A
ESTUFA
(UM INÉDITO PINTER LEGÍTIMO.)
Se
solicitado a alguém que ame o TEATRO,
principalmente o BOM TEATRO, e que
entenda dele, elaborar uma lista dos grandes textos do dramaturgo inglês HAROLD PINTER, certamente, lá estarão
presentes muitos títulos, como A Coleção, O Inoportuno, O Quarto, Feliz Aniversário,
O Serviço, O Encarregado, O Amante,
O Regresso a Casa, Traições, Volta ao Lar, por exemplo, as duas
últimas peças, talvez, as mais encenadas e conhecidas no Brasil, mas,
provavelmente, não constará, nessa relação, A ESTUFA (The Hothouse,
no original, título que até pode ser considerado, por quem conferir a encenação, uma metáfora: “casa quente”).
Esse
texto, inédito no Brasil, o segundo de sua autoria, se não me equivoco, foi
garimpado pelo diretor ARY COSLOV e
traduzido por este e por ISIO GHELMAN,
em cartaz no Teatro da Casa de Cultura
Laura Alvim, podendo ser visto até o
dia 2 de novembro.
Foi escrito em
1958, em meio à Guerra Fria, e ficou guardado por 22 anos. Foi encenado, pela primeira vez, em 1982, com
direção do próprio PINTER, sem que o
autor quisesse trabalhá-lo antes, por considerar que era fantasioso demais para
seu tempo, mudando, posteriormente de ideia.
O elenco.
O ele
SINOPSE:
O espetáculo conta a história de uma
instituição, que pode ser interpretada como um manicômio ou uma prisão política
(o primeiro enigma), onde reinam a burocracia e personagens esquisitos, os
quais se envolvem em situações permeadas por mistério, sexo e violência.
Na trama, ROOTE (MÁRIO BORGES) é o diretor-geral de uma instituição que,
aparentemente, abriga doentes mentais, embora haja margem para se pensar que
possam ser presos políticos (ambiguidade).
Em uma noite de Natal, dois fatos inusitados
alteram, completamente, a rotina do lugar: um dos internos aparece morto e uma
interna dá à luz um bebê.
A partir daí, os personagens são
envolvidos numa trama repleta de surpresas e revelações, com muito mistério,
sexo e violência. Mas também com muito humor.
O nome de HAROLD PINTER,
que escreveu 29 peças de TEATRO e
que, em 2005, recebeu o Prêmio Nobel de
Literatura, está ligado ao chamado Teatro
do Absurdo, designação
criada, em 1961,
pelo crítico
húngaro, radicado na Inglaterra, Martin Esslin, tentando sintetizar uma definição que agrupasse as obras de
dramaturgos de diversos países, que, apesar de serem completamente diferentes
em suas formas, tinham como centro de sua obra o tratamento inusitado de
aspectos inesperados da vida humana, o que se verifica, do início ao fim de A ESTUFA, já que
o que acontece não fica muito claro, as situações são meio nebulosas e dão
margem a várias leituras, características presentes em, praticamente, toda a
obra de PINTER. Esse
movimento reúne nomes consagrados da
dramaturgia universal, como, dentre outros, Samuel
Beckett, Arthur
Adamov, Eugène
Ionesco, Jean Genet
e, obviamente, o próprio PINTER.
Harold Pinter.
“A peça é um estudo sobre a
condição humana em seu sentido mais amplo, a relação de pessoas diferentes,
encarando situações de limite”, segundo o diretor do espetáculo.
Nesta montagem,
alguns aspectos merecem destaque:
1) O texto é, realmente, muito bom,
principalmente se for considerado que tenha sido escrito quando o dramaturgo
ainda era incipiente no ofício. É
engraçado e, ao mesmo tempo,
apresenta pinceladas de um tom
político e irônico, de crítica ao sistema político vigente à época. Nele, estão presentes ambiguidades, que
aguçam a curiosidade do espectador. Por
meio de diálogos bem construídos, arquitetonicamente planejados, pode-se
perceber, com bastante facilidade, o poder opressor, tirano, desvairado e
atordoante, exercido pela máquina burocrática, que escraviza, sem dó nem
piedade.
