIO)

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