sábado, 3 de maio de 2014


COMO É CRUEL VIVER ASSIM

 

 


(O INSTINTO DE SOBREVIVÊNCIA DE UM SER HUMANO TEM RAZÕES QUE A PRÓPRIA RAZÃO DESCONHECE.)

 

 

 




Sabe quando a pessoa sai de um espetáculo teatral feliz, com vontade de recomendá-lo a todos os amigos e doido para escrever sobre ele?  Aconteceu comigo, no dia 1º de maio, feriado do Dia do Trabalho, depois de ter visto COMO É CRUEL VIVER ASSIM, em cartaz no teatro da Casa de Cultura Laura Alvim.

O texto, uma comédia dramática, foi escrito, por FERNANDO CEYLÃO, em várias etapas, desde seu tempo de estudante.  Passou por muitas reescrituras, as primeiras feitas à mão, num velho caderno, e a lápis.  Segundo o autor, embora tivesse sido pensado para os palcos, parecia mais o roteiro de um filme de ação, o que, certamente, também daria muito certo.  (Fica aqui a minha sugestão de levar a história às telas.)  A ideia da trama surgiu, enquanto o jovem CEYLÃO, “matando” aula, "assistia" a um culto evangélico, num templo que ocupava o cinema que ele frequentara.

Não há, unicamente, um tema sobre o qual repousa a peça, ainda que a “frustração” possa ser considerada o principal.  Mas também ali estão presentes a luta diária pela sobrevivência, num país de poucas oportunidades; a desintegração familiar;  a busca pelo reconhecimento pessoal; a solidão; o descompromisso o moral e o legal; o vazio existencial...

A trama se passa num espaço esdrúxulo, uma pequena lavanderia meio improvisada, que também serve de moradia para dois dos personagens: CLÍVIA (LETÍCIA ISNARD), que a herdara de uma velha tia, e VLADIMIR (MARCELO VALLE), casados.
 



CLÍVIA é uma companheira fiel, uma espécie de escudeira e para-raios para as ações desastrosas e frustradas do marido.  È sonhadora e provedora do casal, com seus parcos recursos, advindos de seu trabalho (o único) honesto, ou quase, na lavanderia (permite que os outros personagens usem roupas dos clientes, antes de estes as buscarem).




VLADIMIR é uma espécie de pária (ou assim se sente), para quem, pessimista (ou realista?) de carteirinha, nada parece dar certo.  Também não se sabe se ele, realmente, deseja que dê.  Trata-se de um homem beirando os cinquenta anos, que vive, sem muito pudor, a expensas da companheira e cuja maior preocupação é a carência de reconhecimento dos outros, maior que a questão da falta de perspectivas na vida.  Sofre por não conseguir realizar nada de relevante, algo que o fizesse ser respeitado como homem e como cidadão.  Vive numa total dependência, material e afetiva.




REGINA, personagem vivida por INEZ VIANA, é uma velha “amiga” de CLÍVIA, dos bancos escolares, que não se deu bem nos estudos, abandonou-os e partiu para o mundo.  Completamente sem rumo na vida, mora, de favor, na casa/lavanderia da “amiga”.  Do quarteto, é a única que não pode ser chamada de ingênua, na trama.  É dela a ideia que vai gerar todo o quiproquó da peça.




ÁLAMO FACÓ é PRIMO, o melhor amigo de VLADIMIR e também o quarto dos patetas.  Totalmente submisso a este, apresenta traços de uma idiotice contumaz, quase um retardo mental, que é muito bem explorado pelo amigo.  Apenas sobre PRIMO, VLADIMIR experimenta o prazer de triunfar e tripudiar.




Tudo começa quando REGINA vê o caminho do crime como única forma de ascensão social e financeira e tem a “brilhante” ideia de sequestrar seu antigo patrão, homem milionário, em cuja casa havia trabalhado, como babá, por mais de quatro anos.  Seria, ao mesmo tempo, uma vingança, pelos maus tratos sofridos naquela casa ou, por menos, pela falta de atenção e reconhecimento por parte do patrão, e um meio de ganhar dinheiro de forma fácil, já que a sorte resolveu não sorrir para ela.  Ou melhor, para os quatro envolvidos no pacto.  Sim, porque, para pôr seu plano em prática, foram recrutados o casal “hospitaleiro” e o desajustado e trapalhão PRIMO. 

Quatro fracassados, sem perspectivas de vida, se reúnem para uma ação criminosa, numa atitude, para eles, totalmente desprovida de sentido do ilícito e do imoral.  Agem e pensam, inconsequentemente, movidos por um desejo de romper a barreira dos obstáculos para transpor a “porta da esperança”, de uma forma quase ingênua, à exceção de REGINA, que sabe muito bem o que quer e o que faz e leva, sobre o trio, uma certa vantagem, no campo do crime, por sua possível vivência anterior. 