Acrescentem-se
à ambiguidade as várias respostas que podem ser buscadas, e encontradas, para
cada ação inusitada e que, muitas vezes, ou na maioria delas, nem chegam a ser
esclarecedoras. Se alguém morreu, quem é
o assassino, se é que tenha ocorrido um crime?
Ou teria sido uma morte natural ou acidental?
A quem poderia interessar que aquele alguém morresse? Se uma mulher pariu, quem seria o pai da
criança? Quem teria violado as regras de
comportamento dentro de uma instituição, cuja finalidade também dá asas à
imaginação da plateia?
Ainda com
relação à ambiguidade no texto de PINTER,
é importante lembrar que, muitas vezes, o subtexto, as entrelinhas, fala além das palavras que saem da boca de cada actante.
Por mais de
uma vez, em cena, nesta peça, observam-se personagens desorientados, olhando para um dos
cantos superiores do palco, atraídos por uma forte iluminação e por sons
estranhos, indefinidos, que sugerem prática de sexo, sessões de tortura ou algo
parecido. Faz parte da ambiguidade e dos
mistérios da peça.
Mário Borges e Isio Ghelman.
Idem.
Mário Borges.
Isio Ghelman.
2) A direção, de ARY COSLOV, atinge um patamar invejável de competência e bom
gosto. ARY, um excelente ator, talvez seja, no Brasil, uma das pessoas que
mais se aprofundaram na obra de PINTER. Não acho que seja uma condição indispensável
para ser um bom diretor o fato de, antes, ser um ator, contudo não tenho a
menor dúvida de que essa contingência contribui muito para um bom trabalho de
direção. COSLOV demonstra muita segurança e inventividade neste trabalho,
por sua intimidade com o universo “pinteresco”.
Ary Coslov, o diretor.
3) O elenco foi muito bem escalado e faz um
excelente trabalho, com destaques para três nomes: MÁRIO BORGES (ROOTE), ISIO
GHELMAN (GIBBS) e MARCELO AQUINO
(LUSH). Sem sombra de dúvidas, não
apenas pela relevância de seus personagens, o trio destaca-se dos demais e
encanta quem aprecia um irretocável trabalho de interpretação.
Não sei,
exatamente, quanto tempo o ator MÁRIO
BORGES tem de carreira, mas acompanho-a, desde seus primórdios, faz muito tempo, e já me senti,
tantas vezes, bastante gratificado com suas atuações. Trata-se de um ator que frequenta outras
mídias bissextamente, porém é no TEATRO,
num palco, que consegue ser pleno, como ao fazer um ROOTE que, desde sua primeira aparição, demonstra que será um dos pontos
altos desta montagem. Sua reação, diante
do fato de ser massacrado pela força de uma “burrocracia” (perdão, pela falta
de originalidade) de um Estado “ditatorial” e manter-se no cargo que ocupa,
naquela instituição, gera cenas inesquecíveis, de total devaneio, mesclado com
reações explosivas, que se aproximam, pode-se dizer, da histeria. Partindo de uma observação quanto aos nomes
dos personagens, permito-me “viajar” no de MÁRIO: ROOTE (Root = raiz, em inglês; raízes que o
fixam, com desmedido apego, àquela situação, a qual, certamente, lhe rende
“dividendos”. Que ator brilhante! Aplaudo-o de pé!
Mário Borges.
ISIO GHELMAN é outro ator magistral,
uma presença “ameaçadora”, para os colegas, pois, da maneira mais natural
possível, ocupa uma boa parte do espaço cênico, com seu talento invejável. É outro que me representa! Perdi a conta de quantas peças já vi com
ele. Não me recordo de ter saído de
nenhum espetáculo, de cujo elenco ele fazia parte, com a sensação de que ele
poderia ter sido melhor. Ao contrário,
tanto na comédia como no drama, a cada trabalho de ISIO, vejo-o superar-se. Nos
dois mais recentes, a não ser que minha memória tenha resolvido me trair, Jacinta e Vianninha Conta o último Combate ao Homem Comum, ambos com direção
do grande Aderbal Freire-Filho, vi,
em cena, um ator completo, que me fez rolar de rir, naquela, e me levou às
lágrimas, nesta. Em A ESTUFA, sua obediência, uma quase aparente subserviência, ao diretor
da instituição, revela, na verdade, alguém de personalidade muito forte, um
homem tranquilo e ambicioso, meio frio e calculista, indispensável para tentar
manter um pouco de equilíbrio nas situações mais grotescas e inadmissíveis que
desfilam pela trama. Mais aplausos de pé!
Isio Ghelman.
Quanto ao trabalho
de MARCELO AQUINO, na pele de um
alcoólatra contumaz, LUSH, tiro o
meu chapéu para a sua atuação. Não me
lembro de tê-lo visto, antes, em melhor rendimento que neste papel. Nada me fará mudar de ideia: a valorização do
seu personagem só existe por conta de sua brilhante atuação. Após a sua primeira cena, fiquei torcendo
para que ele voltasse logo, tão impressionado fiquei com o seu trabalho. E lá
se vão outros aplausos de pé!
Marcelo Aquino.
Os outros três
elementos do elenco, PAULA BURLAMAQUY
(SRTA. CUTTS), THIAGO JUSTINO (TUBB e LOBB) e PEDRO NESCHLING (LAMB), não desequilibram o elenco e fazem um trabalho
correto, ainda que seus personagens não tenham a força dos outros três. Com a melhor das intenções, gostaria de fazer
uma observação, com relação ao ator PEDRO
NESCHLING, que, deste outro bloco, me parece o que mais se destaca e me
agrada, talvez pelas características do personagem LAMB (carneiro, em inglês),
muito cordato, ingênuo, otimista, “cego”, muito “cordeirinho”, no falar
popular, incapaz de perceber o perigo que o cerca e, ao mesmo tempo,
hiperativo, o que requer muito esforço físico do ator. Ocorre que, exatamente por tudo isso, LAMB, sempre muito eufórico, fala
“metralhando com as palavras” e isso prejudica o ator, em função de alguma
dificuldade na dicção. Algumas vezes,
perdi o seu texto, e isso eu já verificara em outras peças em que PEDRO atuou. O amigo que me acompanhava no dia em que
assisti à peça fez essa observação, antes de eu tê-la feito a ele, e um casal,
à saída do teatro, fez o mesmo comentário.
Sugiro que o ator atente para esse detalhe e aceite esta sugestão, como
uma prova de meu reconhecimento por seu trabalho de ator e o desejo de vê-lo
cada vez melhor em cena.
Paula Burlamaquy, Thiago Justino e Pedro Neschling.
4) Todos os demais
elementos da montagem me agradaram, a começar pelo cenário (ARY COSLOV), o figurino
(BIZA VIANNA) e a incrível luz
(mais uma) de um mestre: AURÉLIO DE
SIMONI.
O espetáculo merece ser visto e fazer uma
bela carreira, pois, para isso, qualidades, muitas, aliás, não lhe faltam.
FICHA TÉCNICA:
Texto: HAROLD PINTER
Tradução: ÍSIO GHELMAN e ARY
COSLOV
Direção: ARY COSLOV
Elenco (por ordem de entrada em cena): MÁRIO
BORGES (ROOTE); ISIO GHELMAN (GIBBS); PAULA BURLAMAQUY (SRTA. CUTTS); PEDRO
NESCHLING (LAMB); MARCELO AQUINO (LUSH) e THIAGO JUSTINO (TUBB e LOBB)
Cenário: ARY COSLOV
Figurinos: BIZA VIANNA
Iluminação: AURÉLIO DE SIMONI
Trilha Sonora: ARY COSLOV
Adereços Cenográficos: ELÍSIO FILHO
Assessoria de Imprensa: KASSU PRODUÇÕES
Projeto Gráfico: ISIO GHELMAN
Fotógrafo: ARTHUR VIANNA
Assistente de Produção: BÁRBARA MONTES CLAROS
Direção de Produção: CELSO LEMOS
Realização: ARCOS PRODUÇÕES ARTÍSTICAS
SERVIÇO:
TEATRO DA CASA DE CULTURA LAURA ALVIM (Avenida Vieira Souto, 176 – Ipanema – Rio de
Janeiro
Horários: de 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 20h.
Temporada até 2 de novembro.
(FOTOS:
ARTHUR VIANNA.)
Gilberto, não sei se me interesso mais pelo seu texto ou pela peça. Você escreve tão bem que dá vontade de ir agora pra assistir!!! Parabéns, meu amigo!!! E parabéns ao elenco! Espero conseguir ver.
ResponderExcluirBjs
Olívia Trindade