No fundo, no fundo, são quatro vítimas, tanto quanto o alvo do sequestro.  Vítimas de um sistema social falido e injusto. 
No final, às portas da concretização do delito, um “imprevisto” ocorre e põe tudo a perder.  É claro que não posso revelar o final da peça.  Jamais roubaria a você, que me lê, o prazer de descobri-lo, indo ao teatro e dando boas gargalhadas.




Quanto à FICHA TÉCNICA:


TEXTO – FERNANDO CEYLÃO.  Excelente.  Apesar do rótulo de “comédia dramática”, como é vendido o espetáculo, há falas e momentos, na peça, que chegam a lembrar um pouco o teatro do absurdo, tal é o grau do que se pode chamar de “sem-noção” dos quatro personagens.  O inverossímil e o surreal, quase primos entre si, vez por outra, dão as suas caras e tornam o espetáculo mais interessante ainda.


DIREÇÃO – GUILHERME PIVA.  Muito boa e segura.  Não é fácil dirigir comédia.  PIVA deve ter trabalhado muito com os atores, até que atingissem o tom certo para os personagens e um tempo de comédia que se mantivessem do início ao final dos 90 minutos de duração do espetáculo.  O trabalho do diretor, numa comédia, é, no meio de tantas preocupações, conter as extravagâncias na interpretação, rumo para o qual, naturalmente, parece correr o trabalho dos atores, de uma forma geral, nesse tipo de texto.  GUILHERME e seus companheiros souberam, muito bem, misturar, em doses certas, os elementos necessários para se fazer uma boa comédia.


ELENCO – ÁLAMO FACÓ, INEZ VIANA, LETÍCIA ISNARD e MARCELO VALLE (em ordem alfabética).  Excelentes trabalhos de todos.  Não vejo a menor possibilidade de destacar a atuação de ninguém.  Poucas vezes, conseguimos ver, no palco, um elenco tão afinado e tão competente.  Já os vi fazendo dramas, em que também se saem bem, mas, indiscutivelmente, a vocação do quarteto para a comédia é digna de todos os elogios.  Só tenho a agradecer aos quatro pelas sonoras gargalhadas que me fizeram dar, acompanhado por toda a plateia, a cada fala, inteligentemente construída por CEYLÃO e dita por eles.




DIREÇÃO DE MOVIMENTO – MÁRCIA RUBIN – Boa, principalmente se considerarmos as dimensões do palco, o pouco espaço que sobra, em função do cenário, e as marcas feitas pelo diretor.


CENÁRIO e OBJETOS – AURORA DOS CAMPOS – Depois de triplamente premiada, em 2013, por seus trabalhos de cenografia, com destaque para o magnífico cenário de CONSELHO DE CLASSE, AURORA brilha mais uma vez.  Ainda bem que a ficha técnica não se limita a falar apenas em “cenário” e acrescenta a rubrica “objetos”.  Sim, porque essa competentíssima profissional não é apenas uma cenógrafa; seu trabalho entra pelo campo da direção de arte.  Os objetos expostos no cenário estão perfeitamente ajustados à concepção do ambiente.  Recomendo que prestem atenção a todos os detalhes expostos no cenário.


FIGURINOS – ANTÔNIO MEDEIROS e TATIANA RODRIGUES. Ótimos.  Principalmente os vestidos por INEZ e ÁLAMO.


ILUMINAÇÃO – MANECO QUINDERÉ.  Mais um acerto do MANECO.  Muito boa a luz e, na visão de quem não é técnico, difícil de ser operada, tarefa tirada de letra por BEL CABRAL.


TRILHA MUSICAL – FERNANDO CEYLÃO.  Muito boa.


SUPERVISÃO MUSICAL e DESENHO DE SOM MARCELO ALONSO NEVES.  Bom trabalho.


É longa a ficha técnica e todos estão de parabéns, porque, de alguma forma, contribuíram, e contribuem, para o bom resultado da peça.




Saí do teatro muito feliz, depois de me divertir bastante e de dar boas gargalhadas.  Por outro lado, como dizia o poeta Billy Blanco, em sua canção Canto Chorado, “O que dá pra rir dá pra chorar; questão só de peso e medida”.  Depois do espetáculo, é parar para pensar no que levou os personagens àquela situação grotesca, hilária, desesperadora, limite e pensar no que se pode fazer para transformar este país numa nação mais justa, que deveria tratar melhor seus filhos, para evitar que acontecesse o desfile de atrocidades e injustiças, diariamente, aos nossos olhos.  O que poderia ser feito para dar dignidade aos milhões de exemplos de CLÍVIA, REGINA, VLADIMIR e PRIMO, que são nossos vizinhos ou nós mesmos?




Recomendo muito o espetáculo, em cartaz no teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, de 5ª a sábado, às 21h, e, aos domingos, às 20h, até o final de maio, salvo engano.



 


Fernando Ceylão (autor)

 

 


Guilherme Piva (diretor)

 



(FOTOS DIVULGAÇÃO / PRODUÇÃO DO ESPETÁCULO E PÁGINA DO FACEBOOK : COMO É CRUEL VIVER ASSIM)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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